A politização do Poder Judiciário: Poder Normativo Oriundo das Demandas Sociais.[1]

 

 Eldiane Rodrigues dos Santos

Diego Soares Montelo[2]

 

Gabriel Cruz[3]

Sumário: Introdução; 1 A evolução da politização do Judiciário brasileiro; 1.1 A sociedade e a política e na construção do novo modelo Judiciário ; 1.2 O paradigma de confiança no Judiciário e a repercussão no equilíbrio de poderes. 2 Criação Normativa pelo Judiciário advindo da sociedade Criação Normativa pelo Judiciário e seu poder de regular o social  ; 2.1 Desenvolvimento da atuação normativa do STF : A Jurisprudência e as súmulas como método  de exercício ; 2.2 A problemática da PEC 33 e da função atípica do Judiciário 3 Desconfiança no Poder Legislativo e no Poder Executivo: um olhar social; 3.1 Jurisprudência como um mecanismo de atuação em sociedade., Conclusão.

RESUMO

No presente artigo pretende-se abordar como contemporaneamente tem se dado as relações entre sociedade e Poder Judiciário na evolução de uma perspectiva de politização do Judiciário através das crescentes demandas que chegam a ele. A interpretação dada pelo paper será focada na dinâmica atual observada entre política, sociedade e Direito, principalmente no que concerne ao produto que se deriva entre esse relacionamento qual seja as crescentes influências políticas que invadem o judiciário, pelo fator discricionário que tal poder apresenta em face da sociedade, que por vezes se mostra mais próxima à ela, devido à atividade judicial estar mais relacionada com os casos concretos socialmente expressos nas lides.

Palavras-chave: Politização do judiciário. Demandas sociais. Judicialização das relações .Jurisprudência.

Introdução

A velha perspectiva de plena harmonia entre os três poderes por terem uma pretensa separação de forma plena e efetiva, elaborada por Montesquieu, parece não se aplicar mais na contemporaneidade, haja vista que é inevitável no modelo jurídico brasileiro - e em geral no ocidente, sob a égide do civil Law e do common Law – que as influências da política não adentrem no mundo primordialmente técnico em termos jurídicos do Direito, haja vista que o paradigma de freio e contrapesos pressupõe justamente que um poder deve interferir no outro mesmo que tal fenômeno hoje pareça sofrer em certas situações um engrandecimento sem os ditos ‘’freios’’, além disso, observa-se a estruturação do chamado neoconstitucionalismo[4] que tem como fundamentos, entre outros, a judicialização da política e politização do judiciário, a partir de tal perspectiva pode-se falar também da aproximação da sociedade com judiciário, pois o aspecto sociológico nunca pareceu tão envolvido com as atividades judiciais.

Observando o apontando anterior, em um primeiro tópico será feita uma abordagem sobre a politização do Judiciário com base no livro “Curso de Direito Constitucional Contemporâneo” de Luís Roberto Barroso usando-se desta obra o que se refere às relações entre Direito e Política e principalmente sobre a opinião pública.

No segundo tópico far-se-á uma analise do paradigma de confiança do Judiciário e qual a relação disso com os outros poderes, com base no artigo “A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos” de Daniel Sarmento abordando desse artigo o que concerne aos direitos sociais no contato com o Judiciário. Quando se tratar sobre a função atípica legislativa do STF usar-se-á o artigo de Thomas Bustamente “A criação do Direito pela Jurisprudência: notas sobre a aplicação do Direito pela epistemologia na teoria pura do Direito” bem como o artigo “A força criativa da Jurisprudência e os limites impostos pelo texto da lei” que tem como autor Enrico Tullio Liebman.

Ainda no segundo tópico ao se analisar a PEC 33 se fará uma interpretação de como tal projeto de emenda expressa o atual estado conflituoso entre Judiciário e Legislativo devido ao poder normativo do primeiro e como isso afetaria as decisões do STF com base nas demandas sociais.

