Análise crítica

A difícil arte de ensinar e fazer história na ótica de Castelo Branco.

Este estudo procura discutir a relevância do ato de ensinar, que não é apenas transmitir conhecimentos, e sim levar o aluno a descobrir que ele já tem conhecimentos. Porque ninguém ensina a ninguém. Ensinar não é uma relação de autoridade entre o saber do professor e a ignorância do aluno. Porque o aluno não é ignorante, ele já traz de casa uma leitura do mundo, ele já tem um conhecimento e uma experiência de vida. "Aquele professor não tem didática"! Esta frase é constante entre os alunos secundaristas e também universitários quando comentam sobre a aula de algum professor que pode até ser um excelente pesquisador e que com certeza tem domínio de alguma disciplina mas que não consegue fazer uma ponte entre o que sabe e o aluno. Isto é comum e mostra realmente que para ser um bom professor não basta apenas saber, tem que saber ensinar, o que envolve outros requisitos além de um conhecimento profundo do conteúdo. Diante disto, Uyguaciara Velôso Castelo Branco argumenta o seguinte:

"Ensinar compreende não apenas a socialização do conhecimento historicamente acumulado, mas principalmente o processo de tornar o aluno partícipe da produção desse conhecimento, dando-lhe ferramentas importantes e necessárias à execução dessa tarefa. Que ferramentas seriam essas?

Certamente, instrumentalizar alguém para executar, de maneira competente, uma tarefa simples, não parece ser difícil. Mas o mesmo não pode ser dito para a produção do conhecimento. Primeiro, pressupõe que os professores sejam eles mesmos instrumentalizados. Segundo, entra em cena um instrumental que não é físico, concreto, mas fundamentalmente abstrato: são características cognitivas que tornam o aluno um pesquisador nato."( CASTELO BRANCO, 2004, p. 29)

Nesta citação referida acima, a autora argumenta que ensinar compreender não envolve apenas a socialização das práticas acumuladas que o professor possui, mas também as maneiras pelas quais ele irá dispor desses conhecimentos em sala de aula. Isso requer um determinado esforço por parte do educador, uma prática pedagógica bem construída, planejamento de suas aulas levando em consideração as necessidades do aluno e seus conhecimentos prévios. A preparação de quem deseja ensinar envolve conhecimentos teóricos, não apenas de física, mas também de teorias de aprendizagem, epistemologia, história e filosofia da ciência que contribuem claramente para desenvolver uma capacidade mais profunda e crítica. Além disso, o professor não deve fazer de sua prática educacional um ato burocrático, que apenas ensina o que está nos livros, ou no currículo por ele desenvolvido, simplesmente despejando conteúdo na cabeça dos alunos, tratando-os como baldes mentais, sem ter uma preocupação real se de fato a aprendizagem está sendo construída.

Como pode-se perceber, são muitos os requisitos que fazem a diferença entre o professor que sabe e o que sabe ensinar. Infelizmente, hoje criou-se a imagem de que qualquer um pode ensinar. Reafirmando o que disse anteriormente, a formação de um educador não requer somente as aprendizagens cognitivas sobre os diversos campos do conhecimento, que sem dúvida é importante, mas também deve haver uma preparação filosófica, científica, técnica e até afetiva para o ofício de ensinar. Conhecer a história da ciência torna o ensino de física mais rico e fascinante, apresentando-a como uma ciência viva, como construção humana; conhecer um pouco mais sobre a história dos grandes cientistas ajuda a motivar os alunos para o aprendizado, aguçando o seu interesse e a sua curiosidade, mostrando-lhes que os conhecimentos não são definitivos e que ainda há muito o que se fazer e descobrir.

Os conhecimentos epistemológicos auxiliam o professor a detectar dificuldades e obstáculos que estejam impedindo a aprendizagem do aluno. As dificuldades são diferentes de obstáculo, enquanto a primeira é técnica, a segunda por sua vez já se trata daquelas concepções que os alunos trazem, que não lhes permitem apreender o significado correto de alguma teoria física. Neste sentido, conhecer os filósofos da ciência contemporâneos pode ajudar e inspirar o professor a encontrar estratégias didáticas que auxiliem o aluno a fazer a mudança conceitual, o que não se consegue apenas com aulas expositivas no quadro-negro e simples deduções de fórmulas. E, apesar de tudo isso que tenho colocado, é importante salientar que um educador nunca estará definitivamente pronto, formado, pois a sua preparação e maturação se fará no dia-a-dia, na reflexão constante da sua prática.

É evidente que vários professores não disponham da mesma forma de ensino, e que não se exclua uma ou outra em uma instituição de ensino, porque de alguma forma cada uma tem alguma serventia à educação. Porque, quando temos que aprender, é necessário analisar as várias formas de ensino, para que exista a reflexão sobre as mesmas. Assim percebe-se que cada um, de alguma maneira, possui um lugar no sistema educacional. Por causa que a educação pode ser encarada como uma prática social que envolve uma ação que envolve os indivíduos e os grupos sociais. Para desenvolver essa idéia, Uyguaciara Velôso Castelo Branco cita Jean Piaget quando afirma:

"... Para entender melhor esse aspecto, achamos importante abrir um parênteses e discutir, brevemente, como se dá a aprendizagem pelo ser humano. Segundo Jean Piaget, para que o indivíduo aprenda é necessário uma situação-problema que provoque um conflito cognitivo, ou seja, um processo de desequilíbrio somente causado pelo contato com o novo ou com algo desconhecido. Para resolver o conflito provocado, o indivíduo passa a estabelecer hipóteses possíveis para solucioná-lo, utilizando seu repertório de conhecimentos acumulados ou adaptando-o ao inusitado. Com essa atividade cognitiva, o indivíduo amplia enormemente seus recursos de entendimento, tornando-se mais apto a enfrentar situações cada vez mais complexas."(CASTELO BRANCO, 2004, p. 29 – 30)

