VIVENDO POR VIVER
Publicado em 16 de fevereiro de 2010 por JUNIA PIRES FALCAO
VIVENDO POR VIVER
Ali estava ele totalmente largado no chão do parque, como se fosse um objeto qualquer, uma garrafa vazia, um papel sujo que o vento rola, enfim um lixo. Aquele homem mal vestido, com o rosto suado, usava um roto paletó e tinha no pé direito um sapato desgastado; o outro encontrava-se mais adiante na grama do jardim, virado para baixo.
Não parecia estar embriagado nem drogado, mas o seu rosto apresentava sinais de grande cansaço. Percebia-se claramente que estava exausto, e com certeza estava faminto também. As rugas de expressão e em todo o seu rosto, mostravam o desgaste da sua vida e o desgosto que certamente o dominava. Seus olhos estavam molhados, como se tivesse chorado muito.
Aparentava ter bem mais de setenta anos e não era feio. Os cabelos eram grisalhos e tinha bigode totalmente branco, estranhamente em estilo aristocrático e bem acertado, deixando evidente que ainda conservava resquícios de um antigo bom gosto. Devia ser tamanho o seu auto-desprezo que, para si tudo valia mais do que ele mesmo, deixando-se cair ali de qualquer jeito, com a cabeça pendida sobre o pedregulho cheio de sujeira e de formigas, entorpecido por um sono que nenhum barulho conseguia desperta-lo. Quem sabe, era essa a sua vontade, não despertar mais para não continuar sua triste jornada sobre a terra?
Ao seu redor havia apenas uma sacola transparente com duas garrafas de plástico, ambas com um pouco d’água cada uma, algumas poucas bolachas e uma nota de apenas um real... O que o teria levado a tamanho abandono e desprezo por si próprio?
Seu nome, de onde vinha e para onde iria depois, por que estava caído daquele jeito, isso a ninguém interessaria, e seriam perguntas sem resposta. Até mesmo porque, dos que por ali passavam, poucos se deram conta da sua nula presença naquele lugar. Naquela tarde ensolarada de verão, jovens saudáveis e cheios de alegria de viver caminhavam, crianças felizes brincavam e todos passavam de largo, indiferentes à sua desdita. Afinal ele era apenas mais um, entre a multidão invisível daqueles que nada são e nada representam nesta vida, a vida que sarcasticamente os transforma em fantoches, que não têm rumo, que não são amados, não têm casa, não terão túmulos e vivem por viver, enquanto não chega o fim.
Inúmeras são as razões que destroem um ser humano, transformando-o num farrapo a perambular pelas ruas, sem nenhum sentido para as suas vidas, sem esperança alguma e ironicamente, muitos deles é que traçaram o seu próprio destino.
Voltei para casa com o coração pesado, naquela tarde. A fisionomia sofrida e os olhos ainda molhados daquele ancião me comoveram profundamente. Não posso imaginar o motivo pelo qual ele se encontrava ali, mas eu nada poderia fazer por ele a não ser o que fiz à noite, elevando uma oração a Deus, pedindo-Lhe que enxugasse as suas lágrimas, aliviasse o seu coração, o encaminhasse a algum lugar seguro e perdoasse os seus pecados, para que ele viesse a conhecer uma verdadeira vida, na eternidade.
Júnia - 2010