Eva Pedrosa [1]

Luenna Braga[2]

Crhistian Barros[3]

 

 

Sumário: Introdução;1 A Fazenda Pública e suas prerrogativas processuais; 1.1 Principio da Isonomia; 2.2. Interesse Público; 2 Reexame Necessário; 2.1 Natureza Jurídica do Reexame Necessário; 2.2Hipótese de cabimento e procedimento; 3 Recurso Especial;3.1Recurso Especial e pressupostos de cabimento; 4. Admissibilidade do Recurso Especial pela Fazenda Pública sem previa interposição de apelação; Considerações Finais; Referencias.

RESUMO

Devido a complexidade das matérias defendidas pela Fazenda Pública, faz-se necessário a criação de algumas prerrogativas. Uma dessas prerrogativas é a Reexame Necessário que tem a finalidade de reanálise, pelo tribunal, das decisões proferidas pelo juízo a quo em desfavor da Fazenda Pública, a referida prerrogativa encontra-se positivado no ordenamento jurídico pátrio no artigo 475 do Código Civil. É recorrente na doutrina e na jurisprudência a discussão a respeito da possibilidade de interposição de Recurso Especial pela Fazenda Pública sem a previa interposição de apelação devido a imposição do Reexame Necessário. Este trabalho pretende fazer uma análise, levando em consideração a discussão jurisprudência e doutrinaria, da possibilidade de interposição de Recurso Especial nas circunstancia mencionadas.

PALAVRA CHAVE:Reexame Necessário, Recurso Especial, Fazenda Pública, Apelação.

 

INTRODUÇÃO

A fazenda Publica é uma instituição que antigamente apenas cuidava da atuação do Estado em juízo referente a ações fiscais ou financeiras, mas com o passar do tempo passou a ser utilizada para representar o interesse publico em juízo, devido a esta matéria complexa a ser tratada, ela é possuidora de algumas prerrogativas processuais diferenciadas, o que é causa de grande divergência doutrinaria, uma delas é a possibilidade da interposição do recurso especial sem a previa interposição de apelação haja vista a existência do reexame necessário.

Desta maneira, a presente pesquisa exploratória fará uma analisa dos diversos posicionamentos quanto à temática, utilizando-se do método indutivo, na qual se dividira em partes, primeiramente esclarecendo pontos acerta do instituto da Fazenda Púbica, posteriormente explicando o dispositivo do reexame necessário para então adentrar no âmbito do recurso especial e neste quesito abordar o questionamento quanto a possibilidade ou não da interposição de Recurso Especial sem a previa interposição de apelação devido a imposição do Reexame Necessário, abordando nesta, a ótica da jurisprudência e da doutrina.

 

1 A FAZENDA PUBLICA E SUAS PRERROGATIVAS PROCESSUAIS

O termo Fazenda Publica se refere à União, aos Estados, aos Municípios, ao Distrito Federal e a suas respectivas autarquias e fundações quando figurem em ações judiciais, ou seja, tal expressão está ligada a idéia do Estado em juízo, principalmente em demandas relacionadas com as finanças estatais, por isso é associada ao erário publico, pois representa o aspecto financeiro do ente publico, assim, trata-se de um órgão despersonalizado da União ou do Estado responsável pela política econômica desenvolvida pelo Governo, contudo, também é possível que a Fazenda Publica esteja em juízo mesmo que a demanda não seja referente a ação fiscal ou financeira (CUNHA. 2007, p. 15), pois apesar dela não ser titular do interesse publico, possui também o dever de preservá-lo, de gerir de maneira eficiente a coisa publica. (CUNHA. 2007, p. 33).

Sua representação em juízo é realizada pelos procuradores judiciais, que são titulares de cargos públicos privativos de advogado, regularmente inscritos na OAB, no qual em decorrência da relação mantida entre a administração publica e seu procurar, dispensa-se a necessidade de procuração para tal representação. (CUNHA. 2007, p. 20)

Devido à complexidade da matéria que representa, a Fazenda publica possui prerrogativas processuais diferenciadas, como, por exemplo, ter prazo em dobro para recorrer e em quádruplo para contestar, a isenção de custas e a interposição de Recurso Especial sem a previa interposição de apelação devido a imposição do Reexame Necessário, o que são motivos de grande celeuma doutrinário, pois faz divergir dois princípios, o principio da isonomia processual e o principio da supremacia do interesse publico em detrimento ao interesse processual.

