A HERMENÊUTICA JURÍDICA COMO INSTRUMENTO DE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: A EFETIVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E A IMPORTÂNCIA DA INTERPRETAÇÃO

Evandro Ferreira de Araújo Costa Netto[1]

Larissa Saraiva Garrido Carneiro[2]

Jayme Camargo da Silva[3]

 

Sumário: Introdução; 1 O Positivismo Jurídico; 2 Dogmática e Interpretação; 2.1 O círculo hermenêutico: pré-compreensão e compreensão; 2.2. “Vontade da Lei” e “Vontade do Legislador”; 2.3 O intérprete autêntico: lições de Kelsen; 3 Hermenêutica Jurídica como instrumento de transformação social; 3.1 Crise do Direito; 3.2 Efetivação de Direitos Fundamentais; Conclusão; Referências.

     

RESUMO

O presente paper tem como enfoque a evidente crise no Direito e como este pode ser objeto de gradativas melhorias através dos métodos de interpretação hermenêuticos. O Direito deve ser objeto de constantes atualizações pelo intérprete autêntico, figura de grande relevância para a construção deste estudo. Feita de forma adequada, esta dinâmica permite que o direito e a hermenêutica jurídica sejam eficientes instrumentos de transformação social.

A crise do direito está compreendida em valores erroneamente arraigados e é um grave problema que se estende até os dias atuais, pela proliferação do ensino incorreto (ou falta de ensino) da hermenêutica.

  

PALAVRAS CHAVE:

Interpretação – Dogmática – Crise do Direito – Direitos Fundamentais

 

 

 

INTRODUÇÃO

Neste paper, trabalhar-se-á inicialmente com a ideia de positivismo jurídico. O nascimento deste instituto está intimamente ligado à noção de legislação: direito positivo, em uma primeira análise, é “aquele decorrente de imposição do Estado (poder soberano), com normas gerais e abstratas (lei)”. (WENDPAP, 2012, p.1)

O direito pode ser considerado uma obra humana, correspondente a um processo de criação. O “sentido” do direito não é formado apenas por valores que “concebem a intenção, ou a vontade, do sujeito que faz a lei, como também os valores incorporados à tradição histórica na qual ela se insere”. Isto será percebido quando se fala em vontade do autor e em vontade do intérprete, sendo estes “seres históricos pertencentes a épocas distintas” (CAMARGO, 2003, p. 49). Por esta razão, se faz necessária a análise da dogmática e interpretação jurídicas.

O conhecimento é uma articulação de uma pré-compreensão originária que Heidegger chama de círculo hermenêutico. A compreensão, por sua vez, é a elaboração da construtiva e originária relação com o mundo que o constitui. (OLIVEIRA, 2012, p.[?])

A circularidade hermenêutica, por sua vez, segundo Heidegger, apoia-se sobre o sentido daquilo que busca-se compreender. “Sentido, para Heidegger, é aquilo em que se sustenta a compreensibilidade de alguma coisa (...)”. (CAMARGO, 2003, págs. 53 e 54)

Em relação à lei, procurava-se transpor, inicialmente, a verdadeira vontade do legislador (a mesma do momento da criação da lei), para a aplicação, evitando-se o arbítrio. Entretanto, tempos depois, verificou-se uma tendência em reconhecer a autonomia da lei em relação a seu autor. (CAMARGO, 2003, p. 128)

As normas jurídicas são objeto do intérprete autêntico. A interpretação autêntica, para Kelsen, é a atividade chamada de “Política do Direito”. Esta interpretação será de essencial importância para a efetivação de direitos, pois “não é aquela que busca o sentido dos textos normativos, mas sim aquela que aplica, ou seja, busca o alcance. (...) É a atividade chamada de aplicação. É o momento da subsunção, ou seja, o direito se realiza”. (OLIVEIRA, 2012, p[?]).

A linguagem tem o papel da representação das coisas no mundo, na tentativa de descrever as coisas do jeito que exatamente são em sua essência. Esta tem grande importância para o direito, pois é composto de normas escritas. É necessária a abordagem da hermenêutica em relação à linguagem. A linguagem, nos dias atuais, ainda mostra sinais de insuficiência – assim como Heidegger assevera. Não existe uma noção pura e acabada do objeto. (OLIVEIRA, 2012, p.[?])