Por concluinte no terceiro tópico com base no artigo de Luis Roberto Barroso “Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil contemporâneo” onde se abordará uma ampliação de confiança no Poder Judiciário fundamentando-se em uma visão social, onde a sociedade cada vez mais busca uma resposta no Judiciário, depositando toda a sua confiança nesse poder.

1 A evolução da politização do Judiciário brasileiro

Após a promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988 e a respectiva redemocratização do Brasil, percebeu-se uma expansão das competências do judiciário muito fomentada sob a base de um fenômeno chamado ‘’Politização do Judiciário’’em que o relacionamento entre Política e Direito se tornou cada vez mais próximos, como apontado por Luis Roberto Barroso (2012, p.421), em que o poder judiciário passou a abordar cada vez mais certas circunstâncias que anteriormente seriam fixados para os outros poderes, muito devido também ao próprio caráter Dirigente, em um paradigma de Estado Social da Constituição brasileira que aproxima a sociedade e as competências judiciais como demonstra Bernardo Gonçalves Fernandes (2012, p. 81), abordar-se-á a seguir como se observam as relações políticas e sociais com o poder judiciário e como se observa essa aproximação em seu caráter mais técnico, fazendo-se, em especial , referência aos limites entre a própria política e a prestação jurisdicional.

1.1  A sociedade e a política e na construção do novo modelo Judiciário

 

Atentando-se ao caráter já referido de uma constituição dirigente No Brasil, onde  tal paradigma busca a efetivação das chamadas regras programáticas em seus aspectos sociais e econômicos buscando atender o bem estar social (FERNANDES, 2012), nota-se que esse aspecto social do constitucionalismo brasileiro contemporâneo conseguiu aproximar as demandas sociais em seus mais diversos prismas de interesses com o próprio aparato judicial e nos seus mecanismos de efetivação da prestação jurisdicional , sendo a jurisprudência uma ferramenta de grande força em tal aproximação; Alia-se a isto também à questão de gradual engrandecimento da desconfiança da própria sociedade para com os outros dois poderes, tendo em vista os notórios casos de corrupção que atingem o país que em grande parte advêm de agentes públicos que estão no executivo e o legislativo.

É de grande necessidade que se exponha o fato de que a natureza do judiciário permite que a sociedade se debruce nas atividades realizadas por este já que, como mostra Enrico Tullio Liebman (1986, p.2): ‘’ Problemas abstratos para o legislador; problemas concretos para o juiz, com a natural consequência de que o ato legislativo resolve e é eficaz para uma série de casos futuros, enquanto o ato jurisdicional põe fim a uma controvérsia concreta e é eficaz só em relação a esta ‘‘, nota-se então que pelo fato do juiz ter que enfrentar o que lhe é demando em um caso concreto, mais factível, é natural que a sociedade entenda por vezes que o judiciário tem o dever e efetivamente pode resolver qualquer um de seus conflitos.

Ao se abordar tal aspecto de aproximação do judiciário com a sociedade, tem se notado que cresceu no país um ativismo judicial que começou a abordar circunstâncias  não antes tidos como tipicamente do judiciário e além disso, em muito , por meio da jurisprudência, como  , regulamentando relações ao dar força normativa a esse instrumento de viabilização da atividade jurisdicional , como nos casos em que o STF abordou o aborto em casos de fetos anencéfalos e nas pesquisas acerca das células-tronco de embriões (BARROSO ,2012 ).

Neste modelo atual nota-se que as atividades políticas e  tecnicamente jurídicas se confundem, a ponto de se questionar a legitimidade de atuação do judiciário nessas situações tendo em vista o modo como os magistrados adentram na carreira, como bem observa Luis Roberto Barroso (2012, p. 408)

Os métodos de atuação e de argumentação dos órgãos judiciais são ,como se sabe ,jurídicos, mas a natureza de sua função é inegavelmente político, (...) Sem embargo de desempenhar um poder político, o Judiciário tem características diversas das dos outros Poderes. É que seus membros não são investidos por critérios eletivos nem por processos majoritários. E é bom que seja assim. (...) Mas o poder de juízes e tribunais, como todo poder em um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade.