1.1  PRINCIPIO DA ISONOMIA

O principio da isonomia pode ser observado no artigo 5° da Constituição Federal e no artigo 125 do Código do processo Civil, que respectivamente determinam:

Art. 5°, CF: 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)

Art. 125, CPC: O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, competindo-lhe:

 I - assegurar às partes igualdade de tratamento;

Deste modo, observa-se que por este dispositivo todos são iguais perante a lei, devem ser tratados como iguais em todo os aspectos, então todos devem ter a mesma oportunidade de intervir no processo, de modo a contribuir no convencimento do juiz (CUNHA.2007, p. 31), não seria portanto, considerável admitir que uns tenha tratamento diferenciado dos outros, contudo Leonardo Cunha  e Cássio Scarpinella; esclarecem: 

”O principio da igualdade, longe de pretender conferir tratamento substancialmente idêntico a todas as pessoas, entes, sujeitos e organismos, leva em conta as diversidades de cada um, tomando como parâmetro a notória e antiga lição de Aristóteles, na qual a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais (...) assim, há regras, no processo, que se apresentam diferenciadas, com vistas a alcançar o equilíbrio e adaptar-se às peculiaridades daquela parte que detém uma nota marcante e diferenciada em relação as demais (...) por isso, há regras especiais conferidas a fazenda publica, na qual se sobressai a prerrogativa dos prazos diferenciados, no intuito de atender à situação no processo, que se releva diferente da situação dos particulares ou das empresas privadas” (CUNHA. 2007, p. 30-31)

”busca-se com o principio da isonomia a igualdade material e não formal, assim, todos são iguais perante a lei, enquanto forem legais, a partir do momento que há diferença, a lei precisa tratar de forma diferente para que haja uma igualdade, o que nada mais é do que tratar igual, os iguais, e os desiguais, de maneira desigual, na medida de sua desigualdade” ( BUENO. 2003, p. 67)

Visto isso, nota-se que este princípio nada quer dizer com a ótima de todos terem o mesmo tratamento, sendo então violação constitucional as prerrogativas da Fazenda Publica, mas está diretamente relacionada a idéia aristotélica de igualdade proporcional (CUNHA. 2007, p. 36)

1.2  INTERESSE PÚBLICO

Um dos alicerces do direito público é o interesse publico,  o que nada mais é do que o primado da supremacia do interesse publico em detrimento do interesse particular, afim de alcançara efetiva satisfação dos interesse coletivos (CUNHA. 2007, p. 31), que são mais complexos por esta ligado a ideia de bem comum, ao interesse de que todos compartilham (CUNHA. 2007, p. 32), pertencente a uma generalidade de pessoas ( BUENO. 2003, p. 46).

Logo, há uma notória desigualdade nos pólos da relação processual entre um individuo e o Estado, a Fazenda Publica é desigual frente aos particulares, porque tutela interesse de todos (BUENO. 2003, p. 81) por isso é necessário possibilitar a ela um tratamento diferenciado, para que seja atendido o principio da isonomia (CUNHA. 2007, p. 36) Desta maneira,  entende-se que a Fazenda Publica é possuidora de condições processuais diferenciadas das pessoas físicas e jurídicas de direito privado, devido a complexidade de sua atividade de preservar o interesse publico (CUNHA. 2007, p. 33), deste modo, para que ela atue de maneira eficaz é preciso que seja conferido a ela condições suficientes para tanto (CUNHA. 2007, p. 34), como bem explica Leonardo Cunha:

“Além de estar defendendo o interesse público, a Fazendo Publica mantém uma burocracia inerente à sua atividade, tendo dificuldade em ter acesso aos fatos, elementos e dados da causa. O volume de trabalho que cerca os advogados públicos impede, de igual modo, o desempenho de suas atividades nos prazos fixados para os particulares, além disso o advogado particular pode escolher suas causas, enquanto o advogado publico não pode declinar das suas funções (...) por isso as ‘vantagens’ processuais conferidas à fazenda publica revestem o matiz de prerrogativas, eis que contêm fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao principio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma igual” (CUNHA. 2007, p. 34)

Assim, é possível entender que o prazo expresso no artigo 188 do Código do Processo Civil, que possibilita a Fazenda publica o prazo em dobro pra recorre e quádruplo para contestar, tem razão devido a grande demanda que ela recebe,a isenção das custa processuais, possui lógica no fato de não ser razoável o Estado pagar a si mesmo (BUENO. 2003, p. 73)e a interposição de Recurso Especial sem a previa interposição de apelação devido a imposição do Reexame Necessário, deve-se ao fato do atual entendimento da jurisprudência de que não há preclusão lógica.