É certo que a sociedade contemporânea vive um “excesso” de dogmática, fator essencial para a crise do Direito. As lições de Kelsen sobre o intérprete autêntico contribuem com grande relevância para a aplicação (fática) do Direito, garantindo assim os direitos fundamentais do homem.

A concretização do direito se dá pelo processo de transformação do texto da norma para a norma concreta (norma jurídica), que ainda não é o destino final a ser alcançado. A concretização somente alcança a plenitude no passo seguinte, que é a definição da norma de decisão, capaz de dar solução ao conflito existente no caso concreto. “Inexiste, hoje, interpretação do direito sem concretização; esta é a derradeira etapa daquela”. (GRAU, 2006, p.29)

1 O Positivismo Jurídico

A priori, estuda-se neste trabalho as leis, advindas do positivismo jurídico. Inicialmente, era certo que o positivismo seria uma doutrina na qual o que era considerado direito era equivalente apenas ao direito positivo. ­­­Porém, desenvolve-se esta acepção, e delimita-se que o direito positivo é resultado da força estatal imposta a partir de normas gerais e abstratas. (WENDPAP, 2012, p.1)

Pode-se entender o positivismo jurídico a partir de duas concepções feitas a partir da formação do Estado Moderno – o positivismo como fonte do direito decorrente do racionalismo, sendo as normas são instrumentos postos para que o soberano regule a sociedade; e a ideia da lei como meio disponível ao homem para modificar a sociedade. Nesta última acepção, o direito positivo diferencia-se do direito consuetudinário, pelo fato que este seria um mero reflexo da estrutura social, sem possibilidades de modifica-la, enquanto aquele seria uma fonte realmente ativa. (WENDPAP, 2012, p.1)

Segundo a autora, o direito positivo tem grande influência na modernidade. Tem-se a possibilidade do aplicador das leis criar o direito no sentido de preencher lacunas e evitar omissões ou obscuridades:

(...) a legislação, portanto, vem para combater o caos do direito primitivo e confere ao Estado um instrumento de intervenção na sociedade. Trata-se de um movimento histórico ligado ao Estado Moderno, de modo que mesmo que nem todos os países tenham adotado codificações houve o fortalecimento da lei em detrimento das demais fontes, inclusive em países como a Inglaterra. (WENDPAP, 2012, p.1)

2 Dogmática e interpretação

No processo jurídico de decisão, a interpretação tem pressupostos em um conjunto de conceitos e conhecimentos prévios, fortemente arraigados. Isso permite que se alcance as “conclusões com um mínimo de previsibilidade”. No campo jurídico, há todo um arcabouço teórico que influenciará a interpretação. É exatamente o viés dogmático, que se compõe pela lei, pela doutrina e pela jurisprudência. O conjunto de normas do ordenamento jurídico será o parâmetro para a interpretação. (CAMARGO, 2003, p. 51)

Interpretar a lei é adentrar o seu verdadeiro sentido, sendo que quando a lei é clara, a interpretação é automática; é fixar o sentido da norma e descobrir sua finalidade, buscando-se os valores consagrados pelo legislador; é buscar o esclarecimento. (STRECK, 2009, p. 93)

Faz-se necessária a noção da dogmática jurídica de Tércio Sampaio Ferraz Jr., sendo esta uma acepção fechada, em oposição à zetética. “O pensamento zetético corresponde às ciências do espírito não comprometidas com uma solução definitiva para suas questões, bem como independem dos pontos de partida que podem sempre ser questionados”. Neste âmbito estão a filosofia, a política e a sociologia. (CAMARGO, 2003, págs. 51 e 52)

STRECK (2009, págs. 78 e 79), por sua vez, aponta críticas que põem em xeque a dogmática jurídica, sinalizando uma evidente crise. O ensino jurídico, segundo ele, continua ligado às velhas práticas.  O positivismo ainda é regra. A dogmática é trabalhada em sala de aula e reproduzida na maioria dos manuais. O Direito ainda se encontra como “mera racionalidade instrumental”. A doutrina não é diferente. “Cada vez mais a doutrina doutrina menos” – esta é “doutrinada pelos tribunais”.

