ZÉ – 3ª PARTE

                                                             O DISCURSO DE ZÉ

 

      Zé ouvia a Rádio Tirana da República Popular da Albânia em edição para o Brasil. Nessa emissora de rádio se sabia de tudo que acontecia no Brasil e que os brasileiros não sabiam.

      Ao terminar o programa, Zé saiu na porta de casa e acenou para seus companheiros que o aguardavam no largo de chão batido e protegido com areia. Começou:

      -Camaradas e amigos. O nosso objetivo é fazer um país livre dentro de um país chicoteado pela ditadura militar e seus fantoches, que eu os considero, traidores da pátria. O nosso país foi golpeado pelo imperialismo ianque e seus lacaios em primeiro de abril de 1964. Daí em diante só houve atraso e assassinatos sofrido pelo povo brasileiro. As escolas públicas estão acabando. Estão surgindo escolas particulares de ensino primário, médio e superior, o que o governo tinha obrigação de manter. De fato, temos um país dentro de outro país. Só que o nosso país é diferente do outro país. Nós temos escolas gratuitas, politização da massa trabalhadora, alimentos para todos e isso é só o inicio. Procuramos desesperadamente aperfeiçoar nossa agricultura, pois ela é a base de tudo. Os técnicos que nos tem visitado, tem nos dado uma ajuda que nunca poderemos pagar. Só podemos agradecer. Por isso, a nossa agricultura vai para frente. Temos muito que nos orgulhar da nossa defesa que tem mantido a nossa Vila Fartura livre dos assédios dos lacaios dos imperialistas. Nosso lugar é pequeno e não incomoda ninguém, mas eles querem acabar com tudo para não servir de exemplo a outros povoados e vilas. Se eles acham que  começamos  a incomodar  é porque  estamos  no caminho certo. Se estivéssemos derrotados e passando fome, eles deixariam a gente em paz e nem tomariam conhecimento de nossa existência. Só para não ter que nos ajudar.

      -Hoje somos oitocentas pessoas. O nosso objetivo é exportar as nossas idéias e nossas condições para o país inteiro. Isso significa que temos oitocentos soldados para defender nossas fronteiras. Talvez até expandi-las. A revolução que começamos com cinco homens, frutificou e até nos fortaleceu pela força de vontade e apoio  de  todos vocês. Lembro com carinho de nossa primeira batalha em defesa da Vila. Está tudo registrado na nossa História. Tínhamos apenas dez homens bem treinados e cheios de energia na linha de frente, o que foi suficiente para sufocar os terroristas do governo.

      -Hoje temos um posto de saúde e temos crianças nativas da Vila Fartura. Daqui a dois anos estaremos auto-suficientes em todos os setores. A base de todo país desenvolvido é a agricultura, saúde e educação e o amor pela sua terra, pois ela é nossa mãe. É a terra que produz os nossos alimentos. Há pouco tempo atrás, esta terra só produzia miséria. Isso porque ela estava sob o domínio dos coronéis que não tinham compromisso nenhum com o país e nem com o povo. É por isso que eles apóiam da desnacionalização do nosso país. Quanto mais miserável  e analfabeto é um povo, mais rica e poderosa é a elite que explora esse povo. Por isso, o interesse da elite dominante é acabar com a educação em nosso país. Logo surgem boas escolas particulares com bom nível de ensino. Mas isso é para quem tem dinheiro para pagar. Os pobres, os negros e os índios estão condenados a continuar na ignorância ou apenas com um curso primário falido porque não tem como seguir adiante. No ano que vem teremos já um segundo grau com um curso profissionalizante, que será ministrado por universitários que vêem à vila nos ajudar. Queremos formar profissionais de nível médio em agricultura, saúde e educação. Todos com competência para desenvolver nossa Vila. Chegará o dia em que todo o nosso país será comandado por um revolucionário. Só assim, abriremos nossas portas para o Brasil. Muito obrigado.

      Zé passou a mão no suor da testa e baixou o megafone.

 

                                                                                                          

                                        VILA FARTUR

                                     NOVAS VITÓRIAS

 

      Todos acordaram felizes naquele dia. A Vila Fartura comemorava dez anos de existência. Na praça da vila, todos trabalhavam, enfeitando tudo com bandeiras. A cor predominante era o vermelho. Zé acordara cedo naquele dia para orientar a arrumação da vila. Sua esposa, Maria, mulher de personalidade forte era quem orientava os comes e bebes da festa. A vila tinha uma destilaria de cachaça que abastecia as cidades vizinhas com a melhor bebida da região. Quem fabricava a cachaça era Jorjão e sua esposa. Os fiscais do estado ficavam loucos para fechar o alambique porque a Vila Fartura não pagava impostos ao Estado. Também o Estado não falava em fazer nada pela Vila, enquanto Zé fosse vivo. Mas, eles não ligavam para isso não. Eles conseguiam vender toda a cachaça que fabricavam, nas fronteiras da Vila Fartura. Os comerciantes da cidade iam lá buscar, na calada da noite em lombo de burros ou em carroças movidas a cavalos. Zé e seu grupo já tinham tomado mais dois latifúndios dos coronéis e expandiram em muito os seus domínios. Tinha um grupo bem armado e treinado que protegia e Vila e seus já dois mil habitantes. Todos trabalhavam incansavelmente, de sol a sol para o crescimento e sustento da Vila. A Vila já tinha mais de quatrocentas casas, todas de construção de tijolos, tudo feito com o esforço de seus habitantes. Eles já exportavam vários produtos para a cidade.