Posto isso, é defendido por Bueno que o principio da isonomia tem que ser interpretado em conjunto com o principio do interesse publico sobre o particular, não tendo assim, o que se falar em conflito, pois o principio a isonomia, esta em perfeita sintonia com a supremacia do interesse púbico sobre o privado (BUENO. 2003, p. 81).

 

2. REEXAME NECESSÁRIO

Desde o Código de Processo Civil de 1939 previa-se a figura da apelação necessária ou ex officio, para validação de decisão proferida pela primeira instância contra a Fazenda Pública, a referida validação se caracterizava como explica Araken de Assis (Assis, 2012), na interposição de tal instrumento pelo juiz mediante simples declaração na sentença e em caso de omissão do juiz nenhuma eficácia ostentava o pronunciamento.

Três eram as espécies de sentença que contemplavam a figura da apelação necessária, entretanto para o aproveitamento neste trabalho só será utilizada uma hipótese que são as sentenças proferidas contra a União, Estado, e Municípios, incluindo a liquidação de sentença condenatória.

Cassio Scarpinella Bueno (Bueno, 2011) explica que o referido instituto contém uma duvidosa constitucionalidade e que na opinião do idealizador do Código de Processo Civil de 1973, Alfredo Buzaid, deveria ser retirado do ordenamento jurídico, haja vista haver na organização judiciária do país meio para a proteção do fisco. Entretanto durante a tramitação legislativa o reexame necessário moldou-se estrutura do atual Código de Processo Civil.

Na legislação vigente a figura do reexame necessário encontra respaldo no artigo 475 do Código de Processo Civil, sendo condição imposta pelo referido artigo para que as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública produzam os efeitos. Há contudo, hipóteses em que pode ser dispensado o reexame, são os casos previsto no §§ 2º que disciplina os caso em que a condenação ou direito controvertido for de valor certo não excedente a 60 salários mínimos bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor e §§3º  que é quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente, ambos no mesmo artigo.

2.1 NATUREZA JURIDICA DO REEXAME NECESSÁRIO

Há na doutrina pátria uma divergência quanto a natureza do reexame necessário. Por não constar no artigo 496 do Código de Processo Civil, parte da doutrina acredita não ser o reexame necessário recurso, pois não atende regras básicas características dos recursos com a taxatividade.

Fredie Didier (Didier, 2012) acredita que o reexame necessário tem natureza de condição de eficácia da sentença, pois não atende a regra da taxatividade, não está sujeito a prazos, não possui requisitos de admissibilidade formal e nem a característica da voluntariedade recursal. Sobre o assunto ele explana:

“O reexame necessário condiciona a eficácia da sentença à sua reapreciação pelo tribunal ao qual está vinculado o juiz que a proferiu. Enquanto não for procedida à reanálise da sentença, este não transita em julgado, não contendo plena eficácia. Desse modo, não havendo reexame e, conseqüentemente, não transitando em julgado a sentença, será incabível ação rescisória (Didier, 2012, p. 515)”

Arraken de Assis (Assis, 2011) parte da premissa que este instrumento não guarda compatibilidade com recorrente conceito de recurso, para fundamentar tal posicionamento ele parte da impossibilidade de haver recurso ex officio, ou seja, o reexame necessário não supri o predicado do impulso inicial.

O referido autor afirma também que é idéia de condição de eficácia da sentença também seria incompatível:

“Em suma, a idéia corrente revela-se incompatível com o cediço conceito universal de “condição”. E ficaria sem explicação a possibilidade de a sentença, a despeito de subordinada a tal condição, excepcionalmente produzir efeitos, como acontece no caso de execução provisória de sentença concessiva de mandado de segurança (Assis, 2012, p. 921)”

Para Arrakeno reexame necessário está dentro dos sucedâneos recursais, ou seja, é um instrumento de impugnação de decisão judicial, entretanto não seria um recurso. Cassio Scarpinella Bueno (Bueno, 2011), compartilha do entendimento de Arraken de Assis.