A partir dos exemplos utilizados em sala e em várias obras jurídicas, é possível perceber uma “cultura estandartizada”, em que estes exemplos não representam o que realmente acontecem no cotidiano social. A dogmática amplia-se desregradamente – “há uma proliferação de manuais, que procuram ‘explicar’ o direito a partir de verbetes jurisprudenciais ahistóricos e atemporais (portanto metafísicos)”. (STRECK, 2009, págs. 80 e 81)

(...) A cultura standard fornecida pelos manuais é reproduzida nas salas de aula e nos concursos públicos. (...) há um manual que, para explicar a diferença entre culpa consciente e dolo eventual, utiliza um exemplo a partir do ato de um jardineiro que quer cortar as ervas daninhas e corta o caule da flor...! (...) Tudo isto serve para demonstrar/ilustrar a histórica dificuldade da dogmática jurídica em lidar com os fenômenos sociais. (...) Estabeleceu-se uma cultura standard, no interior da qual o operador do Direito vai trabalhar no seu cotidiano com soluções e conceitos lexicográficos (...). (STRECK, 2009, págs. 81 e 82)

O Direito instrumentalizado pela dogmática, apesar de tudo, consegue parecer aos olhos do seu operador como “ao mesmo tempo, seguro, justo, abrangente, sem fissuras, e acima de tudo, técnico e funcional”. Isso é grave, já que ingressa-se em um “universo de silêncio”, o universo do texto, que sabe tudo, que diz tudo, que dá todas as respostas. (STRECK, 2009, p.87) Os juristas não fazem o Direito, “apenas entretêm o mistério divino do Direito, ou seja, o princípio de uma autoridade eterna fora do tempo e mistificante, conforme as exigências dos mecanismos de controle burocrático num contexto centralista”. (FERRAZ JR., apud STRECK, 2009, p. 87)

2.1 O círculo hermenêutico: pré-compreensão e compreensão

Toda obra humana é um processo de criação, tendo o direito também uma marca valorativa. O direito possui como sentido não apenas valores percebidos na vontade ou na intenção do sujeito que faz a lei, mas também deve-se considerar os valores históricos incorporados à tradição na qual ela está inserida. Tudo que é feito pelo homem possui um significado que pode ser interpretado a partir de um esforço hermenêutico. A compreensão, assim, serve de base para a interpretação, uma vez que expressamos tudo da forma que se compreende. “(...) Se por outro lado aceitamos que a interpretação servirá como fundamento para a compreensão total do fenômeno, há de se falar também em pré-compreensão”. (CAMARGO, 2003, págs. 49 e 50)

A interpretação concretiza uma espécie de mediação que consiste em transformar uma expressão em outra, a fim de que se torne mais compreensível o objeto ao qual a linguagem é aplicada. (GRAU, 2006, p.81)

A pré-compreensão do intérprete em relação a uma questão jurídica encontra-se referida não apenas à situação histórica, mas também a um determinado campo de conhecimento. Os princípios extraídos da doutrina e da jurisprudência, conhecidos, portanto, dos profissionais e estudiosos do direito, permite que a dialética se instaure dentro dos limites que lhe retirem qualquer espécie de arbitrariedade, conferindo-lhe, inclusive, considerável fator de previsibilidade. (CAMARGO, 2003, p. 51)

O círculo hermenêutico, por sua vez, foi desenvolvido principalmente pela filosofia de Heidegger, “para quem a interpretação se funda numa visão prévia, que ‘recorta’ o que foi assumido na posição prévia, segundo uma possibilidade determinada de interpretação”. Toda interpretação que se movimenta no sentido de compreender “já deve ter compreendido o que se interpretar”. A circularidade hermenêutica, para Heidegger, funda-se na pré-compreensão, que se apoia no sentido daquilo que busca-se compreender. “Sentido” para Heidegger é “aquilo que em que se sustenta a compreensibilidade da coisa”, e é a partir deste sentido que “algo se torna compreensível como algo”. (CAMARGO, 2003, págs. 53 e 54)