      Olavo, amigo da vila, havia sido preso e torturado. Sua mulher e seus dois filhos foram executados pela ditadura militar diante de seus olhos. Foi solto dois anos depois, mas estava louco. Andava pela rua, gritando que era nazista e, quando cansava, sentava-se na porta de uma loja e ficava mexendo com quem passava. Agora quem cuidava dos interesses da Vila, na cidade, era um homem que saiu da Rede Ferroviária Federal e montou um pequeno comercio para camuflar seu verdadeiro trabalho. Seu nome era João e acabava de chegar à vila para ajudar na arrumação da festa. Sua função era facilitar a entrada de produtos da Vila Fartura, na cidade e comprar o que precisavam.

                                                       

     

                                                                                                          

     O Exercito tinha introduzido um espião na Vila para assassinar Zé mas, foi descoberto e morto pelo serviço de inteligência da Vila.

      O sol já estava um pouco alto e fazia calor. A praça já estava cheia de gente da Vila e convidados da cidade. Quando Zé começou a fazer um balanço dos dez anos da Vila Fartura. Ao terminar, foi aplaudido e desceu da cadeira, entregando o megafone a sua esposa. Depois convidou a todos os habitantes da vila e seus visitantes para participarem de um banquete. Todos já estavam com fome e, educadamente foram se servindo. Primeiro as crianças, depois as mulheres e finalmente os homens. Haviam todas as espécies de carnes e frutas. Todos estavam muito felizes e sorriam sem parar.

      Quando os relógios marcavam dezoito horas os homens começaram a beber cachaça misturada com limão, laranja e outras frutas. Apenas o pessoal da segurança não podiam beber à noite. Eles beberam um pouco pela manhã e logo pararam para não ficarem bêbados. Quando deu vinte horas, as pessoas da segurança foram assumir seus postos e liberar os que estavam na vigilância, para participarem da festa. Meia hora depois, eles chegavam sorridentes e começaram a beber também. Cada um deles tinha direito a duas doses de cachaça com suco de frutas.

      Tinham os tocadores de sanfonas, violão, viola, pandeiro etc., sobre uma espécie de palanque de madeira e que alegravam todo o povo com músicas de forró. Todos dançaram e pularam até altas horas da noite. Lá pela madrugada começou uma chuva fina e que logo parou. A festa continuou.

      Zé chamou João para conversar sobre Olavo:

      -Sinceramente, eu não sei. Se mandarmos para um manicômio, os médicos vão matá-lo. Se deixarmos pela rua ele acaba morto pela polícia. Nós poderíamos trazê-lo para cá, para ver se ele se adapta a algum tipo de trabalho- disse João.

      -É verdade. Boa idéia. Eu vou convocar um grupo de quatro homens para resgatá-lo- disse Zé.

      -Mande os homens amanhã. Eu estarei esperando. Eu alugo o táxi de um vizinho meu. Quando os homens entrarem em contato com Olavo, eu estarei junto e o embarco no carro.

      Amanhecia e muitos dos habitantes da vila já tinham ido dormir. João tinha ido para a cidade e foi dormir também. Quando acordou já era noite. Levantou assustado, pensando que já havia dado vinte e três horas. Olhou o relógio de parede que marcava vinte e uma horas. Dormira muito. Enquanto ele acordava, sua esposa se preparava para dormir. Foi ao banheiro, tomou um banho para acordar direito e foi ler um pouco.

      Quando o relógio batia vinte e três horas, ouviu uma leve batida na porta da rua. Foi abrir, pois já sabia que eram os homens da Vila Fartura. Jorjáo sorriu para ele e apresentou os outros dois. João mandou que os homens entrassem e se sentassem enquanto iam na casa vizinha, chamar o motorista do táxi. Saiu com Jorjão. Bateu na porta e esta se abriu sem demora.

      -Está na hora- disse João.

      -Tudo bem. Já estou preparado. Vamos procurar o homem- disse o motorista, fechando a porta de sua casa.

      Os dois saíram no carro, bem devagar, até encontrarem Olavo sentado num passeio. Jorjão cumprimentou Olavo e este não respondeu. Então perguntou:

      -Está me conhecendo, camarada? Eu sou Jorjão. Zé mandou lhe buscar para passar uns dias lá na vila, que você ajudou a construir. Vamos?- disse Jorjão.

      -Só se Hitler estiver me esperando lá.- disse Olavo sem dar muita importância à proposta de Jorjão.

      -Então vamos. Eu vou lhe levar para lá- disse Jorjão, segurando o braço de Olavo para que ele levantasse.

      Olavo levantou-se e olhou nos olhos de Jorjão:

      -Você me promete que Hitler vai estar lá? Eu só vou se for para encontrar com Hitler.

      -Quem lhe disse essas coisas?- perguntou João, preocupado com o companheiro.