 

2.2. HIPÓTESE DE CABIMENTO E PROCEDIMENTO 

Como explica Fredie Didier (Didier, 2012) as sentenças sujeitas a reexame necessário são aquela que estão no artigo 475 do Código de Processo Civil, não sendo necessária a apreciação das decisões interlocutórias através do reexame, não havendo reexame necessário em relação a tutela antecipada concedida contra a Fazenda Pública.

O referido autor explica também que há na doutrina uma discussão a respeito da possibilidade cabimento do reexame necessário quanto às sentenças que extinguem o processo sem resolução de mérito, sendo a Fazenda Pública ré na demanda, problema semelhante não existiria se a Fazenda Pública figurar com autor da ação.

Scarpinella traz a hipótese de cabimento do reexame em legislação extravagante:

“Fora estas hipóteses, o reexame necessário é previsto em alguns diplomas extravagantes do direito processual civil. É o que se verifica, por exemplo, no art. 19 da lei n. 4.717/1965, para a “ação popular”, no parágrafo único do art. 14, § 1º, da Lei n. 12.016/2009, para o “mandado de segurança”, e no art. 3º da Lei n. 8.437/1992, para a “a sentença em processo cautelar”, proferida contra a pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional, que se refere ao instituto, vale o destaque, como recurso exofficio”. (Bueno, 2011, p. 460).

Em relação ao procedimento, é de competência do juiz da causa determinar a remessa dos autos ao tribunal hierarquicamente superior, que seja vinculado, caso não o faça há a impossibilidade da causa transitar em julgado, entretanto o juiz da causa pode corrigir o erro a qualquer momento, não havendo preclusão temporal (Didier, 2012)

3. RECURSO ESPECIAL

O recurso especial, assim como, o recurso extraordinário, são classificados como recursos excepcionais,pois além de ter que preencher os requisitos genéricos, relativos ao interesse e a legitimidade é necessário ainda o preenchimento dos requisitos específicos para a sua propositura, como a ocorrência de uma violação ao direito constitucional e infraconstitucional (DONIZETTI. 2007, p. 450), tal determinação deve-se a finalidade de filtrar o volume dos recursos a esses órgãos, evitando assim, o acumulo exagerado no STF e STJ (MANCUSO. 1999, p. 127), a qual se destina respectivamente, o recurso extraordinário e o recurso especial. Trata-se de recursos de fundamentação vinculada, cabíveis apenas em questões de direito (MANCUSO. 1999, p. 120), assim, não são destinados à revisão da injustiça dos julgados, e sim voltados ao reexame estrito da matéria jurídica que, para o recorrente, reflete uma violação a constituição ou a lei federal (MANCUSO. 1999, p. 109)

Assim, Mancuso esclarece:

”a explicação dessa exigência está em que o STF e o STJ são órgão de auxilio do Judiciário, irradiando suas decisões por todo o território nacional. Em tais circunstâncias, compreende-se que as Cortes Superiores apenas devam se pronunciar sobre questões federais, que podem ser até prejudiciais, em uma lide que está totalmente dirimida nas instancias inferiores. Se os Tribunais Federais davam a ultima palavra, de acordo com suas atribuições, compreende-se que o interesse do recorrente depende de que já tenha sido experimentado todas as possibilidade de impugnação ordinárias” (MANCUSO. 1999, p. 91)

Desta forma, haja vista o principio da unirecorribilidade, pressupõe-se que os recursos excepcionais, só serão cabíveis se houver preclusão consumativa dos recursos ordinários, de modo que só reste a interposição do recurso extraordinário, recuso especial ou dos dois se for o caso (MANCUSO. 1999, p. 91), por isso, entende-se que estes recursos não podem se dar de modo per saltum, possibilitando alguma hipótese de impugnação por meio de instancias inferiores (MANCUSO. 1999, p. 90).