 

 

Faz-se necessário que se entenda que esse questionamento quanto à legitimidade do judiciário é importante na medida em que se põe em foco a possibilidade de uma substituição de atuação política dos poderes Executivo e Legislativo pelo poder Judiciário já que se tem como fato primordial para esta preocupação a questão de que este último emite decisões que subordinam os dois poderes e os vincula; Entretanto longe da perspectiva de Montesquieu onde um poder é imune à atuação dos outros as interferências na jurisdição superior atualmente são comuns, mas nem por isso pode-se deixar que se tornem demasiadamente autoritárias, já que o equilíbrio de atuação de poderes ainda é necessário dentro de uma Democracia moderna.

1. 2 O paradigma de confiança no Judiciário e a repercussão no equilíbrio de poderes

Contemporaneamente tem se percebido um atual paradigma em que cada vez mais a sociedade busca uma resposta, uma justiça por parte do Judiciário colocando toda a sua confiança nesse poder como uma forma de suprir sua desconfiança em relação aos outros dois poderes. Havendo assim uma politização do Judiciário, tendo assim uma forma dialética entre sociedade e Direito, com base nisso a sociedade tem procurado o Judiciário para este garantir os principais direitos sociais que muitos deveriam ser assegurados pelos outros poderes, mas não está havendo uma efetivação disso. Então, o Judiciário tem servido muitas vezes como um instrumento para garantir direitos sociais, buscando no direito positivado uma forma de resolver as demandas sociais, o sistema judicial tem sido atualmente o maior meio de justiça social para a sociedade brasileira.

No entanto, toda essa politização tem tido consequências bastante complexa. É importante indargar se esse acesso ao Judiciário tem se dado apenas através de determinada parte da sociedade ou por uma maioria. Muitas vezes quem mais precisa desse poder não consegue ter acesso a ele, o que se percebe que tem tido um aumento significativo de acesso, porém este está centralizado principalmente na classe média. Então, muitas vezes quem precisa mais de uma efetivação dos direitos sociais não consegue alcançar de forma justa, de acordo com Daniel Sarmento no seu artigo "A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos” em diz : ‘’Adicione-se a este panorama a constatação de que o acesso à justiça no Brasil está longe de ser igualitário, Por diversas razões, os segmentos mais excluídos da população dificilmente recorrem ao Judiciário para proteger os seus direitos.” (p.4)

Além do que vale ressaltar será que de vale a pena depositar toda confiança no Poder Judiciário? Esse poder é único em que não existe uma eleição para decidir quem fará parte dele, nesse poder não existe uma participação democrática por parte da sociedade para impor a sua vontade. Será que o Judiciário de fato consegue garantir a quem precisa os seus direitos sociais? Todas essas questões devem ser pensadas para evitar injustiças e decisões contrárias a vontade do povo. Afirmar somente a esse poder a efetivação das demandas sociais tem como consequência dar amplo poder para os juízes que nem sempre estão preparados como devem e muitas vezes nem possuem legitimidade. Ressaltando o pensamento de Michael Walzer

A proteção judicial de direitos sociais iria reduzir o alcance das decisões democráticas. De fato, os juízes decidiriam, e, com a acumulação de casos, eles passariam a decidir cada vez em maior detalhe sobre qual o âmbito e o caráter que deve ter o sistema de proteção social e que tipos de redistribuição são requeridos. Estas decisões iriam claramente envolver do sistema um controle judicial significativo sobre o orçamento estatal e, pelo menos indiretamente, sobre o nível de tributação – que são exatamente as questões sobre as quais foram lutadas as revoluções democráticas. (“Philosophy and Democracy”. In: Political Theory, nº 9, 1981, p. 391-392.)

