A POSSIBILIDADE DA DEVOULUÇÃO OU NÃO DE CRIANÇAS ADOTADAS SOB A ÉGIDE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Rafaela Coelho Rodrigues Lima

1 DESCRIÇÃO DO CASO

O casal Barbie e Ken, depois de 7 anos tentando gerar um filho, decide adotar uma criança. Após visitas à Casa da Criança Feliz, decidem adotar a menina Suzy, de 6 anos, que já estava abrigada há 4 anos na instituição. Por serem professores da rede municipal de ensino e lecionarem nos turnos matutino e vespertino, ingressaram com a ação de adoção requerendo, na exordial, a guarda provisória da criança e a realização com brevidade do estágio de convivência, em virtude da dinâmica da vida do casal.

O casal apresentou as declarações de idoneidade moral, comprovantes de renda e demais documentos indispensáveis à propositura da ação. A guarda provisória foi deferida liminarmente ao casal, e em razão do grande número de processos aguardando a realização de estudo social, somente após 04 meses do deferimento liminar da guarda provisória é que a equipe multidisciplinar da Vara de Infância e Juventude compareceu à primeira vez na residência dos adotantes para realizar o estudo.

A equipe multidisciplinar visitou a residência por três vezes: uma pela manhã, uma pela tarde e uma pela noite, encontrando a criança e os adotantes apenas quando da visita no período da noite, recebendo a informação dos vizinhos que a criança frequentava uma escola em tempo integral em virtude da rotina de trabalho de Barbie e Ken.

O estudo então foi concluído pela equipe multidisciplinar, com a manifestação pela adoção, apesar do registro de que a criança ainda não se mostrava completamente à vontade com os adotantes, possuindo episódios de “terrores noturnos” que incluíam “pesadelos” e “xixi na cama”, o que, pelo depoimento de Barbie e Ken, era atribuído às condições de isolamento social sofridas em decorrência do grande período de abrigamento.

Sentindo-se convencido com a demonstração dos adotantes de idoneidade, capacidade financeira e o desejo de estabelecer uma família com a criança, o juiz determinou que os autos retornassem conclusos para julgamento.

Um ano e quatro meses depois do ajuizamento da ação, antes da prolação da sentença, Barbie e Ken devolvem Suzy à entidade de acolhimento, alegando a desistência da ação de adoção em decorrência de incompatibilidade irreconciliável com a criança, que se mostrava teimosa, desobediente e com grande grau de rebeldia, o que teria resultado na ausência do desenvolvimento e laços afetivos entre eles, inviabilizando a continuidade do processo adotivo.

Juntada a petição comunicando que a criança havia sido devolvida, o juiz resolve enviar os autos em vista a você, membro do Ministério Público, para parecer e providências cabíveis.

2.1 Descrição das Decisões Possíveis

2.1.1 A criança deve ser devolvida

2.1.2 A criança não deve ser devolvida

2.2 Argumentos Capazes de Fundamentar cada Decisão

A criança poderá ser devolvida, baseado nos seguintes argumentos: ante a ausência de determinação legal para que os futuros pais desistam da ação no curso do exercício da guarda provisória da criança; O ato de adoção somente se concretiza e passa a produzir efeitos a partir da sentença judicial, entendimento este que se extrai dos arts. 27 e 199-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente; A própria lei de adoção prevê a possibilidade de desistência, no decorrer do processo de adoção, ao criar a figura do estágio de convivência, momento este que é oportuno para que tantos os pais, quanto as crianças se familiarizem.