O autor Mancuso ainda faz lembrar que comumente os recursos excepcionais são interposto à  acórdãos proferidos em apelação interposta  contra sentença (MANCUSO. 1999, p. 106) e que também  são admissíveis mesmo onde tenha havido recurso voluntario da sentença, como nos casos de reexame obrigatório (MANCUSO. 1999, p. 101)

Visto essas características, pode-se relatar que doutrinadores, como Barbosa Moreira e Rodolfo Mancuso entendem que o Recurso Especial foi uma inovação da Constituição de 1988, que transferiu funções relativas ao direito Federal que antes eram exercidas pelo Recurso Extraordinário e hoje são exercidas com exclusividade pelo Recurso Especial (MOREIRA. 2008, p. 159), assim o recurso especial seria uma variante do Recurso Extraordinário (MANCUSO. 1999, p. 92).

O Código Civil não se pronuncia quanto aos requisitos de cabimento destes recursos, pois eles estão expressos na Constituição Federal nos art. 102,III e art. 105, III (CÂMARA. 2004, p. 125):

Art. 102, III: Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: (...)

III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal

art. 105, III: Compete ao Superior Tribunal de Justiça: (...)

III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Assim, por constituírem a mesma classificação, acabam detendo características comuns, como por exemplo: exigem o prévio esgotamento das instancias ordinárias; não são destinados a correção da injustiça do julgado; apresentam sistema de admissibilidade desdobrado ou bipartido, pois possui uma fase perante o Tribunal a quo e outra perante o ad quem;  os fundamentos específicos de sua admissibilidade estão na CF e não no CPC e a execução que se faça na sua pendência é provisória (MANCUSO. 1999, p. 90)

A forma de interposição dos recursos excepcionais está expresso no art. 541 da lei 8.950, o qual dispõe:

Art. 541. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas, que conterão:

I - a exposição do fato e do direito;

II - a demonstração do cabimento do recurso interposto;

III - as razões do pedido de reforma da decisão recorrida.

Parágrafo único. Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, em que tiver sido publicada a decisão divergente, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados

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3.1 RECURSO ESPECIAL E PRESSUPOSTOS DE CABIMENTO

O Recurso Especial tem a finalidade de garantir a inteireza da lei, no sentido de assegurar a autoridade, a uniformidade com interpretação da lei federal (MANCUSO. 1999, p. 110), por meio dele é possível impugnar acórdão proferido em causa de competência originária de algum dos tribunais ou no julgamento de outro recurso, ou ainda em hipótese de reexame obrigatório em segundo grau de jurisdição. (MOREIRA. 2008, p. 159). A decisão impugnada pelo recurso especial se destina ao acórdão que extinguiu o processo sem examinar o mérito da causa, adotando quanto à disposição da lei processual, entendimento diferente do consagrado em decisão de tribunal diverso. (MOREIRA. 2008, p. 159)

Um dos motivos para que este recurso esteja inserido no conceito de excepcional, deve-se ao fato de sua cognição não ser amplo, ser limitado, restrito as lindes da matéria jurídica, por isso, ele não se presta ao reexame da matéria de fato (MANCUSO. 1999, p. 113). Desta maneira, O recurso especial tem efeito devolutivo, restrito a questão federal, não devolvendo ao STJ questões de fato, nem outras questões de direito estranhas ao âmbito constitucional (MOREIRA. 2008, p. 160). Em regra o recurso especial não é dotado de efeito suspensivo, mas pode o STJ conferir efeito a este recurso a titulo cautelar (MOREIRA. 2008, p. 160-161) ou também como segundo determina ElpídioDonizetti, se demostrada a urgência da prestação jurisdicional e a plausividade do direito alegado, é possível a concessão do efeito suspensivo excepcionalmente(DONIZETTI. 2007, p. 457).

 Vale esclarecer que o recurso especial é de competência do STJ (DONIZETTI. 2007, p. 450), possui prazo de 15 dias para a sua interposição, sendo que a parte contraria detém o mesmo prazo para a sua resposta (DONIZETTI. 2007, p. 456), aplicando-se  as regras  as dos artigos 188 e 191 (MOREIRA. 2008, p. 160)