É notória a falta de confiança da sociedade no Poder Legislativo, no Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal e no Poder Executivo, com isso a uma transferência de confiança para o Poder Judiciário e isso de certa forma diminuiu significamente a representação popular, com isso a sociedade se acomoda e não vão à busca de uma mudança nos outros dois poderes, mas deve haver uma busca da sociedade para que estes cumpram os seus papeis que são fundamentais para efetivação dos direitos sociais, o povo deve procurar essas garantias, participando e acompanhando as tomadas de decisões tanto do Legislativo quanto do Executivo.

É importante ressaltar que é importante sim um ativismo do Poder Judiciário, desde que este vise principalmente garantir um acesso à Justiça bem mais centralizado na parte da sociedade excluída que precisa desse instrumento para alcançar certas garantias e que esse ativismo seja um meio justo, que tome decisões que leve em conta o que é razoável e proporcional para a sociedade como um todo. O Judiciário tem um papel fundamental para assegurar direitos fundamentais, mas como afirma Daniel Sarmento

Tais argumentos não devem nos levar ao ponto de negligenciar os riscos para a democracia representados por um ativismo judicial excessivo em matéria de direitos sociais, que transforme o Poder Judiciário na principal agência de decisão sobre as políticas públicas e escolhas alocativas realizadas nesta seara. Todos eles comportam temperamentos, que nos conduzem a preferir um regime que se, por um lado, não nega ao Poder Judiciário um papel relevante na proteção dos direitos sociais, por outro, também não o converte à condição de protagonista neste campo" (A Proteção Judicial dos Direitos Sociais: Alguns Parâmetros Ético-Jurídicos, pág. 10)

Então, é importante evitar o excesso de ativismo judicial para não transformar o Poder Judiciário em um órgão que vai centralizar todas as decisões sobre políticas públicas. O que é necessário para atual situação da sociedade é que as pessoas sejam mais engajadas na própria política, que o cidadão seja o protagonista em reivindicar uma mudança no sistema político, apenas atuação do Poder Judiciário em busca de Justiça e de todas as garantias dos direitos sociais pode apenas contribuir para o agravante da falta de atuação do cidadão na esfera política. O que não é nada bom para a sociedade brasileira, que tem uma cultura de corrupção e em uma falta de participação na política como exposto no fragmento a seguir

O sucesso da receita passa pela dosagem dos ingredientes: devem-se evitar tanto as limitações em excesso, que amesquinham o espaço de deliberação democrática da sociedade, como a falta de limites, que desprotege direitos básicos, pondo em risco a continuidade da empreitada democrática. (SARMENTO, Ubiquidade Constitucional: Os dois lados da moeda. In: Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 167-206.)

Portanto, ressaltar o ativismo judicial é de grande importância para garantias sociais principalmente para as camadas excluídas da sociedade que nem sempre conseguem ir em busca de suas demandas no Judiciário, não centralizando o acesso à Justiça somente a classe média, deve se tornar o acesso mais amplo. A percepção de que garantias dos direitos sociais não se limitada apenas a área jurídica também deve ser notada, a garantia desses direitos tem um caráter bem mais amplo para ser assegurado, isso envolve questões estatais e do cumprimento dos deveres dos outros poderes que têm tarefas fundamentais para alcançar tais direitos, que compreende políticas públicas e principalmente garantir uma educação popular para todos.

Os direitos sociais deveriam exercer um papel essencial, de emancipação dos componentes destes segmentos excluídos, ao proporcionar-lhes não só mais bem-estar, como também a possibilidade efetiva de fruição das suas liberdades individuais e políticas. ( SARMENTO, p.38)

Então, não é relevante que toda a confiança do cidadão seja voltada para um único poder, a responsabilidade de uma ordem justa social é uma  questão bem ampla que engloba tanto os poderes quanto o próprio povo. Não deve ignorar que o Judiciário também possui deficiências, que se deve evitar centralização de um pode. O que se deve buscar é a superação dessas questões, voltando- se para a educação em direitos, para que tenha a inclusão dos excluídos e principalmente para ter a construção de uma sociedade civil que seja capaz de participar das tomadas políticas, que esta sociedade seja atuante e busque a efetivação de suas garantias em todos os poderes, pois tudo depende do povo, somente ele tem o poder de fazer uma reforma na atual situação brasileira, já que o poder emana do povo que este use desse instrumento para uma mudança que já não pode ser mais adiada, como conclui Luis Roberto Barroso

Uma nota final: o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes. (BARROSO, artigo "Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil contemporâneo", p. 19).