Para Gadamer, o círculo não é subjetivo nem objetivo, mas descreve a compreensão como interpretação da dinâmica da tradição e do intérprete. A pré-compreensão tem grande importância para Gadamer: o pré-juízo tem função de pressuposto que influencia toda a compreensão. O ir e vir de perspectivas não se opera de forma linear, mas na forma dialética. (CAMARGO, 2003, págs. 55 e 56)

Isto tudo se aplica no Direito de forma que, além da tradição histórica (que situa o intérprete), há também uma tradição jurídica, formada por regras e princípios, “que se mantém no tempo e servem de sustentação às decisões, segundo a regra de justiça”. (CAMARGO, 2003, p. 59)

(...) Entendemos que a dogmática é capaz de reservar alguma segurança às relações sociais, pelo quantum de previsibilidade que oferece ao controle de suas ações, mais do que em qualquer outra área do conhecimento, não merecendo, por isso, ser descurada. Aliás, é característica que nos faz distinguir a hermenêutica jurídica dos demais campos hermenêutica, atribuindo-lhe tratamento próprio. (CAMARGO, 2003, p. 60)

2.2. “Vontade da Lei” e “Vontade do Legislador”

É certo de que há uma certa discussão acerca das teses da voluntas legis e da vonluntas legislatoris. Têm-se indagado: o que vale mais, a vontade da lei ou a vontade do legislador? Existe um “espírito” contido na lei? Uma norma pode querer alguma coisa?

Em relação à operacionalidade do Direito, Ferraz Jr. contribui no sentido de resumir esta questão na dicotomia “subjetivistas versus objetivistas”: em relação a estas correntes,

A primeira insiste em que, sendo a ciência jurídica um saber dogmático (a noção de dogma enquanto um princípio arbitrário, derivado de vontade do emissor de norma lhe é fundamental) é, basicamente, uma compreensão do pensamento do legislador; portanto, interpretação ex tunc (desde então), ressaltando-se, em consonância, o papel preponderante o papel preponderante do aspecto genético e das técnicas que lhe são apropriadas (método histórico). Para a segunda (objetivista), a norma goza de um sentido próprio, determinado por fatores objetivos (o dogma é um arbitrário social), independente até certo ponto do sentido que lhe tenha querido dar o legislador, donde a concepção da interpretação como uma compreensão ex nunc (desde agora), ressaltando-se o papel preponderante dos aspectos estruturais em que a norma ocorre e as técnicas apropriadas à sua captação (sociológico), (STRECK, 2009, p. 97)

STRECK (2009, p.98) argumenta que as duas correntes estão intimamente ligadas  no plano das práticas cotidianas dos operadores do direito, podendo ambas serem encontradas em quantidade significativa dos manuais e textos jurídicos. Também explica que é possível encontrar, num mesmo texto jurídico, a busca concomitante do espírito do legislador e da vontade da norma. Ferraz Jr. entende, por sua vez, que “o direito anterior à revolução é relativizado e atualizado em função da nova situação, predominando aí a doutrina objetivista, (...)” e o “pós-revolucionário tende-se a privilegiar a vontade do legislador (...)”. (FERRAZ JR., apud STRECK, 2009, p. 99 e 100).

Por fim, BETTI (2007, p. 205) afirma que “admite-se uma ‘vontade’ (da lei e do legislador) somente ‘enquanto se deduz da lei considerada objetiva e independentemente do autor”. Desta forma, despersonalizada, a “vontade da lei” se “reduz à hipóstase ou à ficção de uma ‘vontade coletiva’”, como se fosse algo paralelo à vontade individual.

2.3 Intérprete autêntico: lições de Kelsen

A interpretação autêntica é a interpretação que advém do mesmo autor do princípio ou da declaração preceptiva que se compreende: “seja do órgão competente para regular a matéria do preceito (poder legislativo, executivo ou judiciário), seja da própria parte legitimada a regular a relação (...)”. Uma característica essencial da interpretação autêntica é a “identidade do autor”: esta, em sentido jurídico, do sujeito ou órgão “ao qual a declara~]ao ou preceito é referido pela ordem jurídica”. (BETTI, 2007, p. 119)

