RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de monografia que procurou entender como se relacionam e se conjugam ativismo político pela ocupação da cidade e o Carnaval de Rua de Belo Horizonte (BH). A motivação para tal pesquisa se deu a partir dos seguintes fatos: a capital de Minas Gerais, durante muito tempo foi conhecida como cidade refúgio para aqueles que não se interessavam pelo Carnaval. Entretanto, de 2010 pra cá se multiplicaram blocos e manifestações culturais que reavivaram os festejos. O que parece ter motivado este novo cenário é o contexto político vivido na cidade, cujo marco seria a promulgação, pelo Prefeito Márcio Lacerda, do Decreto nº 13.798 de 09/12/2009, cujo objetivo era proibir eventos de qualquer natureza de ocorrerem na Praça da Estação, praça central que sempre abarcou inúmeros eventos públicos. Na sequencia, vários movimentos surgiram em desacordo à administração municipal, os quais participam ativamente da nova onda de festas.

Palavras-chave: Carnaval, Belo Horizonte, Ativismo Político, Ocupação da Cidade

1. INTRODUÇÃO E METODOLOGIA

Quem folheia os velhos jornais é obrigado a acreditar que, há anos passados, o carnaval era, aqui, animado e brilhante. Quem pensa, hoje, em organizar clubes carnavalescos com cortejos alegóricos e tudo mais? E, no entanto, em 1905, além do “Mataquins”, era organizado nesta capital o “Clube dos Progressistas”, que se inaugurou com grande aparato. Hoje, os folguedos estão reduzidos a bailes elegantes ou a danças populares nos subúrbios. Antigamente, o carnaval se estendia por tôda a cidade: era a festa das multidões, todas as classes participavam da folia (Andrade 1947: 58). Desde que me mudei para Belo Horizonte (BH), capital de Minas Gerais, em 2006, sempre ouvi que a cidade era um refúgio para aqueles que não se interessavam pelo Carnaval. Quando chegava a época desta festa, quem gostava da diversão a procurava fora daqui! Dessa forma, a passagem acima escrita pelo jornalista Djalma Andrade na década de 40 poderia, com grande semelhança, ser do início deste século. No entanto, nos últimos anos (de 2010 para cá) é cada vez mais frequente se ouvir falar do Carnaval de Rua que vem ocorrendo na cidade. Aliás, este tem tomado tal proporção, que no ano de 2014, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) anunciou que esperava mais de um milhão de pessoas nas ruas. 1 Como no final da década de 40, “os folguedos” em clubes e bairros não deixaram de ocorrer. Contudo a festa tomou novo fôlego em 2010 devido à vontade espontânea de alguns belo-horizontinos em experimentar o Carnaval de Rua na cidade e ocupar o espaço público com seu cortejo e alegria, o que, anteriormente, era feito somente por alguns poucos blocos tradicionais e caricatos, a Banda Mole2 e o desfile das escolas de samba. Esta experimentação foi “ganhando corpo” e, nos anos subsequentes, foram surgindo novos blocos com o acompanhamento de um número crescente de foliões em sua peregrinação. Para se ter uma ideia, de acordo com o então presidente da Empresa Municipal de Turismo – Belotur, 3 Mauro Werkema, em 2009 desfilaram pela cidade 15 blocos, 4 enquanto em 2014, mais de 130 blocos registraram-se na Prefeitura. 5 Portanto, fica a dúvida: se já existiam blocos tradicionais e caricatos, 6 Banda Mole e o desfile de escolas de samba ou conjuntos de amigos que se aventuravam pelos bairros com os poucos belo-horizontinos que ficavam na cidade, porque a partir de 2010 “o caldo engrossou”? Isto é, porque as pessoas se interessaram pelo Carnaval de Rua na cidade? Bem, uma hipótese é a de que existiu\existe um contexto favorável. Em dezembro de 2009 o então prefeito de Belo Horizonte, o Sr. Márcio Araújo de Lacerda, reeleito em 2012, sancionou um decreto cujo objetivo era a proibição de eventos de qualquer natureza de ocorrerem na Praça da Estação, praça central da cidade, que sempre abarcou inúmeros eventos públicos, como apresentações culturais diversas, manifestações e protestos, entre outros. Assim, Márcio Lacerda aprova o Decreto nº 13.798 de 09 dezembro de 2009, impedindo o uso e ocupação deste espaço público: O Prefeito de Belo Horizonte, [...] considerando a dificuldade em limitar o número de pessoas e garantir a segurança pública decorrente da concentração e, ainda, a depredação do patrimônio público verificada em decorrência dos últimos eventos realizados na Praça da Estação, em Belo Horizonte, DECRETA: Art. 1º - Fica proibida a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação, nesta Capital. Art. 2º - Este Decreto entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2010 (Decreto nº 13.798/2009, DOM, 10 de dez. 2009). Logo após a entrada em vigor deste instrumento normativo, é organizado, por meio das Redes Sociais (Facebook, Blogs, Twitter, etc.), um evento de protesto à ação do prefeito: o Vá de Branco. 