 

2        Criação Normativa pelo Judiciário e seu poder de regular o social 

Como já exposto, na atualidade os órgãos judiciários vem de forma cada vez mais forte regulando as relações sociais vividas, em especial os hierarquicamente superiores, como o STF, que abordam as dinâmicas sociais de forma nunca vista no Brasil. Abordar-se-á aqui o relacionamento entre a sociedade e o judiciário e os outros poderes expondo os prós e os contras de tal circunstância, contrapondo-as, e exibindo de que forma isso ocorre paralelamente a um questionamento, de maneira mais apurada, da legitimidade democrática do judiciário ao fazê-lo, tomando em um último subtópico, a PEC 33 como exemplo.

 

2.1 Desenvolvimentos da atuação normativa do STF: A Jurisprudência e as súmulas como método de exercício

 

Faz se necessário que de antemão se expresse de que forma a jurisprudência e todo o aparato decisório do judiciário apresenta-se como modo de expressão do poder normativo do STF, em primeiro lugar adota-se o critério de Kelsen para tanto, como exposto por Thomas Bustamante (2010); O autor expõe que a jurisprudência revela um caráter constitutivo, pois a aplicação do direito pelo poder jurisdicional  obsevando o fato de que o magistrado aproxima as normas gerais com as quais lida com o caso concreto , é  também de criação do direito em que há a manutenção , do caráter dinâmico do Direito , como expõe Bustamante ( 2010 ,p.698 )

(...) a aplicação do direito no pensamento de Kelsen é também criação do direito, pois a relação entre normas jurídicas, apesar de ser uma relação de fundamentação, não se estabelece por um processo dedutivo. Como há sempre um grau de indeterminação semântica nas normas jurídicas, há campo para que o intérprete preencha o espaço de indeterminação e desse modo participa no processo de criação do direito, pois a decisão é a continuação do processo de produção do mesmo.

Atentando-se ao observado se pode auferir que é em parte justificável o caráter de criação do direito por parte do STF, contudo, o que se questiona é o fato de tal poder se expandir de forma desenfreada, como nota Lenio Luiz Streck no seu artigo ‘’ O fahrenheit sumular do Brasil: o controle panóptico da justiça ‘’[5]·, em que pontua a possibilidade de substituição do judiciário pelo legislativo, transformando-o em um ‘’bom legislador ‘‘, no termo que usa para se referir a tal possibilidade, a partir da análise do interesse de alguns de conceder às súmulas vinculantes do STF o acoplamento mais diretivo aos tribunais inferiores.

Analisa também o abalizado doutrinador, citando Winterton, que é em toda antidemocrática essa vontade de colocar um poder igual ou quiçá maior nas mãos do judiciário, dessa forma é muito importante que a sociedade tenha cautela ao depositar suas esperanças neste poder que não tem como forma de ingresso de seus membros a eleição direta, mesmo que os outros poderes sejam costumeiramente um locus de crescente onda de corrupção, reforçando-se aqui mais uma vez o que já exposto anteriormente.

2.2 A problemática da PEC 33 e da função atípica do Judiciário

 Durante algum tempo foi presenciada um forte desequilíbrio entre o Poder Legislativo e Judiciário, prova disso foi a proposta a aprovação de uma Emenda à Constituição Nº33 de 2011 Do Senador Nazareno Fonteles e outros em que em seu próprio texto afirmava que tinha como objetivo algumas alterações para limitar a o Judiciário:  "Altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal Federal à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição.As Mesas da Câmara dos Deputados."

