A HISTÓRIA DO DIREITO DA CRIANÇA E O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI.

Patrícia Moraes Campos - [email protected] (Autora do Artigo)

RESUMO Este estudo tem como tema a história do direito da criança e o adolescente em conflito com a lei, por meio de uma revisão literária realizada em livros e materiais já publicados. Este estudo irá abordar o inicio dos estudos sobre a adolescência, a teoria de Michael Sullivan e Eric Erikson sobre a adolescência e suas fases, e as pesquisas de Piaget sobre o desenvolvimento, tratando em seguida, o adolescente, sob o olhar jurídico.

 1. O DIREITO DA CRIANÇA Do ponto de vista do Direito, a história do direito juvenil pode ser dividida em três etapas: a) de caráter penal indiferenciado; b) de caráter tutelar; c) de caráter penal juvenil. A primeira etapa do caráter penal indiferenciado marca o tratamento dado pelo direito desde o nascimento dos códigos penais, do conteúdo eminentemente retribucionista do século XIX até a primeira década do século XX. A segunda etapa, do caráter tutelar da norma, teve sua origem nos Estados Unidos e se erradicou pelo mundo no início do século XX. Em vinte anos, iniciando em 1919 com a Legislação da Argentina todos os países da América Latina adotaram o novo modelo, resultado da indignação moral devido à situação de promiscuidade do alojamento. Partindo do movimento dos Reformadores, novas ideias foram sendo introduzidas, fazendo prevalecer modificações em relação ao velho sistema. Com as novas leis e administração da Justiça de Menores, nasceu e se desenvolveu o positivismo filosófico. Houve a separação de adultos e de menores, sendo que ainda hoje, persiste a colocação de menores de idade na prisão de adultos, problema que em muitas regiões ainda é sem importância. Surge a terceira etapa, Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança inaugurando um processo de responsabilidade juvenil, caracterizada por conceitos como separação, participação e responsabilidade.  Separação: refere-se à necessária distinção, para começar o plano normativo dos conflitos com as leis penais;  Participação: refere-se ao direito da criança expressar livremente sua opinião de acordo com sua maturidade;  Responsabilidade: partindo da maturidade é que este conceito se forma e se converte numa responsabilidade de tipo especificamente penal. Estes conceitos encontram-se estabelecidos na Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, nos artigos 12, 37 e 40. O Brasil foi o pioneiro na América Latina a reconhecer a terceira etapa inaugurando o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8.069/90. Esta etapa foi incorporada na normativa brasileira e afirmada no art. 227 da Constituição Federal cuja regulamentação no Estatuto promoveu uma completa metamorfose no Direito da Criança, elevando-a de menor à condição de cidadão, fazendo-a sujeito de direitos. Toda a história do progresso humano foi uma série de transições através das quais costumes e instituições, umas após outras foram deixando de ser consideradas necessárias à existência social e passaram para a categoria de injustiças universalmente condenadas (SARAIVA, 2009, p. 24). Em 1808, quando D. João VI desembarcou no Brasil com sua corte, estavam em vigência as Ordenações Filipinas, vigorando até 1830, com o advento do Código Penal do Império. A Igreja Católica, primada pelo Direito Canônico presidiu a Jurisdição do Estado, fazendo com que a idade da razão, devido à tradição do catecismo católico fosse alcançada aos sete anos. Segundo Saraiva (2009, p. 28) “[...] no início do século XIX, sete anos era o marco da responsabilidade penal”. As Ordenações Filipinas asseguravam apenas, em favor dos menores de dezessete anos, a inaplicabilidade da pena de morte. Devido no século XIX, a imputabilidade penal iniciar aos sete anos, o menor era eximido da pena de morte, concedendo-lhe a redução da pena de morte. Havia um sistema chamado jovem adulto que levava o jovem entre dezessete anos e vinte e um anos a condenação de morte ou dependendo das circunstâncias, ter sua pena diminuída, ficando a imputabilidade penal para os maiores de vinte e um anos, incluindo a morte em certos delitos. Enquanto no Brasil vigorava essa lei, na Inglaterra se construía o embrião do Direito da Infância, sendo publicada a primeira normativa para combater o trabalho infantil, conhecida como Carta dos Aprendizes de 1802, ato que limitava a jornada de trabalho à criança trabalhadora ao máximo de doze horas diárias e proibia o trabalho noturno. O primeiro Código Penal brasileiro em 1830, fixando a idade de imputabilidade penal plena em 14 anos. Foi previsto ainda no Código um sistema biopsicológico para que entre sete e quatorze anos houvesse uma punição. Devido a essa abertura que Dom Pedro II teve em 1840, sendo que aos 14 anos de idade foi emancipado para poder governar o Brasil, casando-se aos dezessete anos. No Brasil a luta pelos Direitos da Infância confundiu-se com a luta do movimento abolicionista incluindo a Lei do Ventre Livre – Lei n. 2.040 