Os requisitos de admissibilidade deste recurso são: 1- obrigatoriedade de esgotamento de todos os recursos ordinários; 2- pre-questionamento da questão que se quer ver apreciada no STJ; 3- alegação de ofensa ao direito positivo; 4- Regularidade formal; 5- obrigatoriedade de interposição conjunta de recurso extraordinário e recurso especial quando a decisão recorrida fundamenta-se em questões constitucional e infraconstitucional e qualquer delas for suficiente, por si só, para manter a decisão (DONIZETTI. 2007, p. 450); 6- necessidade de que a decisão proferida em única ou ultima instancia seja proveniente de tribunal (DONIZETTI. 2007, p. 454); 7- decisão contraria a tratado ou lei federal, o que lhes negue vigência;  8- decisão que julga valido ato de governo local contestado em face de lei federal; 8- decisão que dá a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal (DONIZETTI. 2007, p. 455). Apesar dos requisitos de admissibilidade deste recurso serem analisados só após a apresentação das contra-razões, eles devem estar presentes no momento da interposição do recurso. (DONIZETTI. 2007, p. 456)

A Súmula 123 do STJ dispõe sobre o juízo de admissibilidade do recurso especial e diz que: “a decisão que admite, ou não o recurso especial deve ser fundamentada, com o exame dos seus pressupostos gerais e constitucionais (APUD: MANCUSO. 1999, p. 126). Este é realizado pelo presidente ou vice-presidente do órgão ou do tribunal recorrido, observando-se as disposições presentes no regimento interno (DONIZETTI. 2007, p. 456), o qual possui prazo de quinze dias para proferir sua decisão, o que na verdade, trata-se de um prazo impróprio, pois, seu descumprimento não acarreta em consequências processuais (CÂMARA. 2004, p. 127).

Com o esgotamento das instancias ordinárias, aplica-se ao recurso especial no âmbito do STJ. Este recurso possui sua especialidade do fato de ser de direito estrito, assim, por meio do tribunal a quo, é dirigida a um Tribunal Superior, ficando o juízo de admissibilidade,  ‘fracionado’ entre o Tribunal que primeiro apreciou o recurso e o próprio STJ (MANCUSO. 1999, p. 92), pois o juízo ou tribunal de origem recebe o recurso, e lhe dá seguimento ou não (MANCUSO. 1999, p. 121), sendo negado o recurso, cabe agravo de instrumento ao STJ, que tem prazo de 10 dias e deve ser interposto ao mesmo tribunal que negou o recurso especial.

Donizetti explica que é possível que o relator do agravo de instrumento interposto contra a decisão denegatória do recurso especial, dê provimento ao recurso especial, uma vez que a decisão esteja em confronto com sumula ou jurisprudência dominante do STJ e também determinar a conversão do agravo em recurso especial, se o instrumento possuir elementos necessários à resolução do mérito, onde se observará o procedimento relativo ao recurso especial. E que na decisão do relator que não admitir o agravo de instrumento, negando provimento ou reformando o acordão recorrido, cabe agravo interno, no prazo de 5 dias, dirigido ao colegiado competente para conhecer o mérito do agravo ou do recurso especial  (DONIZETTI. 2007, p. 456)

4. ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL PELA FAZENDA PÚBLICA SEM PREVIA INTERPOSIÇÃO DA APELAÇÃO

Como já mencionado neste trabalho, a Fazenda Pública possui alguns prerrogativasprocessuais haja vista trabalhar na defesa dos interesses públicos. Tais prerrogativas, ainda bastantes discutidas na doutrina, trazem divergências jurisprudências também, é o caso da possibilidade de interposição de Recurso Especial, sem previa interposição de apelação.

Devido a Fazenda Pública trabalhar com interesses públicos há a obrigatoriedade do reexame necessário para algumas sentenças, entretanto faz-se relevante a análise da possibilidade da não interposição de recurso voluntario – apelação – em momento oportuno - depois da análise do reexame - a Fazenda Pública interpor Recurso Especial.

Há duas corrente divergentes quanto admissibilidade do Recurso Especial: a primeira defende a impossibilidade da interposição do recurso por haver uma preclusão lógica; já a segunda corrente defende a possibilidade da interposição do recurso haja vista não configurar preclusão lógica.

Este trabalho entende por preclusão a tarefa de fazer cessar a faculdade processual quando atingido o lapso temporal que lhe foi assinalado (Junior, 2001), nas palavras de Humberto Teodoro Junior:

Nessa ordem de idéias, a preclusão é, objetivamente, "fato impeditivo destinado a garantir o avançoprogressivo da relação processual e a obstar o seu recuo para fases anteriores do procedimento, e,do ponto de vista subjetivo, é a perda de uma faculdade ou direito processual que, por se haveresgotado ou por não ter sido exercido em tempo e momento oportunos, fica praticamente extinto" (Junior, 2001).

