VOTO

Recurso Extraordinário de Repercussão Geral Nº 845779

Por: Wesley Macêdo Cardoso;

Damião Daniel Rodrigues de Azevedo;

Kássio Sousa Silva.

EMENTA: TRANSEXUAL IMPEDIDA DE UTILIZARBANHEIRO FEMININO EM SHOPPING CENTER. ALEGADA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A DIREITOS DA PERSONALIDADE.

O referente recurso trata-se de uma ação indenizatória impetrada por André dos Santos Fialho contra o Shopping Center Beira-mar localizado em Florianópolis Santa Catarina. Em seu relato, a requerente afirma que foi vítima de descriminação ao tentar utilizar o banheiro feminino do local. E ao entrar, foi abordada por uma funcionária do estabelecimento que de forma nada sutil forçou-a a se dirigir ao banheiro masculino, alegando que sua presença geraria constrangimento às usuárias do local. Com isso, impedida de utilizar o banheiro e ficando demasiadamente nervosa, fez suas necessidades fisiológicas nas vestimentas diante do olhar de todos os indivíduos que ali transitavam. Destacou ainda, que por fim, após o ocorrido, ainda teve que utilizar de transporte coletivo para voltar para sua casa. Requerendo assim uma indenização por danos morais e com isso, tentar coibir a discriminação por razões sexuais.

Sabemos que em nossa carta maior há inúmeras garantias e direitos para todos. Onde se acredita que o papel do Estado e de uma sociedade democrática de Direito como a que estamos anexados, seria de assegurar a máxima igualdade possível. Podemos citar como alguns dos artigos base sobre a problemática do presente caso,incluídos em nossa constituição federal,o artigo 3°, IV que versa sobre um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil e diz que“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” O artigo 5° caput que diz “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.” E artigo 5°, XLI que diz“a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.” Além disso, no Código Civil também encontramos sustentações a favor da requerente. Onde há um capítulo exclusivo para os direitos da personalidade, e em seu artigo 12 diz que “Pode exigir-se que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.” Portanto, é necessário a observância desses dispositivos e demais outros,como assim o fiz para obtermos uma colocação razoável diante da problemática. Onde acrescento:

Arrola o legislador constituinte vários direitos da personalidade, que denomina fundamentais, tais como a liberdade, a honra e outros, deixando claro, evidentemente, que a lista não é exaustiva. Adota, pois, claramente, a tese pluralista dos direitos da personalidade. Já o Código Civil de 2002, na mesma esteira, dedica, timidamente, aos direitos da personalidade o Capítulo II do Título I do Livro I da Parte Geral, arts. 11 a 21. (Aline Dias Da França, 2010.)

É importante frisar que não há conflitos entre princípios em questão. E sim,uma violação de diversos princípios e direitos que estão elencados em nosso ordenamento jurídico. Podemos citar o principio da dignidade humana, ea violação dos direitos a personalidade, integridade moral e intimidade.

No tocante a transexualidade é sabido que os mesmos são indivíduos que cuja identidade difere daquela designada no nascimento e que geralmente, procura fazer a transição para o gênero oposto através de intervenção cirúrgica. Que já é um dos direitosconquistados pelos mesmos.Onde o Conselho Federal de Medicina do Brasil através da Resolução nº 1.482 de 6 de novembro de 2002 21, legalizou a cirurgia de transgenitalismo no país e requereu ao Judiciário a rever sua posição sobre o tema, que até então era de negar a alteração do sexo como também do nome.Destaca-se uma decisão do Desembargador Nascimento Povoas Vaz do TJRJ que determinou a retificação do nome e sexo, consignando que a manutenção do mesmo número de CPF protegerá terceiros. Neste sentido:

REGISTRO CIVIL. Transexual que se submeteu a cirurgia de mudança de sexo, postulando retificação de seu assentamento de nascimento (prenome e sexo). Adequação do registro à aparência do registrando que se impõe. Correção que evitará repetição dos inúmeros constrangimentos suportados pelo recorrente, além de contribuir para superar a perplexidade do meio social causado pelo registro atual. Precedentes do TJ/RJ. Inexistência de insegurança jurídica, pois o apelante manterá o mesmo número do CPF. Recurso provido para determinar a alteração do prenome do autor, bem com a retificação para o sexo feminino. (TJ/SP AC 2005.001.17926, 18ª. C.C, Des. Nascimento Povoas Vaz, Julg. 22/11/05)

Manifestou-se sobre o caso com esplêndidas sustentações orais no presente recurso o Ministério Publico Federal, na pessoa do Procurador Geral da República Rodrigo Janot,que sustenta em sua tese:

Não é possível que uma pessoa seja tratada socialmente como se pertencesse a sexo diverso do qual se identifica e se apresenta publicamente, pois a identidade sexual encontra proteção nos direitos da personalidade e na dignidade da pessoa humana, previstos na Constituição Federal.