de 28 de setembro de 1871. Era uma lei perversa cujo teor não se estuda na escola quando se aborda o movimento abolicionista. Assim estava escrito no artigo 1º, § 1º da Lei do Ventre Livre (BRASIL, 2016c): Art. 1º Os filhos da mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre. §1º Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso o governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indenização pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%, os quais se considerarão extintos no fim de trinta anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias, a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor. A citada lei criou duas categorias: a do escravo por tempo determinado até 21 anos, e a do abandonado para ser livre em instituições de acolhimento. Na verdade foi no final do século XIX e início do século XX que o Brasil veio conhecer as instituições públicas de abrigamento. Antes deste fato, a Igreja tinha o quase monopólio do atendimento em abrigos às crianças em situação de abandono. Em 1889, com o advento da República, o Código Penal do Império deu lugar ao Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. No Código Penal do Império a imputabilidade penal passou para um critério biopsicológico baseado no discernimento entre sete e quatorze anos. No século XIX, para o Direito Civil não havia distinção entre uma criança e um cachorro, ao menor do ponto de vista da responsabilidade civil, sendo que o método educativo era o castigo físico delegando aos pais o poder de educar as crianças da forma que entendesse ser melhor, levando a Sociedade Protetora dos Animais de Nova Iorque a se preocupar com os direitos da criança, que segundo eles era gente e não animal. Em 1899, foi criado em Illinois, EUA, o primeiro Tribunal de Menores, e paralelamente foi se construindo a Doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio carência/delinquência, sendo que dois episódios foram fundamentais para a afirmação do Direito do Menor: 1º) Realização do Primeiro Congresso Internacional de Menores em Paris, no período de 29 de junho a 1º de julho de 1911. Foi um evento de grande importância porque assentou os princípios do novo direito, sendo lançados os fundamentos da Doutrina da Situação Irregular consagrando o binômio carência/delinquência; 2º) O segundo episódio foi a Declaração de Gênova de Direitos da Criança, adotada pela Liga das Nações em 1924. O binômio carência/delinquência foi o fundamento das primeiras legislações brasileiras em relação ao Novo Direito da Criança, distinguindo as mesmas entre bem nascidas daquelas excluídas, estabelecendo uma ação entre a infância e a infância delinquente, criando uma categoria jurídica: os menores. Encontra-se no artigo 3º, § 16 da Lei n. 4.242 de 05.01.1921, a exclusão de qualquer processo penal de menores que não tivessem completado ao quatorze anos de idade, abandonando o sistema biopsicológico. A Lei n. 4.242/21, adotou a imputabilidade penal, fixando-a em 14 anos. O Decreto nº 16.272 de 20 de dezembro de 1923 criou as primeiras normas de Assistência Social que visava à proteção de menores abandonados e delinquentes. Em seguida foi estabelecido o Código de Menores definindo que “quando com idade maior de 14 anos e inferior a 18 anos, submeter-se-ia o menor abandonado ou delinquente ao regime estabelecido neste Código” (KROMER JUNIOR citado por SARAIVA, 2009, p. 42), explicitando situações de incidência da norma, que cinquenta anos depois seriam praticamente reproduzidas no art. 2º do Código de Menores de 1979 revogado pelo ECRIAD (BRASIL, 2016b) Art.2º - Para efeitos deste código, considera-se em situação irregular o menor: I- Privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsáveis provê-las; II- Vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; II- Em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV- Privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V- Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI- Autor de infração penal. Em 1942, no Governo de Getúlio Vargas, foi criado o SAM – Serviço de Assistência aos Menores e de acordo com Saraiva (2009, p. 45), A ideia de incapacidade dos menores, colocados como insusceptíveis de qualquer responsabilidade, os colocava em uma condição similar aos inimputáveis por sofrimentos psíquico, tanto que as medidas aplicáveis aos menores se faziam por tempo indeterminado, em um caráter muito semelhante à medida de segurança aplicável aos inimputáveis por incapacidade mental. [...] o final da década de 40, é marcado pelo advento, em 1948, da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Onze anos depois a ONU produziu um novo documento - a Declaração dos Direitos da Criança, que afirmou o direito à infância. Essa lei foi ratificada pelo Brasil e evoluiu no final da década de oitenta, no século XX, para a Doutrina da Proteção Integral, superando a etapa da indiferença, para a nova condição de sujeito do processo, titular de direitos e obrigações próprios de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.