A criança não deverá ser devolvida: a criança que está em processo de adoção, não é uma coisa, que pode a qualquer tempo ser devolvida, os adotantes devem analisar como um procedimento complexo e dotado de seriedade, a adoção tem como objetivo principal assegurar o melhor interesse da criança, por se tratar de um ser ainda em desenvolvimento.  A criança não deve ser devolvida, como forma de vedar o processo de “coisificação da criança”, na qual ela perderá sua dimensão de sujeito e transformar-se-á em um produto descartável. O início do processo de adoção se deu por um ato completamente voluntário do casal, que não pode ser desfeito de forma imotivada, seria uma atitude imprudente dos adotantes, haja vista que eles estariam rompendo de forma brusca o limiar do vínculo familiar que estava sendo criado, implicando em um abandono efetivo e material. Ademias a possibilidade de revogação da guarda a qualquer tempo é uma medida que visa assegurar os direitos das crianças e adolescentes que passarão pro um processo de adoção, logo não se amplia ao Adotantes, pessoas maiores e capazes que de livre e espontânea vontade se propuseram a um processo de guarda e posteriormente se arrependem, e resolvem devolver à criança; por fim, o estágio de convivência visa beneficiar a criança, verificando se o adotando se adapta ou não em seu novo lar, não funciona como um estágio para que os futuros pais decidam se vão adotar ou não, tendo em vista que, essa é uma decisão tomada ao se habilitar em um processo de adoção.

2.3 QUESTÕES PARA ANÁLISE

Quais as medidas (processuais, extra processuais e/ou administrativas) deve adotar o Ministério Público sobre a devolução realizada, e sob quais fundamentos?

 O ministério Público como Órgão essencial a função jurisdicional e por ser detentor da legitimidade para propor ação que verse sobre direitos fundamentais da criança ou do adolescente, conforme previsão do art. 127 da Constituição Federal, pode propor uma Ação Civil Pública objetivando a condenação  de Barbie e Ken na obrigação de indenizar os danos morais e materiais, em razão de um abandono afetivo e desistência imotivado da adoção da infante Suzy.

Foi respeitado o devido processo legal previsto no ECA e a Lei de Adoção para apreciação do pedido liminar, audiência de instrução e conclusão dos autos para a sentença?

Constata-se alguns erros durante esse processo de adoção, inicialmente, verifica-se que houve uma infração aos comandos do art. 50, §3, do ECA. O dispositivo é bem claro ao propor anterior ao procedimento de inscrição de postulantes a adoção deverá haver um período de preparação psicossocial e jurídica orientado pela equipe técnica da Justiça da Infância da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia à convivência familiar.

Assevera ainda, o referido ordenamento a possibilidade de que esse acompanhamento seja feito de forma que inclua o contato com crianças e adolescentes em acolhimento familiar ou institucional em condições de serem adotados, a ser realizado sob a orientação supervisão e avaliação da equipe técnica da Justiça da Infância e Juventude. (Art. 5ª, §3, ECA)

Antes do deferimento da guarda provisória, sequer foi proporcionado um contato entre os Adotantes e a Adotada, verifica-se que houve uma falha enorme nesse procedimento de adoção. A equipe multidisciplinar só compareceu a casa da família para averiguar a situação, tempos depois em que a guarda provisória já tinha sido concedido, sendo que é necessário um período de avaliação do casal antes do convívio com a criança, até mesmo para preparar a família para receber a criança e superar as dificuldades que possam surgir em se tratando de relacionamento e convívio familiar.

Ademias, os relatos colhidos pela equipe multidisciplinar não foram muito favoráveis a manutenção do convívio da criança com o casal, Denota-se das informações colacionados ao caso, que o casal por motivos profissionais não conviviam com a criança, que passava o dia todo em uma creche-escola, além disso, concluíram que a criança ainda não se mostrava completamente a vontade na convicência com Barbie e Ken.

Por fim, temos que questionar a ausência de audiência de instrução no processo, o fato dos autos terem diretamente seguidos concluso para o Juiz, prejudicou demasiadamente o direito da criança, não assegurou o postulado do melhor interesse do menor a doutrina da proteção integral, até porque Suzy poderia ter sido ouvida, é de suma importância o seu relato, haja vista que o estágio de convivência serve para verificar se a criança é bem recepcionada pela nova família, se a criança se adaptou ao novo lar, portanto seria extremamente necessário uma audiência de instrução e julgamento.

[...]