      -Foi um cara da PE. Eu deu um sopapo na cara dele e ele me colocou numa sala toda branca. Do teto vinha uma voz que repetia o dia inteiro: -Hitler vai lhe salvar! Venha em busca de Hitler! Até hoje eu ouço aquelas vozes. São elas que me mandam gritar que eu sou nazista. Se eu não gritar, eles dizem que vão matar toda a minha família- disse Olavo, apavorado. A ditadura tinha ferido até sua alma.

      -Isso foi lavagem cerebral- disse João.

      Os homens conseguiram colocar Olavo no carro e saíram da cidade. João foi para casa e se sentiu aliviado por não ver seu companheiro perambulando pelas ruas da cidade e sendo mal tratado pela policia local. Agora ele teria um lar e Zé o ajudaria a ter dignidade.

      Zé estava na porta de sua casa quando os homens chegaram segurando Olavo. Correu para ajudar. Em seguida levou Olavo para dentro de sua casa e chamou uma enfermeira para cuidar dele. A enfermeira levou-o para o banheiro, tirou suas roupas velhas e rotas, deu-lhe um banho e fez-lhe a barba. Quando ele saiu do banheiro, seu aspecto era bem melhor. Estava limpo, cabelos penteados e roupas novas. Zé arranjou um quarto para Olavo dormir e trancou a porta por fora, com medo que ele fugisse e se perdesse pela mata.

      Na manhã seguinte, Zé acordou bem cedo e abriu a porta do quarto de Olavo. Este ainda dormia. Zé o chamou e Olavo se levantou com muita preguiça.

      -Onde estou? Quem é você? É Hitler? Mas Hitler é branco. Uns caras me levaram para algum lugar para ver Hitler.

      -Hitler não existe. Isso é loucura daqueles miseráveis que lhe torturaram. Amanhã virá um Psicólogo que vai lhe ajudar a lembrar das coisas, ta certo?- disse Zé, preocupado.

      -Minhas vistas se acabaram. Eu já não enxergo bem. Uma vez eles me colocaram num quarto escuro por vários dias e depois me tiraram do quarto e colocaram um farol de luz muito forte e me forçaram a ficar com os olhos abertos. Fizeram isso comigo várias vezes. Só paravam quando dizia o que eles mandavam- relatou Olavo.

      -E o que eles mandavam você dizer?- perguntou Maria.

      -Hitler vai me salvar! O comunismo quer me matar. Stalin é um assassino! Aí é que eles paravam.

      -Você lembra que era casado? O nome de sua esposa é Lucia- disse Maria.

      -E porque ela não veio? Ela me abandonou, foi?

      -Amanhã o Psicólogo vai lhe dar noticias dela. Você gostaria de trabalhar em alguma coisa, aqui na vila?- perguntou Zé.

      -E se aparecer alguém da PE?- disse apavorado.

      -Não. A vila está protegida. Ninguém vai entrar aqui para mexer com você. Aqui, você está seguro. Você quer trabalhar na horta comunitária? Eu falo com o técnico agrícola e ele lhe arranja um lugar para trabalhar.

      -Primeiro eu vou no bar do italiano tomar uma cachaça.

      -Não. Você vai ter que deixar de beber. Aqui não tem bebidas. Amanhã, quando o Psicólogo chegar, você vai conversar com ele. Ele vai lhe explicar tudo o que aconteceu com você e com Lúcia- disse Zé.

      -Eu tinha filhos?

      -Ele vai lhe explicar isso também. Sossegue. Você agora está entre amigos. Vamos dar uma volta. Agora você vai escolher um lugar para trabalhar. É bom ocupar o seu tempo com algum trabalho que você goste. Vamos descobrir juntos?

      -É. Vamos. Mas a policia não vai me bater, não?

      -É claro que não. Aqui não tem policia. Eu já lhe falei que aqui, você está seguro. Não precisa se preocupar com nada. Hoje eu vou começar uma casa para você morar. Você quer?- disse Zé.

      -Eu quero morar sozinho. Eu não quero policia na minha frente. Se aparecer, eu mato. Eu quero trabalhar também. Você é como se fosse meu irmão. De você, eu não tenho medo- disse Olavo.

      -Você é meu irmão, mesmo. Hoje à noite, vamos ouvir o rádio juntos? Eu e você?- disse Zé.

      -Ouvir músicas? Nunca mais eu ouvi músicas.

      -Vamos ouvir a Rádio Tirana. Todas as noites eu ouço notícias do nosso partido. Você lembra? É você quem descobria essas coisas e mandava que eu ouvisse. Eu ouço sempre- disse Zé.

      -Mas eu não tenho rádio, não. Os moleques tomaram meu rádio e jogaram dentro do rio. Eu já andei o rio todo e não consegui encontrar meu radio. Eu acho que algum peixe comeu meu radio. Pra que peixe vai querer meu radio. Devia me devolver, não é?

      -Não se incomode, não. Nós ouviremos no meu- disse Zé, com um sorriso bondoso.

                                                     

       -Está bem. Vamos dar uma volta. Mas eu estou com vontade de tomar uma cachaça. Aqui não tem cachaça, não?

      -Só nos dias de festa. E você não pode beber, não. Você só pode trabalhar e descansar. -disse Zé.

      -Então eu vou embora para a cidade. Lá tem cachaça.

      -Mas lá, a policia lhe bate. Aqui você está seguro. Olhe que horta bonita, não é mesmo?- disse Zé, tentando desviar a atenção de Olavo para coisas úteis.