Esta interpretação se difere das demais por ser destinada a resolver incertezas, sendo um meio “idôneo por excelência”. Resolve um problema de “inteligibilidade da declaração preceptiva antecedente”, ou seja, esclarece o sentido normativo do preceito aos destinatários deste. Para o momento preceptivo, a interpretação autêntica tem um valor vinculante (sob o aspecto formal) em relação às interpretações futuras e aplicação do preceito. (BETTI, 2007, p. 120-123)

Para Kelsen, o único intérprete dotado de poderes suficientes para criar normas será o intérprete autêntico. Neste sentido, é possível perceber um problema: “quem produz a norma exerce um ato de poder”. A norma “é uma manifestação de poder”. Qualquer um pode interpretar, porém apenas o intérprete autêntico pode criar, no direito, normas de decisão. (GRAU, 2006, p. 89 e 90)

As demais interpretações não criam direito, apenas a interpretação autêntica. Os indivíduos podem observar alguma regra que regule sua conduta e fazer escolhas sobre esta, porém, essa escolha não será autêntica, não cria direito e não é vinculante “para o órgão que aplica essa norma jurídica feita pelos órgãos jurídicos”. (GRAU, 2006, p. 96)

A interpretação jurídico-científica (?) apenas pode estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica – o jurista tem de deixar a decisão pela escolha das interpretações possíveis de uma norma jurídica ao órgão que, segundo a ordem jurídica, é o competente para aplicar o direito; assim, quando o advogado indica uma determinada interpretação como “acertada”, está tentando influir sobre a criação do direito – não exerce, na dicção de Kelsen, função jurídico-científica, porém função jurídico-política. (GRAU, 2006, págs. 96 e 97)

  

3 Hermenêutica Jurídica como instrumento de transformação social

As normas são, evidentemente, condicionadas pela realidade histórica, não sendo possível separa-las da realidade concreta do seu tempo. A eficácia dessas normas somente será realizada se for respeitado este critério. O direito perde força normativa quando ele não corresponde à natureza específica do presente. “Opera-se então a frustação material da finalidade dos seus textos que estejam em conflito com a realidade, e ele se transforma em obstáculo ao pleno desenvolvimento das forças sociais”. (GRAU, 2006, p. 58)

Portanto, é tarefa do intérprete, sob a visão dos princípios que regem o Ordenamento, atualizá-lo. “O direito é um organismo vivo, peculiar, porém, porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo”. (GRAU, 2006, págs. 58 e 59).

3.1 Crise do Direito

O paradigma do direito (im)posto externado pelas clássicas frases em jurisprudências como “neste sentido, a jurisprudência é mansa e pacífica” deve ser analisado com atenção pelos juristas – este é um dos sinais da crise. (STRECK, 2009, p. 77 e 78)

É necessário compreender que a crise do direito possui uma “dupla face: uma crise de modelo e uma crise de caráter epistemológico”. De um lado, os operadores do Direito continuam “reféns” de uma crise ocasionada pela “tradição liberal-individualista-normativista (e iluminista, em alguns aspectos); e de outro, a crise do paradigma epistemológico da filosofia da consciência. (STRECK, 2009, p. 79)

O que resulta desta crise é um Direito alienado da sociedade, descumprindo aquilo que o advento da modernidade propôs: “o desenvolvimento universal para um sistema social que concretizasse o princípio da ‘igualdade formal’, através da crescente redução das desigualdades reais no mundo moderno”. Com a crise, o inverso acontece: a pós-modernidade mostra tendências de “aprofundar a irracionalidade, aumentar as diferenças sociais e consolidar relações cada vez mais alienadas”.  (STRECK, 2009, p. 77- 80; 241)

3.2 Efetivação de Direitos Fundamentais

Apesar da crise do Direito existir, há de se dizer que a modernidade não trouxe apenas frutos negativos. Porém, estes “estão longe de ser realizados no Brasil”, segundo STRECK (2009, p. 241). O Direito, instrumento de transformação social e legado da modernidade, está contido na Constituição de 1988. Porém, o que acontece é uma não-efetivação, em todas as medidas, do Estado Democrático de Direito.

