SÉRIE DA NETFLIX “13 REASONS WHY” – ANÁLISE

ROSIMEIRE BALOG WANCELOTTI – PSICÓLOGA

Abril/2017

“13 Reasons Why” ou “Os 13 Porquês” é uma série da Netflix (baseada em livro com o mesmo nome) com 13 episódios de aproximadamente 50 minutos cada que conta a história de Hannah, uma adolescente que se suicida, mas deixa 13 lados de fitas cassete gravados onde conta situações e cita pessoas que a machucaram e as responsabiliza por sua decisão.

Tenho ouvido e lido discussões acaloradas sobre a série, incluindo opiniões divergentes de especialistas – de críticos literários a psiquiatras - e decidi assistir atentamente e escrever a respeito. Muito tem sido dito, mas quero deixar aqui um material um pouco diferente, mais abrangente. Não pretendo dar resposta fechada à principal pergunta feita nos últimos dias - se a série instiga ou não o suicídio – mas apresento aqui uma análise passando por todos os aspectos abordados pela série, permitindo que o leitor reflita a respeito.

Se você já assistiu, conseguirá identificar tudo sobre o que vou transcorrer. Contudo, se você ainda não viu toda série e pretende ver, detalhes aqui apontados poderão antecipar o que você está por assistir.

O tema principal é o suicídio, porém, inúmeros temas paralelos ou desencadeantes são abordados na série e merecem destaque para que nossa visão e análise não fiquem estreitas.

Primeiramente, vale a pena ressaltar que a questão do suicídio corresponde a um problema de saúde pública. 667 suicídios são relatados por ano no Brasil! A maioria é de adultos, porém, entre os adolescentes o número é crescente e a preocupação com eles se justifica pela imaturidade de seu sistema cerebral – o que os torna mais inconsequentes. A Revista Veja desta semana é quem traz estes dados. Nos EUA o suicídio é a segunda principal causa de morte entre os adolescentes, perdendo somente para as provocadas por acidentes.

Assistir ou não a série? Permitir ou não que nossos filhos assistam? Ela incita ou não o suicídio?

As cenas podem consistir um gatilho para o suicídio para quem sofre de uma depressão importante ou já tem ideação suicida.  A pessoa “pode” se identificar com a protagonista e, infelizmente, fazer uma má escolha no intuito de encerrar seu sofrimento. Vale reforçar que absolutamente ninguém deseja morrer. O que o suicida deseja é parar de sofrer. Um estudo americano mencionado pela Revista Veja mostra que 9 em cada 10 adolescentes que se mataram tinham alguma doença psiquiátrica. Esta informação pode nos dar um norte, pois então, se não há doença mental prévia, menor chance (não é zero!) de suicídio. Mas nós sabemos de fato quem está vulnerável e quem não? Sabemos de verdade quem tem propensão ou não? Você conhece seu filho o suficiente para responder a esta pergunta? Os pais de Hannah não conheciam.

Os produtores da série, segundo eles contam, trabalharam muito no episódio final em que Hannah tira a própria vida, para deixar claro que nada vale a pena o suicídio. Muitos podem interpretar desta forma e então, eles terão alcançado seu objetivo. Porém, aqueles que como ela não veem saída para estancar sua dor e não enxergam onde se apegar, podem compreender a atitude da garota como a única possibilidade e, não raro, querer imitar seu ato final. Coragem? Não, desespero. No final da série existe um capítulo chamado “Tentando Entender os porquês”. Sugiro assistirem. São depoimentos de produtores da série, atores e especialistas.

Muitas situações de suicídio desde a série ter ido ao ar têm sido atribuídas a ela incluindo as recentes tentativas de suicídio de alunos do 4º ano do curso de Medicina da USP. Temos que tomar cuidado para não banalizar um ato tão grave. O que essas pessoas estavam vivenciando? Como estava seu estado psicológico? Há quanto tempo vinham sofrendo? Tiveram a quem recorrer? Qual a mensagem comum nestes casos? Enfim, muito há que ser avaliado antes de simplesmente culparmos a série. Por exemplo, a importância de conversar com os alunos e rever o currículo do curso, o estresse pelo qual os alunos e também os residentes passam, os trotes (que continuam violentos e que também existem entre os residentes, mas que são abafados). Saiba mais sobre este assunto na reportagem da Folha de São Paulo  http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2017/04/1874794-medicina-da-usp-se-mobiliza-apos-tentativas-de-suicidio.shtml