      -É ali que eu vou trabalhar? Você deixa eu trabalhar ali? A horta é linda, não é mesmo?

      -Vai ficar mais bonita quando você estiver trabalhando- disse Zé.

      Zé levou Olavo para dar uma volta na vila, e quando o sol já estava quente, levou-o de volta para sua casa. Logo procurou Jão Valente para que providenciasse construir uma casa para Olavo morar.

      -Não se preocupe. Sua casa será providenciada- disse Jão Valente, sorrindo. Em seguida abraçou Olavo e mandou que ele escolhesse o local.

                                                       *

      Passaram-se dois meses da chegada de Olavo à vila. Sua casa havia sido providenciada e Olavo passava a maior parte do tempo trabalhando na horta comunitária. Toda semana tinha consulta com o psicólogo, o que melhorou muito a sua situação. Ele até já conversava coisas normais. Zé comprara um rádio novo para que ele sintonizasse a Rádio Tirana da República Popular da Albânia. Todas as noites ele ouvia as noticias do partido.

      Jão Valente agora tinha família e cuidava bem de seus dois filhos e de sua companheira. Seu nome era Joana e ela ensinava na escola primária da vila.

      Seu Zeca e Dona Zazá continuavam a viver no sítio, que fora anexado à vila. Plantavam cana e banana e fabricavam a melhor cachaça da região. Zé sempre mandava alguém para ajudar na colheita da cana e na moenda. A cachaça ele fabricava com a ajuda de Dona Zazá.

      A venda de Pedro Grande virou depósito de grãos e ele ficou  para trabalhar na roça de mandioca e fabricava uma farinha de boa qualidade.

      Jorjão não quis se casar, pois era um dos chefes da guarda de proteção da vila. Acordava todas as manhãs às cinco horas para treinar os meninos com idade a partir de doze anos na luta de guerrilha. Quando dava sete horas ele liberava os meninos para tomar banho e ir para a escola. A escola funcionava de oito às doze e os alunos eram liberados para almoçar. Depois voltavam à escola às catorze horas e só saiam às dezessete horas. Só não tinha aula aos domingos. As férias escolares eram de trinta dias por ano.

      O jornalista ensinava no ginásio e no segundo grau da vila. Às vezes, quando apareciam outros universitários enviados pelo partido, o jornalista tinha a ajuda necessária com palestras que o pessoal  fazia.

      Havia também um curso profissionalizante de agricultura e zootecnia para os alunos que terminavam o ginásio e que valia pelo segundo grau. Esse curso era dado por um agrônomo e um veterinário de uma cidade próxima, com duração de três anos. Tinha quinze vagas por ano e era frequentado por filhos de agricultores. Quando se formavam, ganhavam um lote de terra de três hectares e assumia a responsabilidade pela produção dessa terra. Com isso, a Vila Fartura conseguia exportar para a cidade a produção excedente de diversas culturas. A casa de farinha foi uma vitória do agrônomo, que comprou com recursos próprios e doou à comunidade da vila. Ele mesmo quem projetou e construiu a primeira casa de farinha da vila, com a ajuda de seus alunos. Também ele construiu um roldão para prensar o dendê e extrair o azeite que era vendido em latas de vinte litros. Toda a exportação da Vila Fartura era responsabilidade de João, que morava na cidade e contatava os comerciantes locais e se fazia passar por atravessador. Ninguém desconfiava dele. Ele dizia que comprava o produto na roça e armazenava num depósito que ficava ao lado de sua casa. Ele vendia a maior parte para as pessoas que tinham saveiros e que levavam os produtos para a capital do Estado.

      Um dia uma comerciante propôs a João uma sociedade entre os dois. João disse que o negocio era pequeno e não comportava outro sócio. Isso despertou a ganância do outro, que passou a persegui-lo na cidade. Esse homem entrou em contato com um fiscal de renda do Estado e os dois ficaram de olho em João. João comunicou o fato a Zé e este conversou com Jorjão sobre o que poderia ser feito. Jorjão apenas disse:

      -Diga a João que pare por uma semana enquanto eu dou um jeito no alcaguete.

      Quatro dias depois, Jorjão mandou dois rapazes para a cidade. Os dois ficaram escondidos na casa de João por uma noite. Na noite seguinte, resolveram entrar em ação. Mandaram que João saísse de casa e fosse dar um passeio. Eram vinte e três horas. João saiu de sua casa e desceu a ladeira da praça principal. Em seguida atravessou a ponte e entrou numa rua estreita. João observou que estava sendo seguido por um homem. Era ele. Os dois rapazes, um com um revolver e o outro com um punhal, seguiam o homem. João chegou ao fim da rua e entrou num caminho cheio de mato que dava para o velho curtume da cidade. De repente parou e se escondeu no mato. O homem começou a procurá-lo. Parou e observou. De repente viu duas sombras se aproximando. Perguntou tremulo:

      -Quem são vocês? O que querem?

      O homem nem teve tempo de gritar. O rapaz empurrou o punhal no seu pescoço, matando-o quase instantaneamente. Um dos rapazes virou para João e disse:

      -Pode ir para casa. Só trabalhe semana que vem. São as ordens de Jorjão.