1.2 O ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Os estudos sobre a psicologia da adolescência iniciaram com Granville Stanley Hall, e suas duas publicações no ano de 1904. Em 1915, foi publicado por Willian Healy, o primeiro estudo sistemático de fatores psicodinâmicos na delinquência juvenil (CAMPOS, 2010). Entretanto, esses estudos não interessaram a psicólogos e clínicos. Em 1928, o segundo grande texto sobre a adolescência, depois de Hall, foi escrito por Hollingworth, porém o movimento só se desenvolveu após a Primeira Grande Guerra e nenhum outro estudo a respeito de adolescentes desajustados foi realizado até 1934 com Sheldon e Eleanor Glueck, que estudaram um grande número de delinquentes. As colocações de Anna Freud (citada por CAMPOS, 2010, p. 13) relatam os motivos que dificultaram as pesquisa, que é a “[...] resistência tipicamente forte do adolescente aos procedimentos psicanalíticos diretos, para compreender os fenômenos adolescentes, estes embaraçam a tarefa”. As tentativas de captar a essência da adolescência raramente teve sucesso devido à introspecção de alguns e a resistência de outros. Sullivan (apud ROSA, 1993, p. 128) divide em sua teoria interpessoal o desenvolvimento humano em sete estágios: 1. Infância (0 a 2 anos de idade); 2. Meninice (3 a 5 anos de idade); 3. Idade juvenil (6 a 9 anos de idade); 4. Pré-adolescência (10 a 12 anos de idade); 5. Primeira adolescência (13 a 17 anos de idade); 6. Segunda adolescência (18 a 20 anos de idade); 7. Adultícia (20 a 30 anos de idade). Para Sullivan (apud ROSA, 1993, p. 128) é na primeira e segunda adolescência que surge o interesse sexual, pelas relações interpessoais ampliando o ciclo de amizades. Na teoria psicossocial de Eric Erikson (apud ROSA, 1995, p. 129) a evolução humana se divide e, oito estágios: 1. Infância (primeiro ano de vida); 2. Meninice (1 a 3 anos de idade); 3. Fase lúdica (4 a 5 anos de idade); 4. Idade escolar (6 a 12 anos de idade); 5. Adolescência (13 a 18 anos de idade); 6. Adulto jovem (19 a 25 anos de idade); 7. Adultícia (26 a 40 anos de idade); 8. Maturidade (41 ao fim da vida). Entretanto, e apesar das fases iniciarem em idade diferente, os comportamentos são os mesmos. Os complexos, as influências e a instabilidade emocional se mantêm. É um período de manifestação do prazer, gostos e preferências de modo exagerado. Fase de muitos questionamentos caracterizada por grande busca de si mesmo e da própria identidade, em que os padrões determinados são questionados, assim como todas as escolhas de vida escolhida pelos pais são criticadas, procurando a liberdade e autoafirmação. Nixon (citado por CAMPOS, 2010, p.13) oferece duas explicações para relativa falta de compreensão dos adolescentes. Primeiro, apresenta a ênfase que os freudianos deram ao desenvolvimento psicossexual, levando os psiquiatras a verem a consecução da puberdade como última fase no desenvolvimento do organismo e a descuidarem dos estágios evolutivos subsequentes, entre a pubescência e a fase adulta. Ele relata ainda que a maioria dos psiquiatras teve pouca oportunidade para observar jovens normais. De acordo com Campos (2010, p. 16) em 1964, surgiu duas imagens caricaturadas dos adolescentes apresentadas por Adelson: [...] o adolescente como vítima-visionária – uma figura de mártir, nobre, moralmente puro, mas traído, explorado e negligenciado pelo mundo adulto, de cuja corrupção torna-se vítima passiva; e o adolescente causador de vítimas – uma pessoa cruel, sinistra, amoral, que desencadeia a destruição e a tristeza sobre vítimas inocentes e impotentes para combatê-lo. O adolescente vítima-visionária é aquele de classe média alta em quem boa parte da teoria psicanalítica se embasa, e o adolescente causador de vítimas é o delinquente, cujos erros são observados na massa popular. Para Erikson (citado por