Resumo

Este artigo tenta examinar a representação das tensões entre as crenças tradicionais e as perspectivas modernas que causam as nações híbridas africanas analisando o romance The River Between, de Ngugi Wa Tiong’o. O artigo analisa de forma profunda ate que ponto os escritores africanos usam os textos narrativos para explorar os problemas que assolam os Africanos e o efeito psicológico do colonialismo na mentalidade africana. O estudo é baseado numa análise teórica e crítica através do referencial teórico pós-colonial. A selecção do texto se deve ao fato de romance, retratar os modos de vida moderno e tradicional e introduz a crítica nacionalista liberal avançada por Balogun (1997: 29), segundo a qual temos o "nacionalismo radical que defende a violência" por um lado e por outro lado, a visão liberal que defende que a liberdade pode ser obtida através da educação formal colonialista. As descobertas da análise textual revelam que The River Betweeen, de Ngugi, é um epítome de descolonização fracassada devido a alienação que o próprio africano sofre ao tentar unir uma realidade cultural extremamente diferente das suas raízes culturais. A opção por uma educação colonialista formal na luta contra o colonialismo em vez de uma educação baseada em princípios africanos figura como ‘alicerce do fracasso’.

Palavras-chave: hibridismo, educação colonial, educação tradicional.

Breve Contextualização

O progresso na ciência e na tecnologia não ocorreu ao mesmo nível no mundo. Este fato fez com que alguns países assumissem uma posição privilegiada em relação aos outros. O contacto estabelecido entre os Países chamados do primeiro mundo e dos do terceiro mundo produziu uma cultura em transição: do tradicional para a modernidade (Appiah, 1992: 107). Em outras palavras, o contacto de duas culturas diferentes, onde uma assume se como sendo superior a outra criou polaridades entre os países ocidentais que conferem um privilégio e aos países africanos - os desprivilegiados.

 Tradição e modernidade são vistas como palavras que moldam dois mundos diferentes. Honor citado em Graburn (2001: 2) afirma que a palavra tradição, é uma palavra latina e significa “algo transmitido” em sociedades que mudam lentamente e é equivalente à palavra herança. Por herança, afirmou ele, entende-se as características culturais que, em uma situação de mudança, devem ser continuadas, transmitidas, pensadas, preservadas e não perdidas.

As perspectivas apresentadas acima criam polaridades, dignas de uma breve discussão. A tradição como a "antítese" do moderno, como Appiah (2003: 107) colocaria, implica a negação da palavra tradição nos chamados países ocidentais e sua presença nos Países desfavorecidos ou nos países do terceiro mundo. O que não é verdade, por exemplo, 'Cerimônias inaugurais nas faculdades no início do ano, ritos de passagem nas crenças cristãs' Graburn (2007: 8), são práticas antigas dignas de serem consideradas tradicionais, ao fato de que elas ainda ocorrem em a maioria dos países ocidentais desde os tempos antigos até aos contemporâneos. Preservar e ser fiel à própria herança cultural, costumes e tradição, são os elementos-chave na perspectiva de Graburn do que é tradição.

A posição assumida neste estudo em relação ao conceito tradição alinha-se na mesma esteira de Graburn, sobre o qual, ambos os países desenvolvidos assim como os subdesenvolvidos têm suas próprias tradições, que preservam e ainda praticam, independentemente do desenvolvimento ou dos preceitos modernos. Não há país no mundo sem tradição. A única observação que se faz é que a maioria dos países onde o progresso em ciência e tecnologia aconteceu primeiro, considerou-se como modernos e aqueles com baixo progresso na ciência como tradicionais que precisam ser educados e civilizados. Tradição no sentido de baixo progresso, subdesenvolvimento, é tentada a negar a sua existência. Por sua vez a modernidade é percebida como "o estado ou o nível que o desenvolvimento alcançou" e o desenvolvimento "descreve os actos, os processos e os resultados da aplicação de modelos, teorias, hipóteses e ferramentas de transformação social. Educação, renda per capita, urbanização, participação política, emprego industrial e participação na mídia são as variáveis ​​definidoras de uma sociedade moderna ou desenvolvida (Turaki, 1991: 127).

As teorias ocidentais, os valores culturais e as variáveis ​​definidoras da modernização, delineadas acima, criaram um processo de mudança e transformação social nas sociedades africanas. Alguns países africanos abandonaram seus próprios princípios, visão de mundo e modos de vida, considerados remotos (tradicionais) com os antigos colonizadores e adoptaram os dos países desenvolvidos. Apesar de alguns países terem tentado adoptar as formas e teorias ocidentais, a maioria está longe de ser considerada moderna se considerarmos as variáveis ​​de desenvolvimento que Turaki apresenta. Este processo de mudança social criou conflitos e separou os africanos.