A PEC foi proposta, pois o Poder Legislativo estava insatisfeito com a atual judicialização e o ativismo judicial do STF que segundo Luis Roberto Barroso esse ativismo seria

A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas. ("Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil contemporâneo", pág.6)

No entanto, de acordo com o que está afirmado na PEC esse ativismo judicial, não estava sendo satisfatório para o Poder Legislativo como dito em seu próprio texto: "o ativismo denota um comportamento, um modo proativo de interpretar a Constituição por parte dos membros do Poder Judiciário. Adotando essa postura, os magistrados, para o deslinde da controvérsia, vão além do que o caso concreto exige, criando normas que não passaram pelo escrutínio do legislador.".

 

Esse ativismo judicial é fortemente criticado pelo Poder Legislativo que defendendo a ideia que tal conduta prejudica a democracia, afirmando que as questões que devem ser do Legislativo estão sendo transferidas para o Judiciário, que a representação política está ameaçada pelo Judiciário e este tem tomado decisões que não cabe a ele e segundo o próprio Deputado Nazareno Fonteles: ''O Poder Judiciário brasileiro tem, com efeito, lançado mão de interpretações pós-positivistas, aplicando princípios constitucionais a todo tipo de situações concretas, demonstrando pouco apreço aos textos legais e adotando uma dogmática fluida, com elevado grau de liberdade”.

Então, deve se perceber a problemática que essa PEC pode trazer, criando muitas vezes um desequilíbrio entre os poderes, pois um age como se estivesse sendo prejudicado pelo outro. Os poderes não devem perder a sua autonomia, mas é importante deixar claro que cada poder teu seu limite expresso na própria Constituição. Esse ativismo judicial tem seu lado positivo e negativo, mas a aprovação da PEC não seria a melhor alternativa, o melhor caminho é uma reforma no sistema político que não pode ser mais adiada de forma alguma e isso parte de uma atuação geral da sociedade civil, através da maior participação política, buscando melhores representante ao Poder Legislativo e Executivo. Vale ressaltar o que interpreta Luis Roberto Barroso no seu artigo em que tratando desse ativismo "Constituição, Democracia e Supremacia Judicial: Direito e Política no Brasil contemporâneo", em que afirma

O fenômeno tem uma face positiva: o Judiciário está atendendo a demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo parlamento, em temas como greve no serviço público, eliminação do nepotismo ou regras eleitorais. O aspecto negativo é que ele exibe as dificuldades enfrentadas pelo Poder Legislativo – e isso não se passa apenas no Brasil – na atual quadra histórica. A adiada reforma política é uma necessidade dramática do país, para fomentar autenticidade partidária, estimular vocações e reaproximar a classe política da sociedade civil. Decisões ativistas devem ser eventuais, em momentos históricos determinados. Mas não há democracia sólida sem atividade política intensa e saudável, nem tampouco sem Congresso atuante e investido de credibilidade ( páginas  9 e 10).

 

 

 

3        A desconfiança no Poder Legislativo e Executivo: um olhar social

Com uma grande tradição de corrupção no Brasil a sociedade civil acaba por criar um grande sentimento de desconfiança nos outros dois poderes, depositando grande parte de sua fidúcia no Poder Judiciário, de qualquer forma deve-se pensar se tal fato é de todo bom, atentando-se que este poder também é repleto de falhas e deficiências, dentre eles a própria a própria corrupção, além do que este é o único dos poderes que não existe um consenso por parte do povo para decidir quem irá fazer parte desse poder. Portanto, se deve analisar as deficiências do Poder Judiciário e entender que essa desconfiança pode gerar um enfraquecimento da democracia, o olhar social depende não apenas do Judiciário, mas de todos os outros poderes que também são responsáveis pela efetivação dos direitos sociais e individuais.

3.1  Jurisprudência como um mecanismo de atuação em sociedade

Observando o exposto no tópico anterior percebe-se que a jurisprudência surge como uma verdadeira forma de substituição do próprio direito positivo, pois por meio desta técnica a população por vezes consegue substituir os tipos normativos oriundos do Poder Legislativo como bem observa Marcelo Roberto Ferro (2001, p.10), ao falar do desprestigio do Judiciário.