ROSA, 1995, p. 129), a adolescência é a fase crucial do desenvolvimento da personalidade humana. Fase da formação da identidade, sendo um período crítico devido às alterações provocadas no corpo pela maturação. Enquanto o adolescente experimenta suas diferentes identidades com seus familiares, as reações dos mesmos irão ajudando-o a adquirir um sentimento de comunidade e a reter os aspectos desses novos papeis que se harmoniza com sua pessoa. Erikson (citado por ROSA, 1995, p. 178) descreve que o conflito do adolescente pode ser qualificação da identidade. Ele acredita que somente se conseguirem chegar a um sentimento de continuidade interior, tornar-se-ão capazes de estabelecer uma intimidade com outra pessoa. Os valores de um adolescente, independente da época, podem depender do papel que ele irá assumir. Os valores flutuam tanto quanto a identidade. Erikson (citado por ROSA, 1995, p. 178) declara que: “[...] É preciso que os adolescentes não somente decidam quais os valores que irão respeitar, mas também que aprendam a enfrentar os conflitos que inevitavelmente ocorrerão entre seus valores e os dos outros”. O adolescente em sua maioria é um idealista. O idealismo e a energia da adolescência são dedicados a esforços construtivos que visam melhorar e reformar a sociedade. Em busca de valores pessoais, eles poderão buscar mais formas revolucionárias, ou outro tipo de ação contra cultura que sirva de válvula de escape para sua luta pela independência. Luta dificultada pela sensação que o adolescente tem de ficar fora do controle pelas transformações emocionais e da maturidade. Segundo Saraiva (2009, p. 72) partindo do olhar de Freud, Lacan e Winnicott, a respeito da adolescência, têm-se algumas reflexões psicanalítica, realizada por Sonia Carneiro Leão (1990). Ela destaca o imaginário adulto frente à adolescência, uma fase quase idolatrada pelo mundo adulto, que a inveja e a condena. Para Leão (citada por SARAIVA, 2009, p. 72), o adolescente sente: [...] a sensação da plenitude, vendo o mundo com cores mais intensas, achando que pode tudo, com estilo próprio. [...] As crianças de 6 a 9 anos são muito reacionárias, e vivem a fase áurea da formação do superego, instância prepotente e dominadora que, se não for vigiada, vigiará o sujeito para o resto de sua vida, incapacitando-o frequentemente a buscar novos prazeres. Muitas vezes devido à falta de controle não são capazes de assumir a responsabilidade por seus atos, culpando fatores externos. Em busca dessa independência, podem rejeitar os valores pelos quais foram educados, provocando dessa forma sentimentos de alienação, outra característica do desenvolvimento do adolescente. A alienação pode levar ao suicídio devido à sensação de desamparo A família constitui um foro no qual podem ser estabelecidos valores de identidade e independência conforme a definição dos pais. Segundo Rosa (1995, p. 183), Quando os pais reagem com autoritarismo ou indiferença ao comportamento do adolescente, esta disfunção familiar pode levar a um comportamento delinquente. Os pais podem achar tão perigoso o comportamento do adolescente que se tornam punitivos. Em busca de status este adolescente se une em grupos e passa a realizar tarefas que contam com a influência desse grupo criando uma subcultura que irá representar um status. Identificar o adolescente como sujeito de suas ações, como sujeito de direitos e, em consequência, titular de direitos e obrigações, corolário da aplicação da Doutrina da Proteção Integral dos Direitos da Criança, por conta de uma cultura “menorista” secular, nem sempre se dá de forma a ser perfeitamente compreendida por todos. Há mitos e preconceitos impedindo esta compreensão. A impressão que dá é que a adolescência parece ser um lixão da humanidade. É sempre um problema, tem discurso demagógico e não há diálogo com o adulto. O