A FÉ EM CRUZ E SOUSA

Marcos Espindola Macedo[1] [2]

 

 

 

   Neste ensaio procuramos demonstrar a fé e o misticismo de Cruz e Souza em algumas de suas obras. Entre seus temas mais trabalhados estão a morte, o mistério, a angústia, a escravidão, o conflito entre alma e matéria e não poderíamos nos esquecer de colocar aqui sua fé e misticismo muitas vezes demonstrados em várias citações contendo como temática a Cruz e o Senhor Jesus Cristo.

   Em 1893 entra em cena no Brasil um movimento chamado Simbolismo, movimento este que deu seu início com as obras Missal e Broquéis; ambas de Cruz e Sousa. Dada sua importância na Literatura Brasileira buscamos encontrar entre trabalhos e livros algo que revelasse as crenças de Cruz e Souza e muito pouco ou quase nada foi encontrado.  Interessante se formos analisar os temas mais usuais em suas obras que são justamente temas relacionados ao mistério, ao sonho e a religião.

    O período Simbolista é movido por diversos sentimentos de Misticismo e fé. Obviamente como é notório no Simbolismo, algumas formas e palavras não têm um significado real do que se vê como no Realismo, assim, sabemos que seus significados são muito mais amplos que os citados aqui; como na cor branca que muitas vezes não está relacionada a cor e sim a transcendência, deste modo apresentamos aqui pequenos textos feitos pelo “Cisne Negro” juntamente com algumas explicações. A fé que abarca inúmeras obra de Cruz e Sousa é manifestada muitas vezes usando nomes relacionados à fé crista demonstrando variados objetivos:

1) A esperança em uma vida futura;

Esta profunda e intérmina esperança

Na qual eu tenho o espírito seguro,

A tão profunda imensidade avança

Como é profunda a ideia do futuro.

Abre-se em mim esse clarão, mais puro

Que o céu preclaro em matinal bonança:

Esse clarão, em que eu melhor fulguro,

Em que esta vida uma outra vida alcança[...]

 (CRUZ E SOUSA,2008,p.65)

   O corpo para o simbolista representa o cárcere da alma, e seu objetivo é o de transcender ao mundo físico, muitas vezes demonstrando anseio pela morte ou vida futura, como afirma Volnei José Righi: “A inversão da ordem natural das coisas, como o ato cronológico de nascer e de morrer, causa estranhamento ao simbolista: quem nasce antes deveria morrer primeiro. A morte, por conseguinte, passa a ser premeditada, como desejo mórbido de transcendência.”

2) Desejo de questionar;

Que sorte tão crua e desazada! ...

Quem assim tem a vida amargurada

Antes já morrer, ser sepultado.

Só eu triste padeço feras dores,

Imensas e de fel, sem terem fim,

Envolto no véu dos dissabores.

Oh! Cristo, eu não sei se só a mim

Deste essa vida d’amargores,

Pois que é demais sofrer-se assim! [...]

 (CRUZ E SOUSA,2008, p.72).

   Aqui uma demonstração de dúvida ante as dificuldades da vida, não é fácil ser negro em um país onde a cor fala mais alto que o talento. O poeta aqui usa palavras que remetem ao seu momento de dores, amargura, sofrimento e questiona se somente ele padece tais sentimentos.

3) Desejo de Enaltecer a bondade e a castidade de Cristo;

Em vão do Cristo os olhos dulçurosos

Onde há o sol do bem e da verdade,

Cheios da luz eterna de saudade,

Como dois mansos corações piedosos,

Em vão do Cristo os olhos lacrimosos

E aquela doce e pura suavidade

Do seu semblante, casto, de bondade, [...]

(CRUZ E SOUSA,2008, p.100).

   Aqui o poeta expressa seu desejo em enaltecer a bondade de Cristo que mesmo em meio a tantos temores permanecia com seu semblante de bondade e castidade.

5) Demonstrar Os sofrimentos de Cristo;

 

Face do Cristo, a dolorosa face...

Não a face do Cristo, a macilenta

O martírio da Cruz passou fugace

E este Martírio, esta Paixão é lenta.

Um vivo sangue a face te ensanguenta, [...]

(CRUZ E SOUSA,2008, p.107).