      Nesse momento, João saiu do esconderijo e passou pelos dois rapazes. Olhou para o chão e viu o corpo do homem clareado pela luz da lua. Sua expressão era horrível. Seus olhos arregalados mostravam o pavor da morte. Ele virou o rosto e foi embora. Os dois rapazes sumiram nos matos.

      Voltaram para a vila naquela mesma noite. Foram ver Jorjão e disse-lhe:

      -Missão cumprida. A ordem foi transmitida para João. Está tudo em ordem.

      -É assim que se faz. Não podemos deixar que os reacionários destruam nossa vila.

                                                      

                                                       *

       Agora Zé estava de olho em uma fazenda de trezentos hectares que ficava a oeste da vila e fazia divisa em um rio estreito. A fazenda era propriedade da Igreja Católica e estava abandonada há mais de dez anos, quando o Coronel Vivaldino tentou invadir e foi detido pelo padre que lhe ameaçou com o inferno. Então mudou de ideia e deixou pra lá. Jorjão organizava a apropriação da fazenda. Mandou alguns jovens treinados por Jão Valente para uma pequena cidade que ficava a alguns quilômetros da vila com o fim de mobilizar mais de cinquenta famílias. Eles lançaram panfletos nas ruas da cidadezinha e que despertou a curiosidade dos habitantes. Dizia:

      -A VILA FARTURA PROCURA CINQUENTA FAMILIAS DE AGRICULTORES SEM TERRAS E QUE QUEIRAM MORAR NA VILA E VIVER DA AGRICULTURA COMUNITÁRIA.

      Não demorou muito. No dia seguinte apareceram oitenta famílias que trabalhavam nas fazendas das imediações, dispostas a morar e trabalhar na Vila Fartura. Jorjão foi ao encontro dessas famílias e selecionou cinqüenta delas. Ao cair da noite, Jorjão e seus companheiros conduziram essas famílias até a vila. Quando chegaram lá, foi providenciado alimentos e um lugar para todos dormirem.

      No dia seguinte, Jorjão chamou os pais dessas famílias para uma reunião. Começou a falar:

      -Olha minha gente. O nosso objetivo é invadir a fazenda que fica a oeste daqui da vila e que se encontra abandonada há mais de dez anos. Essa fazenda pertence à Igreja Católica que por sinal é a maior latifundiária do planeta. Hoje à noite, vamos sair daqui, todos juntos e vamos dividir essa fazenda ente vocês. Amanhã, quando a noticia da invasão se espalhar, todas as casas já estarão de pé. Vocês terão apoio de nosso grupo armado, que atualmente conta com trezentos homens. Um homem falou:

      -Mas invadir a fazenda da igreja, não é pecado?

      -Não. Pecado, quem está cometendo é o padre que quer manter uma fazenda improdutiva. A terra existe para que o homem tire o seu sustento e não para escravizá-lo.

      -E vamos hoje à noite?- perguntou um homem.

                                                     

      -Sim. Desde ontem que temos homens por lá, aplanando algumas áreas que serão construídas as casas. Quando vocês chegarem lá, é só  começarem a construção. Faremos as casas de taipa e depois faremos as casas de tijolos.- disse Zé.

      -E onde vamos achar tijolos?- perguntou outro.

      -Nós temos uma olaria por aqui. Nós fabricamos mais de quinhentos tijolos por dia e vamos dobrar a produção. Temos muitos tijolos prontos para serem usados, mas por enquanto trata-se de uma emergência. Vamos construir as casas de taipa até as coisas se acalmarem. Quando a Igreja se conformar que já perdeu a fazenda, nós começaremos as casas de tijolos.

                                                        *

      Quando deu vinte horas os homens voltaram. Falaram com Zé que as áreas já estavam prontas. Então Zé mandou que os homens fossem até lá e começassem a construção das casas. Os homens foram, protegidos por cinquenta homens armados e que ficariam por lá até as coisas se acalmarem.

      Foi um escândalo dos diabos. O padre chamou a policia mas a policia disse que não ia se meter com Zé, de jeito nenhum.

      -Se vocês não me ajudam, vou chamar o Exercito na capital do estado- disse o padre ao prefeito e pedindo novamente a sua ajuda.

      -Padre. Não vale a pena se arriscar por causa daquelas terras. Lembra que o Coronel Vivaldino queria aquelas terras? O padre da época não quis abrir mão delas, não foi? Se abrisse mão o Coronel seria muito mais poderoso e talvez Zé não invadisse nenhuma das duas fazendas. Agora as terras são de Zé e seu bando de comunistas desordeiros. Quem é que vai lá para dizer pra Zé sair? Eu mesmo não vou e nem vou mandar ninguém da policia. Todos que vão lá, desaparecem!- disse o prefeito.

      -É...-disse o padre, coçando a cabeça careca. O pior é que o Bispo não vai se conformar com isso. Como eu vou explicar isso pra ele?

      -Se ele não se conformar, manda ele mesmo chamar a policia para invadir a Vila Fartura. Ele não é corajoso?- disse o prefeito sorrindo.

      -Ele nem sabe quem é Zé. Se soubesse, me daria razão. Eu vou viajar amanhã e comunicar o fato a ele. Talvez ele deixe  até pra  lá. A Diocese tem tanta terra!- disse o padre para se conformar.