Diante desse quadro, não seria exagerado afirmar, em virtude do descrédito do Legislativo, a jurisprudência passa a ser o próprio direito positivo, cuja elaboração democrática ficará seriamente comprometida, uma vez que o direito não será resultado do trabalho de técnicos, que, de sua parte, não têm contas a prestar a ninguém.

A jurisprudência pode ser um forte mecanismo de atuação partindo das demandas, através dos anseios sociais pode dar uma nova interpretação à lei, tendo assim uma função inovadora do Direito, onde irá buscar na própria sociedade uma fonte para que atue de forma correta.  O Direito por ser dialético deve sempre buscar novos caminhos de resolução de problemas em que deve sempre respeitar as competências materiais de cada Poder, sejam elas típicas ou atípicas.

Observando o modelo constitucional atual, é notória a expansão de atuação de um Poder sobre o outro, não obstante, é necessário que a sociedade deva ser incluída nessa dinâmica de forma coreta, sem que deposite suas esperanças somente em um poder, mas que possa buscar em todos eles a efetivação de seus direitos.

 

 

 

 

 

CONCLUSÃO

A constituição de 88 trouxe uma nova perspectiva para os três poderes, tendo em vista que a própria sociedade também exerce um novo papel, aproximando-se mais do judiciário para a resolução de problemas e assegurando as demandas sociais, tudo isto dentro de fenômenos como a politização do judiciário e judicialização das relações políticas. No entanto, se observa que com a corrupção que tem uma tradição no país o povo tem depositado sua confiança no Poder Judiciário, mas como foi exposto isso tem problemas que devem ser solucionados.

No primeiro tópico abordou-se como se deu a evolução da politização do Judiciário e o papel que a sociedade teve para que isso acontecesse que foi a partir da desconfiança nos outros poderes, encontrando assim no Judiciário uma alternativa, uma forma para que seus direitos sociais e fundamentais sejam garantidos.

No segundo tópico mostrou-se os principais problemas que essa politização pode trazer para a própria sociedade, visto que tal paradigma pode enfraquecer a democracia, além do que o necessário seria que todos os poderes fossem eficientes no seu papel.

No terceiro tópico abordou-se o papel que a jurisprudência tem tido no país e como este interpreta e adapta a lei a partir das demandas sociais, sendo que esta jurisprudência pode ser um forte mecanismo para atuar na sociedade. Abordou-se também a questão da desconfiança sociedade nos Poderes Legislativos e Executivos e que estes também possuem uma grande responsabilidade na efetivação dos direitos sociais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERENCIAS BILBIOGRÁFICAS

 

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009

BUSTAMANTE, Thomas. A criação do direito pela jurisprudência: notas sobre a aplicação do direito e a epistemológica na teoria pura do direito. Revista da Faculdade de Direito de Uberlândia V. 38 – n. 2. 2010, p. 685-706. Disponível em:

< http://www.seer.ufu.br/index.php/revistafadir/article/view/18518/9922>.

LIEBMAN, Enrico Tullio. A força criativa da jurisprudência e os limites impostos pelo texto da lei. Revista dos Tribunais Online. Revista de Processo, v. 43, p. 47, Julho/1986.

FERNANDES, Gonçalves Bernardo. Curso de Direito Constitucional. 4ª Ed. Salvador: Editora jusPodivm, 2012.

FERRO, Marcelo Roberto. A jurisprudência como forma de expressão do direito. Revista dos Tribunais Online. Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos, vol. 1, p. 237, Junho/2011.

 

SARMENTO, Daniel. A proteção judicial dos Direitos sociais: Parâmetros ético-constitucionais.

 

 STRECK, Lenio Luiz. O fahrenheit sumular do Brasil: O controle panóptico da Justiça. Disponível em <http://www.leniostreck.com.br/site/wp-content/uploads/2011/10/14.pdf.>

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Paper apresentado à matéria de Direito Constitucional I

[3] Professor Especialista  , Orientador.