Interessamos neste trabalho a análise da preclusão lógica, que segundo Teodoro Junior seria a preclusão que decorre da incompatibilidade de um ato processual com outro já praticado (Junior, 2001).

Assim tendo em vista a primeira corrente, o procedimento omissivo da Fazenda Pública deixando de interpor apelação após a sentença proferida pelo juiz a quo, mas que por força do reexame necessário terá que ser analisada novamente para poder surtir efeitos, configura preclusão lógica. Prevalece ainda nessa corrente que o Reexame Necessário não tem natureza recursal sendo, portanto, mais um fator para configurar preclusão lógica.

A primeira turma do Superior Tribunal de Justiça tinha o entendimento que haveria preclusão lógica, inadmitido a possibilidade de interposição de Recurso Especial. Sobre o tema a Ministra Eliane Calmon explana no Resp 904.885/ SP:

“(...) chega a ser incoerente e até mesmo de constitucionalidade duvidosa, a permissão de que os entes públicos rediscutam os fundamentos da sentença não impugnada no momento processual oportuno, por intermédio da interposição de recurso especial contra o acórdão que a manteve em sede de reexame necessário, devendo ser prestigiada a preclusão lógica ocorrida na espécie, regra que, segundo a doutrina, tem como razão de ser o respeito ao princípio da confiança, que orienta a lealdade processual (proibição do venire contra factumproprium)... Recurso especial não conhecido em razão da existência de fato impeditivo do poder de recorrer (preclusão lógica).” (REsp 904.885/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 12/11/2008, DJe 09/12/2008).122.

Em oposição a primeira corrente, o entendimento de não haver preclusão lógica, haja vista ter a matéria que ser necessariamente devolvida ao tribunal, por força do reexame necessário, não havendo a necessidade de interposição de apelação previa. Segundo Tatiana Cabral Xavier Accioly se fosse interposto o eventual recurso de apelação tal atitude não ampliaria ou diminuiria da o âmbito de cognição do tribunal superior, podendo a interposição de apelação apenas reforçar a defesa da tese da Fazenda Pública (Accioly, 2013).

Atualmente esse é o entendimento dos tribunais superiores sobre o assunto, a não interposição de apelação não configura preclusão lógica, podendo a Fazenda Pública ainda interpor o Recurso Especial.

“PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA - REEXAME NECESSÁRIO – AUSÊNCIA DE APELAÇÃO DO ENTE PÚBLICO – PRECLUSÃO LÓGICA AFASTADA – CABIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 905.771/CE (rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 29/06/2010, acórdão pendente de publicação), afastou a tese da preclusão lógica e adotou o entendimento de que a Fazenda Pública, ainda que não tenha apresentado recurso de apelação contra a sentença que lhe foi desfavorável, pode interpor recurso especial. 2. Embargos de divergência conhecidos e providos.” (STJ. Corte Especial. ERESP 201000652941. Relatora: Min. Eliana Calmon. DJE DATA:08/11/2010)

PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. REQUISITO DE ADMISSIBILIDADE. RECURSO INTERPOSTO PELA FAZENDA PÚBLICA CONTRA ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A REEXAME NECESSÁRIO. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO LÓGICA (POR AQUIESCÊNCIA TÁCITA) CONTRA A RECORRENTE, QUE NÃO APELOU DA SENTENÇA: IMPROCEDÊNCIA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. NOCASO, ADEMAIS, ALÉM DE ERROR IN JUDICANDO , RELATIVAMENTE À MATÉRIA PRÓPRIA DO REEXAME NECESSÁRIO, O RECURSO ESPECIAL ALEGA VIOLAÇÃO DE LEI FEDERAL POR ERROR IN PROCEDENDO , OCORRIDO NO PRÓPRIO JULGAMENTO DE SEGUNDO GRAU, MATÉRIA A CUJO RESPEITO A FALTA DE ANTERIOR APELAÇÃO NÃO OPEROU, NEM PODERIA OPERAR, QUALQUER EFEITO PRECLUSIVO. PRELIMINAR DE PRECLUSÃO AFASTADA, COM RETORNO DOS AUTOS À 1ª. TURMA, PARA PROSSEGUIR NO JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL.” (STJ. Resp 905.771-CE. 1ª Turma. Relator: Min. Teori Albino Zavascki. DJE Data: 19/08/2010).