7 Esta “reunião popular”, ocorrida 07 de janeiro de 2010, na Praça da Estação, logo se transformou em encontros sabáticos apelidados de Praia da Estação8 e a população, por meio das redes sociais, era convidada a desfrutar, naquele verão e a caráter, das fontes de água do local, transformando-o em uma praia popular em meio ao centro da cidade. Neste mesmo ano de 2010, em decorrências de novas ações restritivas do governo municipal, surge o movimento independente Fora Lacerda, 9 claramente uma alusão ao prefeito da cidade demonstrando a indignação de seus simpatizantes pela administração do município. Surge também o bloco de carnaval Praia da Estação, que saiu da Praça da Estação (região central) e desfilou em direção à Praça Floriano Peixoto (região leste), 10 passando em frente ao prédio da Prefeitura, onde os foliões lavaram suas escadarias em um ato simbólico de “limpeza e purificação” da administração municipal. Ainda é importante mencionar o Concurso de Marchinhas Mestre Jonas, iniciado em 2012, cujo fato interessante é que vem premiando, com o 1º lugar, marchinhas com temáticas intimamente ligadas ao contexto político local. Dessa forma, dado o cenário apresentado e as perguntas colocadas, tornou-se importante avaliar como se conjugam ativismo político, a partir da ocupação da cidade, e Carnaval de Rua em Belo Horizonte. Isto porque, nesta cidade, parece ser a sua ocupação a plataforma principal de discussão (que abre espaço a diversas outras) que se expressa no Carnaval de Rua. Assim, o trabalho ao qual este artigo é subsidiário procurou entender como as pautas relacionadas à ocupação do espaço público e ao direito à cidade estão relacionadas a tal festividade. Visto isso, o objetivo deste artigo é apresentar os resultados de tal pesquisa. Para alcançar sua finalidade, a pesquisa de referência foi feita com base na metodologia “análise situacional” ou “método de estudo de caso detalhado” e foi desenvolvida em três fases: a primeira, que abarcou o campo pré-Carnaval (ensaios de bloco) e a busca documental; a segunda, que se constituiu do campo realizado durante as festividades do Carnaval de 2014; e a terceira, onde foram feitas as entrevistas com atores relevantes selecionados. A análise situacional ou método de estudo de caso detalhado é uma técnica antropológica que se conceitua, de forma simplificada, pela “análise sequencial de situações sociais e focaliza gente, lugar e tempo, com o objetivo de apreender processos, ações e sequências de desenvolvimento em contextos específicos, por meio de uma perspectiva da sociedade em movimento e em constante fluxo” (Feldman-Bianco 1987: 49). VanVelsen (1987) considera que a metodologia da análise situacional leva em conta uma pesquisa de campo mais intensa em uma menor unidade, no entanto, com uma densidade de detalhes bem robusta. Tal metodologia foi escolhida pelo potencial operacional que confere diante de um cenário tão complexo como é a festa de Carnaval. Aqui é importante sublinhar duas questões, quais sejam: a) no Carnaval de 2014, foram escolhidos dois cortejos de blocos como base para a análise situacional. O do “Bloco da Praia da Estação” e o do “Bloco Tico Tico Serra Copo”. Esta escolha foi feita por conveniência, uma vez que foram estes os eventos registrados com maior quantidade de detalhes; e b) devido sobretudo ao curto espaço de tempo para coleta dos dados e informações necessários e ao volume deles, a seleção dos sujeitos entrevistados se limitou a abarcar o ponto de vista daqueles que faziam parte, principalmente, da organização de alguns blocos de carnaval. Foram feitas, de fevereiro a abril de 2014, dezessete entrevistas semiestruturadas e individuais com participantes de blocos diversos. A escolha dos entrevistados se deu por conveniência e a partir de indicações. A referência a todos os entrevistados, em seus depoimentos, foi feita atribuindo um nome fictício a cada um deles, a fim de se preservar o sigilo de suas identidades. [...]