   Relato fidedigno de momentos vividos por Cristo em companhia de seus seguidores e apóstolos; sofrimento este que segundo o autor é lento, e dolorido. Talvez aqui mais um momento de dificuldades vivido por cruz e Sousa diante de sua situação de fraqueza ante a sociedade preconceituosa de sua época. Exemplo disso foi o caso onde ele havia sido recusado como promotor na cidade de Laguna, em Santa Catarina simplesmente por ser negro.

6) Demonstrar a traição, o choro e o perdão;

 

Pedro traiu a fé do Apostolado.

Madalena chorou de arrependida;

E nessa mágoa triste e indefinida

Havia ainda uns laivos de pecado.

Tudo que a Bíblia tinha decretado,

Tudo o que a lenda humilde e dolorida

De Jesus Cristo apregoou na vida

Cumpriu-se à risca, foi executado.

O filho-Deus da cândida Maria,

Da flor de Jericó, na cruz sombria

Os seus dias amáveis terminou.

Pedro traiu a fé dos companheiros.

Madalena chorou sob os olmeiros;

Jesus Cristo sofreu e.... perdoou.

(CRUZ E SOUSA,2008, p.108).

   Aqui o poeta faz um resumo dos evangelhos e seu cumprimento, onde Cristo teria que sofrer o martírio da morte tendo que conviver com a traição de seu apóstolo e amigo Pedro, o choro de Madalena e o Perdão dado antes da morte.

7) Em uma situação de busca da luz, paz e descanso;

 Dentre um cortejo de harpas e alaúdes

Ó Arcanjo sereno, Arcanjo níveo,

Baixaste à terra, ao mundanal convívio...

Pois que a terra te ajude, e tu me ajudes.

Que tu me alentes nas batalhas rudes,

Que me tragas a flor de um doce alívio

Aos báratros, às brenhas, ao declívio

Deste caminho de ânsias e ataúdes...

Já que desceste das regiões celestes,

Nesse clarão flamívomo das vestes,

Através dos troféus da Eternidade,

Traz-me a Luz, traz-me a Paz, traz-me a Esperança

Para a Minh ‘alma que de angústia cansa,

Errando pelos claustros da Saudade!

 (CRUZ E SOUSA,2008, p.127).

Cruz e Souza homem acostumado com as dores, sofrimentos e perseguições por causa de sua cor busca na poesia expressar seu desejo de encontrar descanso e paz.

8) Uma referência à sexualidade;

Na rija cruz aspérrima pregado

Canta o Cristo de bronze do Pecado,

Ri o Cristo de bronze das luxúrias! …

(Cruz e Sousa apud Paulo Leminski,2013).

   Nesse ponto provavelmente há um uso de sentido conotativo, fazendo referência à sexualidade; como explica Paulo Leminski: “Como não ver que Cristo, aí, é metáfora do fálus ereto? A temática da dureza (bronze, ouro, marfim, prata, metais, pedra, madeira, barro, rija cruz), culminando nesse ‘Cristo das luxúrias’, que entrega o jogo.”

   Vemos aqui a coragem de Cruz e Souza em usar dos símbolos “sagrados” em uma referência ao órgão genital masculino, usando de sua genialidade sem constranger ou destratar de sua fé.

   Obviamente que o material aqui apresentado é de certa forma ínfimo se formos analisar todas as obras de Cruz e Sousa que usam a temática fé, assim sendo esperamos encontrar mais materiais que nos auxiliem a conhecer um pouco mais da vida e pensamentos desse que é um dos maiores nomes da literatura mundial.

Referências

AMARAL, Emília. Novas Palavras: Nova Edição.ed.São Paulo,2010.

LEMINSKI, Paulo.Vida:4 Biografias. Companhia das letras:Londrina,2013.

OBRA COMPLETA: Poesia/João da Cruz e Sousa; organização e estudo por Lauro Junkes-Jaraguá do Sul: Avenida; 2008.

RIGH, Volnei José. O poeta emparedado: Tragédia Social em Cruz e Sousa. Brasília(DF),2006.



[1] Este ensaio acadêmico foi escrito para cumprimento parcial da disciplina de Literatura Catarinense, do curso de Especialização em Língua Portuguesa, realizado na FUCAP (Faculdade Capivari de Baixo) em junho de 2015.

[2] Marcos Espindola Macedo é formado em Letras e Literatura pela UNIASSELVI (Capivari de Baixo), e é professor do município de Laguna e do Estado de Santa Catarina.