Vivendo

Eu o conheço há tanto tempo, que nem sei precisar quanto tempo faz. Figura lendária da cidade grande, morando num bairro provinciano, onde todos o conheciam.

Morava sozinho na casa que herdara de seus pais. Sentia-se protegido pelas lembranças do passado. Seus irmãos moravam em terras distantes. Há muito não se viam.

Apesar de sua alma perambular pela vida, que continuava como se nada houvesse, levando consigo um dia após o outro, nunca perdeu a vontade de viver, sonhador que era.

Recebeu amor de pessoas trocadas. Foi amado pelo pai, como se fosse sua mãe, que a muito se fora.

A mulher a quem tanto amara, deixou-o por conta de suas esquisitices. Não aguentou. Ganhou mundo.

Tinha um meio sorriso a enfeitar seu rosto marcado pelo tempo.

Parecia estar sempre esperando que alguma coisa acontecesse. De bom ou de ruim, mas que acontecesse.

Vez por outra, aproximava-se de seu canteiro de ervas medicinais, e enquanto arrancava alguma erva daninha, fazia dele seu confidente, esperando pelas respostas que não vinham. Com o tempo entendeu que as respostas às suas perguntas, a ele cabiam. A ninguém mais.

Só o seu amor pelos livros o tirava desse ostracismo, afugentando a solidão que se fazia presente em sua vida. Sentia-se melhor quando ia à biblioteca busca-los, ou quando os pegava da estante de sua casa e que já tinha lido varias vezes.  A cada leitura uma nova interpretação, uma nova vivencia Um ar de felicidade aparecia em seu rosto após cada página virada. Deixava-se levar como se personagem fosse.  Viajava no tempo e no espaço. Conhecia lugares e por eles passeava. Conhecia pessoas, frequentava suas casas, participava de seus aniversários, natais, encontros de amigos e familiares. Sentia-se sempre bem vindo... Praticava esportes nunca imaginados. Sentia a neve chuviscando em seu rosto e um friozinho gostoso no estomago, enquanto descia as montanhas cobertas pela neve. O coração acelerava, a respiração se tornava mais curta ao imaginar-se a escalar montanhas.

Gostava de contar suas façanhas. Para si mesmo. Quem dele se aproximasse sentia-se enriquecer com tantas vivências imaginadas e vividas como se realidade fosse. 

E assim seguia ele em seu devaneio que lhe fazia tão bem, sem olhar para trás, como sempre fizera em sua vida. Olhar sempre para frente, como ensinara seu pai.

Se aos outros incomodava? Não sabia e não procurava saber. Para ele estava tudo bem, vivendo a maior parte de sua vida em seu mundo de faz de conta, de faz de conta que era feliz.

E era. Ou não?