Podemos explanar também, a posição de um amicuscuriaea favor da requerente, denominado Centro Latino-americano em Sexualidade e Direitos Humanos(CLAM). Onde refere-se:

O argumento central deste amicuscuriae é que este tratamento é incompatível com a Constituição de 1988. Isso porque a Carta Magna erige-se sobre o pilar da dignidade da pessoa humana, a qual assegura o livre desenvolvimento da personalidade dos indivíduos, que tem como um de seus pilares sua expressão de gênero (art. 1°, III). Sem dúvida, o reconhecimento do gênero de um indivíduo compõe o âmago de sua identidade e a negativa desse exercício gera danos psíquicos irreparáveis, violando frontalmente sua dignidade.

Destaca-se ainda a posição brilhante do Ministro Roberto Barroso, relator do caso que apesar de não ter se posicionado com seu voto, já se colocou a favor da requerente e cita como alguns dos seus argumentos, outro caso do gênero ocorrido em nosso país e fazendo um aparato amplo e analogia do presente recurso com casos já decididos no Supremo Tribunal Federal (STF).

O caso em questão não é isolado: para citar apenas um exemplo recente, episódio semelhante ocorreu em Brasília no dia 16.09.2014, o que foi amplamente noticiado (http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/09/transexuais-saoexpulsas-de-banheiro-feminino-de-shopping-do-df.html). Assim, a decisão a ser proferida pelo Supremo Tribunal Federal poderá definir o padrão de conduta adequado em casos da espécie, orientando não só as partes diretamente envolvidas, como as demais instâncias do Judiciário. A decisão a ser tomada, assim, ultrapassa os interesses subjetivos da causa. Por fim, e em reforço ao que se vem de expor, esta Corte reconheceu recentemente o caráter constitucional e a repercussão geral em hipótese também envolvendo direitos de transexuais, destacando-se a importância de esta Corte definir “o conteúdo jurídico do direito à autodeterminação sexual”.

A doutrina brasileira, notadamente na pessoa de Maria Helena Diniz, argumenta sobre os direitos da personalidade, direito este violado no caso em questão. Segundo a mesma:

os direitos da personalidade são direitos subjetivos da pessoa de proteger o que lhe é próprio, melhor dizendo, a sua integridade física, como a vida, alimentos, etc.; a sua integridade intelectual - liberdade de pensamento, autoria científica, etc.; e a sua integridade moral, a exemplo da honra (DINIZ, Maria Helena, 2011).

Em suma, a efetivação dos direitos dessa pequena parcela que tanto sofre pela marginalização e intolerância da sociedade, seria a garantia por parte do estado de uma política de conscientização bem mais efetiva em nossa sociedade.  Pois mesmo após a promulgação da Constituição Federal Brasileira que consagrou os valores da igualdade e da dignidade humana, essa minoria ainda permanece relegada à margem da sociedade. Há uma impressionante dificuldade em aceitar as diferenças, e isso se expressa de modo particularmente árduo no campo da sexualidade e comprovado por diversas pesquisas, entre as quais destaca-se:

Com mais de 600 assassinatos entre 2008 e 2014, o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, segundo pesquisa da organização não governamental (ONG) TransgenderEurope (TGEU), rede europeia de organizações que apoiam os direitos da população transgênero. Elas, que em muitas das vezes se reconhecem como mulheres desde a infância, enfrentam dificuldades na família, na escola e no mercado de trabalho para assumir a identidade feminina, que vão desde a violência até o não reconhecimento dos seus direitos de cidadãs. (Rede Brasil Atual, 2016).

Diante do exposto, énotório que o uso dos banheiros públicos para os transexuais torna-se de fato uma questão extremamente delicada, onde a discursão sobre a temática do presente recurso é de suma importância em nossa sociedade contemporânea, ao passo que a identidade de gênero ainda é uma grande problemática que assola uma minoria que busca incessantemente a seguridade de seus direitos fundamentais inseridos em nossa Constituição Federal de 1988. Portanto, com base na violação dos vários direitos já supracitados, me posiciono dando provimento ao presente recurso, devendo prevalecer o direito á dignidade da pessoa humana, igualdade e personalidade do grupo social em destaque.

É assim que voto.