Poucos podem ter reparado, mas não pude deixar de observar, e, de certo modo, constatar, que a exposição publicitária de uma empresa comercial de produtos eróticos, que invadiu agressivamente nosso cotidiano no final do ano, anunciou-se, na semana antecedente à Páscoa (não vi, agora, para o Dia das Mães), pelos outdoors, em nossa cidade, de forma mais comportada, sem pipius, ou qualquer outro bichinho metaforizado e suas dúbias mensagens. Dessa vez a imagem do coelhinho cumpliciava-se à universal letra da música infantil: "coelhinho da Páscoa que trazes pra mim?", sugerindo, certamente, como presente, uma saudável cenoura. Menos mal. De igual modo, ao contrário do que ocorreu ano passado, nesta época, a homenagem de um deputado dirigida às mães (TRE, já pode?), traz em substituição de sua foto, a imagem mais adequada de uma mulher com uma criança nos braços. Pois bem, devo reconhecer estes cuidados, como conquista desse espaço oferecido ao leitor, por este jornal. De alguma forma, gostando ou não, vamos influindo, como educadores que somos ? todos - uns dos outros, ao provocarmos reflexões até mesmo com nossas indignações.
Aparentemente, a complexidade que envolve a problemática da avalanche informacional a que somos submetidos cotidianamente não nos é percebida como uma questão de sobrevivência ecológica. Ligamos a tevê, o rádio, passamos, distraidamente, pelos outdoors, submetidos inexoravelmente à ostensiva propaganda publicitária. Assim, tocamos a vida, como se pudéssemos vivê-la ? e a vivêssemos - imunizados a toda essa influência midiática, que invade e agride, muitas vezes, nossa integridade física, psicológica e cidadã.
A miditiazação da informação (qualquer que seja) é, mais do que nunca, um problema que afeta a todos nós. O conflito diário proporcionado pela falta de discernimento, entre o que podemos - ou não - e devemos ? ou não - adquirir e o volume do que nos é apresentado, vai-se processando sutilmente, avolumando-se em nossa psiquê. Transformados em hordas de frustrados consumistas, vamos mensalmente cometendo o araquiri da aquisição de um bem muito além das possibilidades reais de consumo, ou, ainda, utilizando-nos da substituição do verdadeiro pelo falsificado. Quem não se confrontou com suas limitações estéticas e econômicas frente a determinados conteúdos publicitários, certas verdades informacionais? E nessa economia boazinha e feliz, tudo pode ser comprado, por meio do financiamento de intermináveis prestações; da pajero ao cachorro-quente. E se todo mundo pode, e se todo mundo tem, por que não nós? E dá-lhe crédito; toma financiamento; vai cartão.
De certo que vivemos em um mundo hostil, adolescentizado, que nos exige desfrutar de coisas que não queremos, não devemos, e, na maioria das vezes, não precisamos e nem podemos ter. Despreparados, quando muito, nos deparamos com a vitimização de nossa integridade mental, nossa capacidade de distinguir e optar pelo que nos convêm em detrimento da passividade do consumismo desenfreado com que nos deixamos capitular.
Sintomáticos, reconhecemos os efeitos, mas não conhecemos as causas desse mal estar contemporâneo. A depressão - esse mal do século que coloca o indivíduo em conflito consigo mesmo - é retroalimentada pela incapacidade palpável de se alcançar os limites dos apelos que a publicidade impõe. Se não se é (e não se pode ser) tão belo, ou magro, ou rico, ou jovem, como fazer para se ter sucesso e poder desfrutar da mágica que o conteúdo da mensagem publicitária, convincentemente, nos faz acreditar? Como continuar vivo, depois dos cinqüenta, quando o mundo da publicidade afirma só ser possível ser feliz aos 15, 30, 40 anos? O que dizer da publicidade que se dirige à criança como alvo do seu assédio? Abusiva, naturalmente, porque a criança, embora seja altamente convincente ao pedir, e, muitas vezes, em exigir dos adultos, não é consumidora, não tem juízo de valor, de seleção e opção do que pode ou deve consumir. É, portanto, enganosa, chantagista; violenta e interfere no trato familiar.
A complexidade da problemática da midiatização da informação é um problema coletivo com implicações ecológicas, que tem início na pessoa, no cidadão, em seus direitos, mas, também, na salvaguarda de sua individualidade, principalmente, naquele que passa pela infância e sua família, ou seja, na educação.
Quando afirmo tratar-se de uma questão ecológica, recorro ao entendimento da ecologia como a ciência que tem por objeto o estudo das inter relações entre organismos e o seu meio físico, cabendo-lhe investigar toda a relação entre o animal e seu ambiente orgânico. Assim, nenhum organismo - seja ele uma bactéria, um fungo, um verme, uma ave e o próprio homem - pode existir sem interagir com outros e no ambiente físico no qual se encontra inserido. Ao lugar em que se dá essa interação e troca de energias dá-se o nome de ecossistema, ou seja, determinado local onde ocorrem todas as inter relações dos organismos entre si, com seu meio ambiente. Somos, portanto, seres ecológicos e vulneráveis ao ecossistema do qual somos integrantes e interativos. Nosso habitat é o ambiente físico, mas também, o ecossistema semiótico ? o mundo dos signos - onde ocorre essa troca e apropriação de conteúdos simbólicos. Não fomos nem somos preparados para essa percepção ecológica de vulnerabilidade semiótica a que estamos submetidos, e, às vezes, subsumidos, no tempo e no espaço do nosso cotidiano.
Na verdade, a questão do conteúdo da informação veiculada, indiscriminadamente, pela mídia (de massa, ou não), não é uma questão de somenos importância, na atualidade. Trata-se, sim, de uma questão ecológica, para a qual estamos inadaptados e despreparados. O que mais nos preocupa é que a capacidade crítica de discernimento entre o real e o fictício simbolizado pela mídia há que ser aprendido. O ser humano, organismo vivo submetido a um ecossistema social de interação, vulnerável e afetável, semioticamente, precisa sobreviver e preservar a sua integridade e a de sua espécie, ou seja, persistir em continuar sendo gente, pessoa, tal como seja, apesar de todos os apelos publicitários e toda marketagem lhes determinarem o contrário. E isso tem de ser aprendido. Isso tem de ser exercitado. Isso tem de ser reconhecido necessário, pela família, pela escola, pela sociedade.
Uma educação ecologicamente semiótica para que estabeleçamos um diálogo pessoal e saudável com a mídia é uma necessidade que se impõe, à sociedade atual. Exercer a prática do debate crítico dos conteúdos, proporcionar meios para o desenvolvimento de análises de todas as formas em que as mensagens mídiáticas nos alcancem: jornalísticas, televisuais, cinamatográficas, publicitárias, na escola e em casa, é uma tarefa emergente. Por uma simples questão de sobrevivência, integridade ecológica e terapêutica para nossas curas, ensinando-nos a viver, mesmo submetidos ao ambiente caótico de informações, sem que capitulemos, resgatando-nos de nós mesmos, da vergonha que temos, por não sermos tão bonitos, ou tão jovens, ou tão ricos como querem os apelos midiáticos nos imputar.