      -Também, aquelas terras estavam abandonadas. Era só mato que tinha por lá. E agora, aquele matagal deve estar infestado de guerrilheiros do grupo de Zé- disse o prefeito.

      -Guerrilheiros não. Bandoleiros! Assassinos! Pecadores! Como é que pode... Invadir as terras da Santa Igreja de Deus! Será que o inferno não está mais metendo medo a esse povo?- disse o padre.

      -Eu acho que Zé já chegou na porta do inferno mais de uma vez e foi recusado pelo Diabo- disse o prefeito sorrindo. Em seguida, bateu nas costas do padre e disse:

      -Deixa isso pra lá, Vigário. Não se mata com esse povo, não.

      O padre deu razão ao prefeito e foi para a casa paroquial se preparar para a viagem no dia seguinte.

      O padre viajou bem cedo. Pegou o trem de seis horas. A viagem duraria uma eternidade pois o trem era muito lento e viajava pesado com os produtos do recôncavo para o interior.

      Já era tarde quando o padre chegou à Diocese. Procurou logo o Bispo para colocá-lo a par das novidades. O bispo disse que o padre estava certo, que não devia permitir que Zé e seus bandidos invadissem as terras da Santa |Igreja Católica, que terra significa poder e outras coisas mais. Depois o bispo lhe disse que ele deveria voltar e pedir ajuda da policia local ou ao exercito, para que Zé parasse com as invasões e restituísse as terras da igreja. Só assim Roma ficaria satisfeito com ele. Caso o padre não conseguisse nada, seria punido e transferido para algum lugar longínquo do sertão. Segundo o bispo, padre incompetente e improdutivo tem que ir para bem longe da Diocese.

      O padre voltou de sua viagem, dois dias depois, muito cansado e preocupado. Sabia que não contaria com a ajuda do prefeito e nem da policia local. O padre chegou a pedir ao bispo a ajuda da policia secreta da igreja, mas o bispo negou, dizendo que essa policia só poderia agir em Roma ou então nas dioceses. O padre saiu sem entender nada, ao chegar à cidade foi direto à central telefônica e ligou para o general do exercito. Tinha amizade com o general e esperava a ajuda dele. O general disse que o ajudaria mas iria precisar da autorização do embaixador americano na capital. Ficou de dar a resposta no dia seguinte.

                                                       *                                                  

      Dois dias depois apareceu na cidade um pelotão do exercito com duzentos homens, todos bem armados. João tratou logo de avisar Zé. Se não fosse isso, o exercito pegaria a vila de surpresa. Zé, Jão Valente e Jorjão correram para reunir o seu exercito. Formariam pequenos grupos e lutariam a um quilometro da vila. Defenderia a vila por todos os lados.

      -Quem chamou os macacos do exercito?- perguntou Jão Valente a João.

      -Eu soube que foi o padre. Ele viajou e levou uns dois dias fora.- disse João.

      -Depois eu vou acertar aquele dedo duro- disse Jorjão já nervoso.

      -Vamos cuidar de defender a vila. Se acertarmos o padre, vamos ganhar a antipatia do povo da cidade- disse Zé, calmamente.

      Era clima de guerra na vila. Todas as mulheres e crianças foram para as florestas que haviam nos morros e se esconderam por lá. O exército da vila foi dividido em três partes de cem homens cada. Cada parte ia para um lado diferente. Eles sabiam que o exercito so atacaria por três lados. Pela frente, o que era pouco provável pois as pontes foram todas destruídas. Pelo sul, vindo pela fazenda que foi do Coronel Vivaldino ou pelo lado oeste que tinha um caminho muito estreito que ligava a vila à cidade. Jorjão resolveu reforçar mais a parte da frente da vila, pois, provavelmente o ataque seria por ali apesar das pontes destruídas no passado. Era a estrada mais larga e era calçada com pedras. O exercito de Zé usaria táticas de guerrilha, incluindo as emboscadas. Jorjão também deixou cem homens fortemente armados em volta da vila para o caso dos soldados do exercito conseguirem passar pelos homens do exercito de Zé. Fariam uma espécie de cerco à vila, semelhante ao cerco de Stalingrado.

      Em uma hora todos os homens já estavam preparados para a guerra. João voltara à cidade e com ele, Jorge, um rapaz da vila que serviria para transitar informações da cidade para a vila. João espionaria a cidade e o rapaz traria as informações.

                                                     

      No dia seguinte Jorge voltava à vila e dava as noticias. O exercito atacaria a vila pelo lado sul. João obtivera as informações num bar da cidade. O delegado, o prefeito e o comandante estavam bebendo num bar  da  zona do  meretrício.  O  bêbado  do prefeito  deixou  escapar a informação que foi dita em voz baixa. João estava na mesa vizinha e ouviu tudo.

      João havia perdido o dia todo, seguindo ou observando, ora o delegado, ora o prefeito. De repente o prefeito saiu com o delegado e o comandante e desceram a rua ao lado da prefeitura e João os seguiu. Ele sabia onde o prefeito ia parar e se adiantou, entrando no bar. Pediu um cerveja e ocupou uma mesa mais ao fundo. Logo os três chegaram e ocuparam uma mesa mais à frente. Depois de duas horas de bebedeira, o prefeito disse:

      -É melhor atacar pela fazenda que foi do Coronel Vivaldino porque o acesso não tem pontes.