É dispiciendo dizer que o Estado Social-Providência (ainda) não ocorreu no Brasil. O propalado welfare state foi (e é) um simulacro em terrae brasilis. O Estado interveio na economia para sustentar essa “missão” (secreta) do Estado, na medida em que este é entendido em sua função (meramente) ordenadora/absenteísta. (STRECK, 2009, p. 241)

O Estado Democrático de Direito, a priori, deve instrumentalizar o Direito como um “campo privilegiado na concentração dos direitos sociais”, mediante um maior prestígio das decisões proferidas pelo Judiciário, devendo-se afirmar que a dogmática jurídica tem obstaculizado a efetivação destes direitos. O problema envolvendo a forte dogmática jurídica está centrado em dois “pilares” (STRECK, 2009, págs. 241 e 242):

(...) o primeiro, denominado nos limites destas reflexões como paradigma do modelo (ou modo de produção) liberal-individualista de Direito, e o segundo, pela permanência no plano imaginário gnosiológico dos juristas do paradigma epistemológico da filosofia da consciência, pela qual a linguagem ainda é vista como uma terceira coisa que se interpõe/opõe entre/o sujeito e/ao objeto, e que se encontra instrumentalizado por uma hermenêutica jurídico-normativa, de matriz Bettiana. (STRECK, 2009, p. 242)

Por fim, é necessário repensar a dogmática jurídica. Em uma forte crise de paradigmas, como esta, a dogmática funciona sustenta a “(des)funcionalidade do Direito”, e “retroalimentada por um campo jurídico que funciona como um corpus no interior no qual o operador  jurídico ‘conhece’, ‘contempla’ e ‘assume’ o seu lugar”. Conclui-se, portanto, que a dogmática jurídica “deve ser re-trabalhada em uma perspectiva criativa/criadora”. (STRECK, 2009, p. 242)

CONCLUSÃO

 

A crise de paradigmas abordada pelo presente trabalho sem dúvidas, é um desafio a ser superado. Esta crise obstaculiza a efetivação de princípios fundamentais da Constituição, assim, prejudicando também a realização de direitos fundamentais, justiça social, igualdade, etc. STRECK (2009, p. 297) define estas crises como “crises de paradigma objetivista aristotélico-tomista e da subjetividade (filosofia da consciência)”, e se constituem, posteriormente, na “crise de modelos de Direito” – “olhamos o novo com os olhos do velho, com a agravante de que o novo (ainda) não foi tornado visível”.

Visto isto, como superar essas crises?

A linguagem é um instrumento de grande relevância, e não deve ser esquecido neste processo de superação, pois “é a condição de ser-no-mundo”, fundamental para toda a hermenêutica. (STRECK, 2009, p. 298)

Outro ponto é entender que a compreensão do ser é a “condição ôntico-ontológica” do Dasein (ser-aí). “A verdade ôntica tem nela, como condição de possibilidade, um prévio des-velamento do ser”. (STRECK, 2009, p.299)

É necessário o reconhecimento e a boa convivência com os pré-conceitos, “pagar a dívida” para com a tradição e realizar a fusão hermenêutica de horizontes: co-existindo, desta forma, o familiar e o estranho.

REFERÊNCIAS:

BETTI, Emilio. Interpretação da lei e dos atos jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

CAMARGO, Margarida M. L. Hermenêutica e Argumentação: uma contribuição ao estudo do Direito. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. 2.ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

OLIVEIRA, Thiago Vieira Mathias de. Aulas de Hermenêutica, Lógica e Argumentação Jurídicas. Aulas proferidas no segundo semestre de 2012 na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB. São Luís, 2012.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 8.ed. rev. e atual. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2009.

                                      

WENDPAP, Elis. Breve análise do histórico do positivismo jurídico, a partir da obra “positivismo jurídico”, de Norberto Bobbio. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 97, fev 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11154&revista_caderno=15>. Acesso em 25 de agosto de 2014.

ZANIN, Caroline Prado. Hermenêutica e Giro Linguístico: breves considerações sobre a teoria de Gadamer. Revista Linguasagem, 15. Ed. Disponível em: <http://www.letras.ufscar.br/linguasagem/edicao15/ic001.pdf>. Acesso em 24 de agosto de 2014.


[1] Aluno do 4º período no curso de Direito Vespertino da UNDB.

[2] Aluna do 10º período no curso de Direito Noturno da UNDB.

[3] Professor da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, orientador.