No informativo 441 do Superior Tribunal de Justiça, reafirma-se a o entendimento que ausência de apelação contra decisão proferida pelo juiz de primeiro grau, não configura preclusão lógica em relação aos recursos dirigidos as instâncias extraordinárias. Miguel Lindoso explana sobre esta corrente:

Decisão recente da Corte Especial do STJ, informativo 441, considerou que a Fazenda Pública, mesmo que não tenha apresentado recurso de apelação, pode interpor recurso especial (ou recurso extraordinário)contra acórdão que, julgando reexame necessário, manteve a sentença de primeiro grau contrária aos seus interesses. O comportamento omissivo da Fazenda, ao não apelar, não configura a preclusão lógica para um futuro recurso às instâncias extraordinárias. (REsp 905.771/CE, Corte Especial, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 29/06/2010). É também a posição acolhida pelo STF: RE 396.989/GO, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 04.10.2005, DJU 03.03.2006.

Vale resultar que a decisão que considera que não há preclusão lógica quando não houver interposição de apelação previa é o entendimento jurisprudencial atual do Superior Tribunal de Justiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o exposto no presente trabalho a Fazenda Pública possui prerrogativas processuais, haja vista trabalhar na defesa dos interesses públicos. Umas dessas prerrogativas é o reexame necessário que obriga as decisões proferidas contra a Fazenda Pública a um duplo grau de jurisdição.

Por ser obrigatório o duplo grau de jurisdição, nasceu na doutrina e na jurisprudência a discussão se a Fazenda Pública deveria ou não interpor previa apelação para só então poder interpor recurso especial contra decisão do acórdão pois haveria necessariamente o duplo grau de jurisdição com o reexame necessário

Por algum tempo houve na jurisprudência decisões que seria necessária a previa interposição de apelação para não configurar preclusão, entretanto o posicionamento atual do Superior Tribunal de Justiça é no sentido da não necessidade de apelação previa para interposição de Recurso Especial.

REFERÊNCIAS

ACCIOLY, Tatiana Cabral Xavier. Considerações sobre a possibilidade de manejo de recurso especial pela Fazenda Pública quando o processo é apreciado no tribunal apenas por força do reexame necessário. Jus Navigandi, Teresina, ano 18, n. 3491, 21 jan. 2013 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23501>. Acesso em: 20 out. 2013.

ASSIS, Arakem de. Manual dos Recursos/ Arakem de Assis. – 4. ed. rev., atual. eampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012

BUENO, Cassio Scarpinella; SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Processual Público: A Fazenda Pública em Juízo. 1° ed. São Paulo: Malheiros, 2003.   

__________. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, 5: Recursos Processuais, Incidente nos Tribunais e Sucedâneos Recursais, Técnica de controlo das decisões jurisdicionais / Cassio Scarpinella Bueno.- 3. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2011.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 8° Ed. v. II. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2004

CUNHA, Leonardo José Carneiro da.A Fazenda Publica em Juízo. 5° ed. São Paulo: Dialética, 2007

DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 7° ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2007

DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 9 ed. V. 3. Salvador: Juspodivum, 2011

JUNIOR, Humberto Theodoro. A Preclusão no Processo Civil. Revista dos Tribunais.  vol. 784. p. 11.  Fevereiro 2001.

LISONO, Miguel; LEITE, Rodrigo. Análise das Divergências jurisprudências do STF e STJ. Disponível em <http://www.editorajuspodivm.com.br/i/f/N%C3%A3o%20interposi%C3%A7%C3%A3o%20de%20apela%C3%A7%C3%A3o%20e%20preclus%C3%A3o%20para%20interposi%C3%A7%C3%A3o%20de%20Recurso%20Especial%20por%20parte%20da%20Fazenda%20P%C3%BAblica.pdf> Acesso em 20/10/2013.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 6° Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. 26° ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

 



[1] Graduanda do 6º período do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB

[2] Graduanda do 6º período do curso de Direito da unidade de Ensino Superior Dom Bisco- UNDB

[3]Professor , especialista, Orientador