      -Eu preciso de alguém que conheça a região. Eu soube que Zé é um bandido muito perigoso. Se nós formos sem conhecer a região, estamos mortos- disse o comandante.

      João pagou a cerveja e saiu. Chegando em casa falou com Jorge para ir para a vila com a informação. Jorge entrou na região da vila por uma fazenda de cana. Depois de muito andar, atravessou um rio e pegou um caminho que só os contrabandistas de cachaças e o pessoal da vila conheciam. Uma hora depois chegou à vila com a notícia. Jorjão logo destacou duzentos homens para a parte sul da vila e cem homens para a estrada principal, para o caso do exercito mudar seus planos.

      Anoitecia. Zé sabia que eles não atacariam à noite, pois não conheciam a região. João ficou acordado toda a noite, observando os movimentos dos militares, que ficaram na sede do Tiro de Guerra. O prefeito da cidade vizinha que ficava a sudoeste dali, entrou muito nervoso no Tiro de Guerra. Ele fora convocado pelo comandante para dar informações sobre a região. Junto a ele estavam dois trabalhadores de sua fazenda. Sua fazenda ficava ao sul da Vila Fartura e ele temia que fosse invadida por Zé. O comandante queria se instalar em sua fazenda para atacar a Vila Fartura. Logo ele cedeu a fazenda e a casa grande para os homens do exercito se instalarem. João que conhecia o prefeito da cidade vizinha, tratou logo de ir à Vila Fartura avisar a Zé. Os planos de Zé logo mudaram. Eles se antecipariam e invadiriam a fazenda do prefeito em plena madrugada. Começariam a guerra por lá. Iriam naquela mesma madrugada.

      Fariam um ataque silencioso e surpreenderiam os homens do exercito quando eles chegassem.

      Zé montou a cavalo e foi para a linha de frente, onde estavam seus homens de prontidão. Chegando lá, conversou com Jorjão. Logo Jorjão mandou cinquenta homens invadirem a fazenda do prefeito. Os cento e cinquenta restantes, entrariam em ação quando começassem o tiroteio. Quando tudo acabasse, o prefeito da cidade vizinha perderia a fazenda e talvez até a vida.

      Eram três horas da manhã quando os homens da Vila Fartura chegaram à fazenda do prefeito. Logo encontraram um lugar perfeito para uma emboscada. Seria na entrada da fazenda, mas os cinquenta homens não seriam suficientes. Jorjão dividiu seu grupo em dois. Ficaram cem homens, todos armados nos morros que beiravam a entrada da fazenda e que dava acesso à casa grande. Dali poderiam massacrar mais da metade dos homens do Exercito. Se alguém conseguisse passar, seriam abatidos dentro da fazenda, pelo pessoal que estavam na retaguarda.

      Quando deu seis horas da manhã, Jorjão avistou do alto do morro uma grande fileira de caminhões do Exercito, que vinham em direção à fazenda do prefeito. Logo deu ordem para que seus homens se preparassem com granadas, dinamites e coquetéis Molotov. Todos estavam bem armados. Tinham metralhadoras, fuzis, granadas, etc. Os caminhões já vinham bem perto quando a primeira carga de dinamite era lançada para baixo. A carga explodiu depois que o primeiro caminhão passou, explodindo embaixo do segundo caminhão, que com o impacto da explosão, virou, bloqueando o caminho dos outros caminhões. Agora, a situação estava como Jorjão queria. O Exercito estava encurralado. Um homem do grupo de Zé, desceu a encosta e ganhou a estrada, com uma grande carga de dinamite na mão.  Lançou a carga na carroceria do ultimo caminhão. Um  militar  que estava   na carroceria do caminhão, deu um tiro de fuzil atingindo-o no peito ao mesmo tempo em que a dinamite explodia, arrancando a carroceria do caminhão e matando uns quinze soldados de uma só vez.

      Agora o Exercito não podia mais voltar atrás. Os homens saltaram dos caminhões e se protegeram dos lados das carrocerias e começaram a atirar para cima, a esmo. De repente, caía na cabeça  dos militares, uma chuva de coquetéis e granadas num ataque muito violento. O caminhão que estava na frente da frota acelerou e conseguiu chegar à frente da casa grande. Os soldados saltaram e se protegeram atrás do caminhão. Começaram a atirar para o morro. De repente, algunsd homens que ficaram na retaguarda, surgiram de trás da casa grande e lançaram duas granadas e coquetéis no caminhão. Primeiro explodiram as granadas e logo após os militares gritavam com seus corpos ardendo em chamas. Na casa grande, um grande sobrado do século XIX, apareceram fissuras nas paredes e toda a estrutura ficou abalada. Logo os homens lançaram outra grande carga pela janela do fundo e correram para a mata. De repente tudo explodiu e o grande e majestoso sobrado vinha abaixo, levantando uma grande nuvem de poeira.

      Todos os militarem morreram queimados ou baleados. Logo o grupo da retaguarda se apresentou com mais de cinquenta burros e cavalos, todos com panacuns, e pegaram a carga preciosa para a defesa da vila. Dessa vez, o que mais se aproveitou foram as balas de fuzil em grandes quantidades. Também pegaram fuzis, granadas, metralhadoras, etc.