Vaughan, citado em Turaki (1991: 127), ilustra esse conflito como uma alma dividida: uma

que quer a modernização e a outra alma, aquela que se recusa a abandonar suas suposições e crenças religiosas. Eu adicionaria uma terceira alma dividida, aquela que se identifica com as duas almas, a alma africana e a ocidental. A noção originária da alma dividida foi nomeada por alguns estudiosos como híbridismo.

Ashcroft et al (2007: 108) referiram-se ao hibridismo como a criação de novas formas transculturais dentro da zona de contacto produzida pelo período de colonização. Bhaba (1994: 1-2) indica que o hibridismo se refere ao estado de estar na fronteira de duas culturas, marcado por uma sensação de “consciência dupla” e “entre-distância”. Na perspectiva de Bhaba, o hibridismo, portanto, é uma subversão de noções unificadas, unificadas e puristas de identidade, em favor de múltiplas posições culturais.

O hibridismo é vagamente definido em Aschrof. Ashcroft chama sua atenção para a condição cultural pós-colonial dos países colonizados e ignora factores como a imigração, o comércio e a globalização, que em algum momento podem ter causado a hibridização de diferentes nações ou sociedades. Mesmo se considerarmos o factor colonialismo como o trampolim do hibridismo, veremos que "o colonialismo não ocorreu no mesmo nível em todos os países". Alguns países, outrora colonizados, ainda mantêm a maioria de seus aspectos culturais, crenças e até mesmo usam uma língua nacional diferente da do colonizador ”(Chabal, 1995: 6).

Ao contrário de Aschcroft, a definição de hibridismo de Bhabha soa mais abrangente. O indivíduo híbrido está em dois limites culturais diferentes, ele subverte sua própria identidade cultural em detrimento das formas multiculturais, o que o coloca em conflito com sua própria identidade. De alguma forma, acabamos concordando com Turaki (1991: 136) que sustenta que a modernização gera crise em estruturas de significado, valor, crença e orientação social geral. O texto selecionado para analise de Ngugi, traz ao de cima personagens interpretando o (hibridismo) ou seja, personagens que se identificam com com duas identidades culturais diferentes

A narrativa de Ngugi em "The River Between" retrata duas temáticas principais: por um lado, a obra pode ser interpretada como símbolo irónico do futuro ambíguo que aguarda os africanos ao tentar unir o tradicional com o moderno, o que pode resultar na desintegração da sociedade indígena e o colapso dos pressupostos morais como resultado dessa miscigenação (Palmer, 1973: 13). E, por outro lado, Ngugi trás aos olhos do leitor como o amor pode redimir as pessoas "em um mundo sujeito a tensões de mudança quando velhas lealdades são colocadas em dúvida e o futuro é carregado de incerteza" (Rice, 1984). A temática do romance em alusão, é figurada através de duas vales separadas por um rio Hoina (o rio da paz e vida), onde por um lado temos a comunidade de Kameno que representa a comunidade conservadora e tradicional e por outro lado a comunidade de Kabony que se exime dos seus valores tradicionais e abraça os valores modernos do ocidente, representados neste contexto, através da religião crista. Os habitantes das duas comunidades representam os personagens desta narrativa. Waiyaki pertence a comunidade de Kameno, e representa o personagem principal desta narrativa, e é sobre ele que o enredo se desenvolve ao tentar unir duas realidades culturais diferentes que lhe levam a um fim trágico. Por outro lado temos Muthoni e Nyambura, inicialmente fieis aos preceitos religiosos que proíbem a pratica dos ritos de iniciação e que depois tentam fundir as duas realidades e também tem o mesmo fim que o do Waiyaki.

A ironia figura proeminentemente neste romance. O simbolismo da água e os temas do amor, da religião e da educação fazem com que nos perguntemos sobre o desdobramento inesperado dos acontecimentos. Em sua análise crítica, Nnolim (1984: 138) afirma que "a água convencionalmente representa o símbolo da purificação, fertilidade, renascimento, crescimento (ou baptismo) e a idéia do fluxo do tempo para a eternidade". Aos olhos de Nnolim esta interpretação é um tanto quanto religiosa e conflituante. Isso se deve ao recurso irónico sobre o qual Ngugi se socorre no seu texto. A água é dita como uma simbologia de vida e regeneração, no entanto o autor nos surpreende quando menos esperamos com cenas de morte e desespero. O objetivo de Ngugi com o simbolismo da água não é despertar nos leitores a sensação de uma imagem intrigante aos olhos dos leitores, mas sim usar o simbolismo do rio como uma parte neutra e fonte de vida que dá esperança aos sonhos bafejados pelo fracasso.