RESUMO

O presente artigo analisa a autonegrofobia como consequência psicológica do colonialismo português em Moçambique. A autonegrofobia é um conjunto de comportamentos neuróticos de autoalienacao e autodepreciação que os negros manifestam perante a si próprios e no encontro com os brancos. Perante a sua ontologia e cultura, o negro moçambicano manifesta comportamentos de rejeição da sua estética (cor da pele, cabelos, etc), dos seus valores culturais, dos seus nomes e línguas maternas em favor de valores, nomes e línguas metropolitanos; e perante o branco, manifesta comportamentos de auto-inferiorização e de patronização do branco. Estas atitudes neuróticas, acreditamos que são sequelas que herdamos do colonialismo português e das suas estratégias de dominação colonial. Diante deste problema, na esteira do pensamento de Nelson Mandela, a educação é a arma mais poderosa que temos para mudar o mundo, portanto, uma educação humanista, afrocêntrica e libertadora teria um papel muito importante na descolonização mental dos negros moçambicanos e na construção da consciência negra. O artigo resulta da revisão bibliográfica, que consistiu na recolha de obras que versam sobre o assunto em questão, na sua leitura e interpretação textual acompanhadas de reflexão filosófica.

PALAVRAS-CHAVE: colonialismo, racismo, autonegrofobia, educação.

  1. Do conceito de raça à ideologia racista

1.1 Raça e racismo

O conceito de raça traz já consigo, logo que se pronuncia, marcas de racismo, pois que distingue os homens não apenas tendo em conta as características biológicas e culturais, mas sobretudo em termos de superioridade e inferioridade da humanidade de uns em relação aos outros. O que significa que logo que falamos de raça, acabamos por desaguar no conceito de racismo.

Segundo o Dicionário EletrónicoHouais[1]o conceito de raça pode ser definido como sendo a “divisão tradicional e arbitrária dos grupos humanos, determinada pelo conjunto de carácteres físicos hereditários (cor da pele, formato da cabeça, tipo de cabelo etc.)”. Dos indícios que caracterizam uma raça predomina a cor da pele, por isso que se diz “raça negra”, “raça branca”, “raça amarela”.

Para AchileMbembe (2014: 70), “raça é uma das matérias-primas com as quais fabricamos a diferença e o excedente”. Este vai mais longe, ao afirmar que o conceito de raça tem uma bagagem de perversidades, terror, sofrimento e, eventualmente, catástrofes. “Na sua dimensão fantasmagórica, é uma figura da nevrose fóbica, obsessiva e, porventura, histérica[2]”. Entretanto, segundo Mbembe (Ibidem: 25), raça não é uma realidade físico-natural nem antropológica ou genética. Para ele a raça é uma construção fantástica e ideológica para substituir as antigas formas de lutas (de classes, de sexo) e legitimar a luta de raças, isto é, a opressão de raças consideradas inferiores pelas raças que se consideram superiores.

O termo racismo nasce do próprio conceito de raça. Segundo George M. Frederickson(2014: 14) o termo “racismo”, embora tardio em relação ao próprio racismo, surge na década de 30 para designar as teorias que fundamentavam o anti-semitismo nazi. Frederickson classifica o racismo em biológico (baseado em características biológicas, por exemplo, cor da pele), cultural (negação do outro devido aos seus hábitos, costumes e valores), a xenofobia (hostilidade contra o estranho, o Outro). A xenofobia não é em si racismo mas ela pode ser uma manifestação racista ou ponto de partida do racismo.

George Frederickson (Idem) avança que o racismo fora institucionalmente inventado pela religião cristã na Idade Média, tendo primeiramente se manifestado em forma de antijudaismo. O antijudaismo transforma-se em antisemitismo: o judeu na Europa medieval não era visto como um ser humano mas sim como um animal demoníaco, pecaminoso e perigoso para a propagação da fé cristã. Foram estas as premissas que justificaram o massacre dos judeus na Europa, principalmente pelo regime nazi.

A cor negra era simbolicamente associada ao mal e à morte. Simbolicamente porque o racismo contra o negro aparece como uma interpretação negativa da cor negra que reina (~va) na cultura ocidental.Por exemplo, Fredrickson (Ibidem: 28).conta-nos que os demónios eram representados como tendo pele escura e, em contrapartida, os anjos são representados com a cor branca, símbolo de pureza e da santidade.

 Até hoje, nenhuma mulher deve se apresentar vestida de cor branca diante do papa, pelo contrário deve-se vestir de negro na medida em que acredita-se que não tem tal nobreza pura igualada à do papa, que se veste de branco, ao ponto de uma mulher se vestir de tal maneira na sua presença. Assim, a cor negra é sinal de inferioridade quanto à pureza espiritual.

1.2 A ideologia racista

A Europa, ávida de poder e ganância, inventou mitos que legitimassem o seu poderio sobre os outros povos (não-europeus), alguns dos quais afirmam o mundo ocidental como centro do mundo, “o país natal da razão, da vida universal e da verdade da Humanidade” (Mbembe, 2014: 27).Assim, o Ocidente confiou a tarefa de criar ideologias racistas aos Antropólogos, etnólogos, filósofos e teólogos (LucienFebvre, Levy Bruhl, Hegel, Tempels, etc), que vão afirmar o resto do mundo, em geral, e a África, em particular, como mundo estático, amoral, acientífico, ahistórico e semi-humano.

Foram estas as premissas que ditaram e justificaram a opressão mascarada sob a forma deevangelização libertadora em África, em particular em Moçambique. Para garantir a colonização e opressão dos moçambicanos, Portugal optou por usar, dentre várias estratégias de opressão, a educação assimilacionista, a escravatura, a geopolítica ultramarina e as missões católicas.