Tarde demais para esquecer

Ao entrar no apartamento de um pequeno edifício no centro de Paris, vê-se uma grande sala de jantar, separada do living por duas poltronas. As paredes são pintadas de branco. Uma cortina azul na pequena janela que dá para a rua. Num canto, uma cristaleira vazia. Uma mesa redonda com seis cadeiras é enfeitada por uma toalha bordada. Nela estão colocados uma xícara de porcelana com um pires e mais três pratos de tamanhos diversos. Todos pintados à mão. Não existem enfeites. Apenas um vaso de plantas no canto da sala. O que dá um ar de maior requinte é um lustre de cristal, com pingentes e uma lâmpada recamada de flores, que ilumina o recinto.

Elisa em uma cadeira de rodas entra na sala. Estava na hora do chá da tarde. Quando ela observa a xícara com os pratinhos na mesa, sente uma angústia, que quase a sufoca. Não quer lembrar de tudo o que ocorreu há dois dias atrás. Sente, no entanto, que é impossível esquecer. Os acontecimentos descortinam em sua mente. Aquelas peças de porcelana faziam parte de um aparelho de chá, que ganhara de sua mãe, pouco antes da mesma falecer. Associa com o que aconteceu naquela noite, após ter vindo de um concerto no teatro L’O Opera. Roberto, o seu grande amor, a seguira, descobrindo onde morava e batera a sua porta, que foi atendida por uma serviçal. Ao entrar tira seu chapéu e um casacão que o agasalhava. Ao vê-la sentada numa das poltronas, não consegue conter a sua raiva. Começa a gritar, acusando-a:

── Elisa, fizeste com que eu acreditasse na tua paixão por mim, mas era tudo falso. Lembras, o que combinamos há dois anos atrás, quando vivemos o nosso romance em Londres? Que no ano seguinte, nos encontraríamos na torre Eiffel, para consolidarmos nosso amor, após o meu divórcio. Tu garantiste que lá estaria e me juraste amor eterno. Mas não foste.

── É verdade, Roberto, não fui. Não queria mais nada contigo. Tivemos apenas uma aventura. ── responde Elisa. Foi passageiro.

Roberto revoltado avança em direção à cristaleira. Num acesso de fúria começa a quebrar o que nela encontra. Enquanto Elisa, lívida assiste a tudo, em silêncio. A seguir, coloca o chapéu e o casaco e sai batendo a porta com força, sem olhar para trás.

Elisa permite que seu sofrimento se manifeste. Chora sem conseguir parar. Olha novamente para a xícara e os pratinhos. Foram ou únicos que sobraram de todo o aparelho de chá. O pensamento corre para aquele dia que fora combinado o encontro com Roberto. Na pressa de chegar, para ver o amor de sua vida, atravessou a rua correndo e foi atropelada por um ônibus. Ficara mais de dois meses no hospital, entre a vida e a morte. Sobreviveu, mas com seqüelas graves: paralisia nas pernas. Viveria numa cadeira de rodas, precisando de um acompanhante. Ainda bem que sua família lhe deixará uma razoável herança que lhe permitia viver em Paris e ter além da serviçal, um motorista. A tristeza é a máscara de sua face. Desiste de tomar o chá. Pede para a empregada, que a tire da cadeira de rodas e a ajude a sentar numa poltrona. Quer ficar repousando e ouvindo a música do filme: “Tarde demais para esquecer”. Só assim sente-se mais confortada. Pede que a cadeira fique ao seu lado, porque tentaria mais tarde levantar sozinha.

A campainha toca. Surpresa, Elisa vê novamente Roberto entrando. Com o olhar no vazio ele falou.

 ── Voltei, porque não senti segurança em tuas palavras. Precisamos conversar melhor.

Neste momento, Roberto vê a cadeira de rodas. Olha para Elisa e novamente para a cadeira ao seu lado. Sem nada dizer vai até a mesa, onde ainda se encontrava a xícara de chá. Pega-a pela alça. Volta junto à Elisa. Sussurra ao seu ouvido.:

── A xícara nunca mais ficará vazia. Nosso amor será suficiente para mantê-la cheia pelo resto de nossas vidas.