É nessa perspectiva que Uyguaciara Veloso Castelo Branco acredita que no ensino deve ser facilitador do processo de desenvolvimento, nem um acelerador nem um entrave. Deve-se se conhecer o processo de desenvolvimento para propor problemas que o indivíduo compreenda, resolvendo-os o indivíduo atingirá níveis gradualmente mais elevados de desenvolvimento que o habilitarão a aprendizagens mais complexas. Assim se dá a interação entre os processos de aprendizagem e desenvolvimento. Penso que, Jean Piaget é um os principais representantes da psicologia cognitiva, que ao contrário do que muitos pensam não construiu uma teoria da aprendizagem, mas uma teoria do desenvolvimento mental humano. Conforme Piaget o processo de ensino - aprendizagem é entendida como o aumento do conhecimento e apenas ocorre aprendizagem quando o esquema de assimilação passa pelo processo de acomodação. Em outras palavras, para que alguém aprenda é preciso que haja uma reconfiguração da estrutura cognitiva do indivíduo, resultando em novos esquemas de assimilação cognitiva. Para Piaget, se o meio social for rico em estimulações, se a criança provém de meio familiar que agita idéias e onde se propõem problemas, haverá um avanço no desenvolvimento. Se o meio social desconhecer esses elementos, haverá, sem dúvida, atraso no desenvolvimento.

A partir da teoria piagetiana, entendemos o processo de desenvolvimento cognitivo como uma evolução individual e social, esta se realizando conjuntamente por coordenações intraindividuais e interindividuais. Nas coordenações intraindividuais as coordenações inferenciais são realizadas entre os sistemas do sujeito ou entre um dos subsistemas e o seu sistema total de significação. Nas coordenações interindividuais, as coordenações inferenciais dependem das trocas e regulações recíprocas entre sistemas de significações de sujeitos diferentes.

De acordo com a teoria de Piaget, os progressos da inteligência representativa não se devem apenas à linguagem, mas, acima de tudo, à função semiótica como um todo, pois é ela que diferencia o pensamento da ação e conduz à representação. Pode-se vislumbrar, portanto, que a proposta está em utilizar conhecimentos de uma área de ciência em outra, descobrindo novas formar de estruturar as idéias, fazendo conexões significativas, explicando de forma diferente o conhecimento adquirido.

A autora nos mostra ainda em seu texto que Michel de Certeau, por exemplo, discorrendo sobre o que chama de "a operação histórica", prática que liga a idéia ao lugar da escrita e que tem como resultado um discurso sobre o passado, acentuava a importância da subjetividade no processo do "fazer história", isto me lembra muito bem Michel Foucault, Paul Veyne e Serge Moscovivi. Para a autora, a pretensão da objetividade da construção narrativa da história e a realidade do sujeito que escreve, que ocupa um lugar social e cultural no mundo, que é o portador de um saber e do horizonte de expectativas de sua época, instala-se um comprometimento das metanarrativas e as suas conceitualizações na ótica de Marx, Freud, Maltus e as abordagens teóricas no contexto interdisciplinar que está atrelada com a história política e a história cultural, então podemos citar como é o caso Michel Foucault, Pierre Bourdie, Jünger Habermas, Norderto Elias e entre outros, ou seja, aniquila-se a pretensão da verdade objetiva.

Destacando a historicidade da escrita da história, e que, de certa forma, poderíamos estender para a elaboração da narrativa da memória, Michel de Certeau coloca o discurso como um produto, ou seja, como um processo de transformação de uma coisa em outra. Historiadores constroem documentos, transformando restos do passado em rastros que fornecem indícios do que teria acontecido um dia. Historiadores armam enredos e desfazem intrigas, dão voz a silêncios e preenchem lacunas, atribuem significado às coisas, constroem fatos, delineiam personagens e, sobretudo, dão efetividade a um possível, construindo inteligibilidades. Ou seja, há um processo de seleção, de recorte e escolha, de opções e exclusões para a edificação de uma trama. Da narratividade a semantização, ocorrem deslizamentos metafóricos, que apontam para outros sentidos e para dimensões intertextuais, produzidas pela autora do texto, articulador da recomposição temporal.

Considerando esses desafios foucaultianos abordados no livro" A Ordem do Discurso" percebe-se a importância de uma leitura mais reflexiva e consciente do mesmo, principalmente para nós professores, que estamos, de certa forma, "autorizados a falar." Analisar as relações depoder-saberveiculadas na sociedade, nos permite começar a identificar ascaracterísticas e práticas particulares que têm efeitos perigosos, dominadores ounegativos. Ter um "novo olhar" para os mecanismos de nossas instituições educacionais, questionar a "verdade" de nossos próprios e cultivados discursos, examinar aquilo que faz com que sejamos o que somos pode nos abrir possibilidades de mudanças na nossa prática educativa.

Em suma, o importante é ser competente, é resolver questionamentos por meio de ações, é realizar com propriedade e segurança um processo que prevê as novas aquisições de informações para fazer relação entre os programas escolares, trazer os saberes de fora da escola para dentro do espaço escolar; tomar decisões cujos fundamentos são a resolução de situações problema no contexto social da formação escolar.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

 

  • CASTELO BRANCO, U. V. A difícil arte de ensinar e fazer história. In: FLORES, Élio Chaves; BEHAR, Regina. (Org.). Formação do historiador. Tradições e descobertas. 1ª ed. João Pessoa: Universitária - UFPB, 2004, v. 1, p. 29-45.