Uma outra questão sobre este último episódio: Era mesmo necessário fazer a cena em que ela se corta com tanta ênfase? Chocar dessa maneira pode causar um afastamento da pessoa que a assiste da possibilidade de cometer suicídio por provocar alguma espécie de repulsa? Acredito que se Hannah não tivesse cometido suicídio a série não estaria sendo comentada como está. Aliás, esta é a base da história. Contudo, mostrar daquela maneira é questionável. Temos nosso sadismo natural que nos impulsiona a querer ver cenas trágicas e horríveis. Basta ver os tantos vídeos, fotos e acessos na internet quando há, por exemplo, um acidente de avião. Se você não tem estômago – porque precisa ter – não veja a cena de Hannah na banheira.

Bom, exploremos melhor a série:

- Certas críticas à série enquanto arte cinematográfica são cabíveis. Algumas passagens são soam sem sentido e até ridículas, sem contar que às vezes pode ficar chato assistir, pois os episódios se esticam para renderem 13 partes. Contudo, vale a pena olharmos para o resultado final da obra.

- Sofrer calado - Cada um de nós ao assistir ou ler uma obra vai colocar nela sua subjetividade. Pessoas que já sofreram ou sofrem de depressão são as mais vulneráveis e preocupantes, contudo, para muitos adolescentes que se identificam com situações difíceis vivenciadas pelos jovens do seriado, como o bullying, é dada a oportunidade de expressão e discussão a respeito. Houve 445% de aumento de procura pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) no Brasil em 1 mês a partir do momento em que a série foi ao ar. Este dado é bastante significativo. Um dos aspectos mais fortes no seriado a meu ver – apresentado até de forma exagerada (porque era a postura de todos os jovens) para chamar nossa atenção – foi o silêncio. Fica clara a mensagem de não ser bom para ninguém viver fechado como se estivesse num labirinto, sem pedir ajuda, sem contar aos pais, a algum profissional, a alguém... É fato que os adolescentes têm maior dificuldade de descriminar seus sentimentos, o que torna mais difícil falar a respeito. Entre os adultos também há, muitas vezes, dificuldade de identificar algo que incomoda. Não é incomum um paciente trazer uma irritabilidade, um vazio, uma tristeza que não sabe de onde vem. O profissional psicólogo tem condições de ajudar. Se você se identifica com o que estou mencionando, busque ajuda! Não procurar ajuda pode ser trágico. Hannah somente se abri no último episódio – quando conta com dificuldades para o conselheiro da escola sobre ter sofrido estupro.  Neste momento sua psique já está bastante comprometida. Hannah realmente poderia ter feito mais para se ajudar. E você? Pede ajuda quando precisa? Ou fica escondido por trás de várias ideias pré-concebidas, como a de não querer incomodar ou a de não acreditar que alguém te dará ouvidos?

- Precisamos falar sobre suicídio – Não falar a respeito de suicídio é perigoso. O suicídio de alguém conhecido, com quem nos relacionamos com mais frequência, gera muitos questionamentos. Durante minha formação de Psicologia, uma colega de classe se suicidou. Apesar de ser um curso de Psicologia, em nenhum momento houve espaço para falarmos sobre o ocorrido. Lembro-me de eu ter ido conversar sozinha com uma professora. Também me lembro de eu ter levado o caso para ser discutido em minha terapia. E naquele dia minha psicóloga me comentou de eu ser a quinta pessoa que se sentava na frente dela para falar daquele assunto.

- Culpa – O suicídio de alguém suscita o sentimento de culpa em muita gente que convivia com quem morreu. É essencial que se abra espaço, e que as pessoas falem sobre os sentimentos e pensamentos despertados pelo ocorrido. Só que normalmente é conduta nossa abafar o assunto como respeito ao morto e também com medo de expor o que está se passando com cada um.

Na série, alguns professores se sentem culpados por não terem percebido que Hannah não estava bem. Até onde é comum adolescentes escreverem textos dramáticos e falarem sobre morte? Até onde os sentimentos de Hannah e de tantos alunos foram/são banalizados, como se fosse uma equação matemática, onde adolescente = dramatização? Como identificar esta linha que separa alguém que expressa sofrimento da sua real capacidade de cometer um ato suicida? É bem complicado, mas nos serve para refletir. Sei do peso que esta questão consiste para um educador, porém, devido ao seu envolvimento numa fase importante do desenvolvimento do indivíduo, é preciso estar atento, e, requer preparo adequado não só para lidar como para primeiramente identificar algo estranho no comportamento dos alunos.

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