      Agora, todo o grupo de Zé voltava para a vila com quatro mortos e alguns feridos. Jorjão destacou três dos seus melhores homens para cometer um atentado contra o prefeito da cidade vizinha. Seria na próxima noite.

                                                       *

      Os três homens chegaram à cidade. Lá se separaram e marcaram encontro na casa de João. Antonio, filho de Pedro Grande é quem comandava a missão e foi quem chegou primeiro. Eram vinte e três horas. Meia hora depois chegavam os outros dois. Entraram e logo se reuniram com João. João passou a explicar o plano:

                                                     

      -Temos que pensar num plano de fuga para vocês.

      -Jorjão me disse que mandou levar três cavalos selados para nossa fuga. O camarada já deve estar na saída da cidade com os cavalos. Eu preciso saber onde é a casa do prefeito- disse Antônio.

      -É o seguinte. Vou para lá agora. É meia noite. Quando der uma hora, vocês saem daqui e vão para lá. Quando vocês chegarem lá, eu mostro  a  casa e  venho  embora.  Uma  hora  depois que eu sair de  vocês entram em ação, certo?- disse João se levantando e andando para a saída da casa.

      Quando João chegou à cidade vizinha, olhou seu relógio de bolso. Era uma hora da manhã. Um bar estava aberto e ele entrou para tomar uma cerveja. O dono do bar disse que a cerveja estava quente, então ele pediu uma caipirinha.

      -Essa é da boa. É da Vila Fartura. E o senhor, de onde é?- perguntou o dono do bar.

      -Eu sou daqui mesmo da região. É que eu estava morando na capital mas resolvi vir para cá, comprar um pedaço de terra, construir uma casa e trazer minha família para morar aqui. Sabe quem tem um pedaço de terra para vender?- perguntou João.

      -Quantas tarefas o senhor quer?- interveio outro homem.

      -Até cem... se o preço for bom...

      -seu Nozinho quer vender o sitio dele. Ele mora ali, vizinho da casa do prefeito.- disse o homem.

      -Então me mostre onde é a casa e amanhã eu passo lá para ele me mostrar a terra.- disse João.

      -Vem cá na porta. Ta vendo a igreja? É aquela casa azul em frente à igreja. A outra, com um andar em cima, é do prefeito- disse o homem tomando um gole de cachaça.

      -A cerveja já está fria. Quer uma?- perguntou o dono do bar.

      -Não. Se eu misturar bebidas, fico com dor de cabeça. Eu vou para casa dormir.

      -Onde o senhor vai dormir?- perguntou o homem.

      -Eu tenho um deposito de mercadorias na cidade vizinha e daqui pra lá é um pulo. Eu vou rápido.- disse João.

      -Uma hora dessas? São cinco quilômetros!- disse o homem do bar

                                                     

      -Eu faço em menos de uma hora.- disse João sorrindo e saindo do bar em direção à estrada.

      -Depois de andar uns vinte minutos, João encontrava Antonio e os dois homens. João falou com eles:

      -A casa do homem é fácil de achar. Fica em frente à igreja, tem um andar em cima e a casa é nova. É a melhor casa da rua.

      -Tudo bem. Estamos indo- disse Antônio.

       Quando deu duas horas da manhã, os três homens entravam na pequena cidade. Toda a cidade dormia. Eles seguiram em direção ao centro e logo encontraram a igreja. Em frente à igreja, uma casa nova com um andar. Na parede da frente, uma propaganda do prefeito. Mais embaixo estava escrito: COM O APOIO DO GOVERNADOR BIÔNICO. O prefeito mandara colocar a propaganda dessa forma sem saber o que significava.

      Antônio se colocou em frente à porta e colocou um homem de cada lado. Deu três batidas na porta e logo veio a resposta:

      -Quem está aí?

      -É o Delegado. Viemos lhe proteger. Sua vida corre perigo- disse Antônio.

      A porta se abriu e o prefeito apenas colocou o rosto de fora. Antônio lhe apontou um revolver e ordenou que o prefeito abrisse a porta. Este obedeceu e os três homens entraram quase à força. Um dos homens bateu com a coronha do revolver na nuca do prefeito e este caiu no chão. Sua mulher apareceu na porta do quarto e, antes que pudesse gritar um dos homens a atacou com uma facada no coração. Logo cortaram a garganta do prefeito e este morria com os olhos arregalados. Depois Antônio foi até o outro quarto e viu uma criança dormindo. Deu meia volta e ordenou aos homens:

      -Chega. Vamos embora.

      Os homens desapareceram como fumaça no meio da noite.

                                                       *

      Quando chegaram à Vila Fartura, já amanhecia. Procuraram por Jorjão:

      -Missão cumprida- disse Antônio, orgulhoso.

      No dia seguinte, na capital do Estado, um General do  Exército  ia

                                                     

pedir autorização ao embaixador americano, para bombardear seu próprio povo. Seria o fim da Vila Fartura?

 

Nazaré, 26 de agosto de 2001

 

GILBERTO NOGUEIRA DE OLIVEIRA

Obs: qualquer semelhança com pessoas, fatos ou lugares, terá sido mera coincidência, pois trata-se de uma obra de ficção.