RESUMO

O trabalho procura averiguar se é possível a aplicação da Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/2006, aos casos de violência familiar e doméstica contra mulheres trans. Adota como metodologia a pesquisa bibliográfica e o estudo de caso. Busca na doutrina jurídica estudos específicos sobre a Lei Maria da Penha, com o intuito de examinar qual é a sua finalidade social e quais são os seus critérios de aplicação. Investiga, também, nos estudos sobre teoria de gênero qual é a definição de ser mulher, para comparar se mulheres cis e mulheres trans são socialmente semelhantes. Recorre, ainda, aos ensinamentos sobre hermenêutica jurídica, principalmente sobre interpretação teleológica, com a finalidade de apurar se é possível essa aplicação da Lei. Por fim, utiliza do estudo de um caso concreto para analisar os esforços argumentativos dos juristas no tocante dessa aplicação. Ademais, analisa dois projetos de lei em tramitação no parlamento brasileiro que pretendem estender a proteção da referida lei a essas pessoas. Conclui que mulheres trans e mulheres cis são socialmente semelhantes, portanto fazem jus à proteção da Lei Maria da Penha. Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Teoria de gênero. Violência doméstica e familiar. Mulheres trans. Hermenêutica Jurídica.

1 INTRODUÇÃO

Este estudo originou-se a partir da palestra proferida pela Delegada Yasmin Ximenes, na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, onde ela defendia o atendimento de mulheres trans nas Delegacias de Proteção à Mulher, conforme portaria emitida pelo Governo do Estado do Ceará. Essa possibilidade gerou uma indagação: o que aconteceria depois de realizado o atendimento? Seria legalmente possível a aplicação da Lei Maria da Penha aos casos de violência doméstica e familiar contra mulheres trans? Para responder essas indagações, o presente trabalhou adotou a metodologia da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, bem como o método do estudo de caso. Trata-se, assim, de pesquisa bibliográfica e analítica. Foram selecionados, na doutrina jurídica, estudos voltados especificamente à Lei Maria da Penha, com o intuito de conhecer seus institutos, como também de delinear a sua finalidade social e seus critérios de aplicação. Mostrou-se que a finalidade social da referida lei é a proteção das mulheres e que, dentre outros critérios, o sujeito passivo da norma precisa ser mulher. Todavia, a mera análise do diploma legal não se mostrou suficiente para responder as indagações que motivaram este estudo. Originou, na verdade, outra indagação: o que, de fato, é ser mulher? Para responder essa outra pergunta, recorreu-se aos estudos sobre teoria de gênero, em especial, da autora Judith Butler. Dessas pesquisas, concluiu-se que, para ser mulher, é preciso se sentir como uma. Assim, mulheres cis e mulheres trans são socialmente semelhantes. A partir disso, retornou-se ao estudo da Lei Maria da Penha, dessa vez, com enfoque hermenêutico, abordando, principalmente, no que consiste e como deve ser utilizada a interpretação teleológica. À luz da interpretação teleológica foram revistos os critérios que definem quem pode ser o sujeito ativo e o sujeito passivo da Lei Maria da Penha. No tocante da aplicação da lei, foi realizado estudo de caso específico onde a Lei Maria da Penha foi aplicada em favor de uma mulher transexual. O referido caso foi escolhido para figurar no presente trabalho devido ao seu caráter inovador. Ademais, foi escolhido em detrimento de outros casos semelhantes por se tratar de apreciação feita em segundo grau de jurisdição. Assim, foram examinados os argumentos utilizados pelos magistrados em favor da aplicação da lei, comparando-os com os estudos analisados neste trabalho. Percebeu-se que os esforços argumentativos se davam em razão da omissão legislativa quanto à tutela das mulheres trans. Nesse sentido, procurou-se, também, observar 15 dois projetos de lei que tramitam no parlamento brasileiro que pretendem estender a proteção da Lei Maria da Penha a essas mulheres. Considerou-se que ambos os projetos carregam erros teóricos que podem prejudicar o alcance do objetivo de sanar a omissão legislativa. Tais erros seriam decorrentes da falta de aproximação dos poderes Legislativo e Judiciário com os estudos sobre teoria de gênero. Os resultados alcançados indicam que a mudança legislativa representaria um avanço na conquista dos direitos das mulheres trans, garantindo-lhes a segurança jurídica. Todavia, a ausência de previsão legal não desautoriza a aplicação da Lei Maria da Penha nesses casos. Pois, a referida lei é voltada à proteção das mulheres. Assim, como mulheres trans e mulheres cis possuem papel social semelhante, a aplicação em favor das primeiras não prejudicaria a segurança jurídica, pelo contrário, favoreceria a realização da finalidade social da Lei Maria da Penha. [...]