importante nessa fase é ter um adulto plenamente solidário com a sua condição em todos os seus aspectos. A compreensão da adolescência e sua relação com a Lei, haja vista este caráter diferenciado, deve vir norteada pela exata percepção do que consiste esta peculiar condição de pessoa em desenvolvimento e a correspondente responsabilidade penal juvenil que disso decorre sem concessões (SARAIVA, 2009, p. 78). Na caminhada entre a indiferença e a proteção integral de direitos, “[...] a criança transitou desde a desconsideração de sua condição diferenciada, ao rótulo de incapaz, até a compreensão (nem sempre percebida) de sua condição de pessoa em peculiar estágio de desenvolvimento, sujeito de direitos” (SARAIRA, 2010, p. 78). O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECRIAD exemplifica em seu art. 18 § 1º (BRASIL, 2016) o conjunto das garantias constitucionais e processuais expressamente reconhecidas. Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor. Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los. (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014) (...) Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cuidar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel ou degradante como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso: (Incluído pela Lei nº 13.010, de 2014). (...) O art. 6º do ECRIAD preconiza que seja considerado a condição peculiar da criança e do adolescente em desenvolvimento. Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (BRASIL, 2016b). A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento é um princípio previsto no artigo 227 da Constituição Federal e no artigo 4º do ECRIAD, que se refere à criança e ao adolescente como pessoas que merecem atenção especial pela sua vulnerabilidade, por estarem em fase de desenvolvimento da personalidade. O adolescente deve receber um atendimento diferenciado, respeitando a condição especial que têm direito, não o isentando dos deveres cabíveis a sua idade. Sabe-se que os direitos são reconhecidos pela Convenção e adotados por adultos que sabem o que é melhor para a criança, mas desprezam totalmente essa verdade, gerando assim na determinação da internação de adolescentes em conflito com a Lei. Há vários modelos de instituições que acolhem crianças e adolescentes no Brasil. Estas instituições em geral recebem crianças e adolescentes cujas famílias não têm condições de mantê-las, inclusive por falta de recursos financeiros. De acordo com Rizzini (2004, p. 51 – 52) os adolescentes que chegam nas instituições são: (a) Crianças e adolescentes órfãos ou em situação de abandono familiar: são aqueles que perderam o vínculo com suas famílias de origem, tendo sido abandonados pelos pais. Aqui se inclui também as crianças órfãs, que não têm parentes para se responsabilizarem por seus cuidados. (b) Crianças e adolescentes em “situação de risco”: são aqueles que, devido a casos de violência, crises familiares ou catástrofes, estão impossibilitados de voltar para suas moradias e necessitam continuar temporariamente abrigados em outros locais. (c) Crianças e adolescentes em situação de pobreza: a documentação sobre os internatos dos séculos XIX e XX revela que crianças eram internadas porque eram pobres. Os orfanatos abrigavam, frequentemente as crianças que possuíam até ambos os pais, por intervenção do Juiz de Menores, quando entendia que suas famílias não tinham condições morais de educá-las. . A internação acontecia, muitas vezes, com a ajuda de políticos e pessoas de influência na sociedade. Atualmente, como faziam no passado, as famílias apelam ao Juizado e às instituições na tentativa de internar os filhos, alegando não terem condições de mantê-los, seja por questões financeiras ou por dificuldade em discipliná-los.

2. REFERÊNCIAS

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