Resumo

 

O presente trabalho objetiva analisar as dinâmicas do cotidiano das mulheres vítimas de violência, a partir do discurso que envolve fatores de risco sobre a ótica das denúncias feitas por elas. Para isso, tivemos como objeto de observação o CEOM - CENTRO ESPECIAL DE ORIENTAÇÃO À MULHER - ZUZU ANGEL, instituição localizada no município de São Gonçalo – RJ. Algumas mulheres sofrem agressões como um fator cruel, repetitivo e por muitas vezes naturalizado. Revelam-se na relação do casal através da subordinação, dominação, agressão e submissão na esfera familiar. Nessa compreensão, os motivos das agressões mais apontados são: brigas causadas por ciúmes, acusações de infidelidade, o homem que não suporta ser contrariado que compactua com um comportamento violento (Soares, 2005). Os assassinatos de mulheres ocorrem quando o agressor perde o poder sobre a mulher, principalmente no sentido de controlar seu corpo, pensamentos e desejos, bem como sentimentos. Muitas mulheres foram mortas porque queriam separar-se de seu companheiro ou marido (Teles e Melo, 2003). Essa amostragem repercute numa transmissão de valores, classe social, gênero, abuso de poder, grau de escolaridade dentre outros fatores que interferem no relacionamento do casal. Vale lembrar que nenhum dos itens citados acima são motivos para tantas agressões. Conclui-se que as mulheres enfrentam, em seu cotidiano, diferentes modos de violência. Essas agressões se refletem em insatisfações e frustrações por parte das mulheres. Isso influencia na sua decisão que as impulsiona a tornar o fato público, encorajando-as a fazerem uma denúncia. Porém, com todo respaldo da Lei de proteção, Lei Maria da Penha, alguns órgãos ainda não se encontram preparados, capacitados e qualificados para receber as mulheres vitimizadas. Essa posição de categorização de atendimento inclui a área de saúde, a autoridade policial, judicial, ministério público e defensoria pública.

 

 Palavras-chaves: Violência. Mulher. Doméstica. Familiar. 


INTRODUÇÃO

                        Este artigo é fruto de um grande interesse na área da violência contra a mulher. Desde que começamos o curso de graduação em Serviço Social, essa temática nos despertou a atenção por diversos fatores. Percebemos que a violência contra a mulher ao mesmo tempo em que é um tema antigo, continua atual, pois a violência ainda é vista com naturalidade, mesmo com os vários avanços nas leis de proteção à mulher.

                        Ressaltamos que o amadurecimento dessa escolha foi mediante as palestras que assistimos na Instituição Pestalozzi de Itaboraí – RJ, onde um dos temas abordados foi a violência contra a mulher. Na abertura dos debates, houve muitos questionamentos e indagações por parte das mulheres participantes.

                        Algumas mulheres relataram que são vítimas de violência por parte de seus companheiros. A questão da violência contra a mulher, ultimamente, tem sido abordada com maior frequência nos meios de comunicação. Depois de também assistirmos a várias reportagens com depoimentos chocantes e traumatizantes de mulheres vítimas de violência, resolvemos abordar e nos aprofundar nesse assunto.

                        O artigo encontra-se dividido em dois capítulos. O primeiro consiste em uma discussão sobre o conceito de gênero apoiada, sobretudo no pressuposto de que se trata de algo socialmente construído, incorporado e reproduzido pelos atores sociais envolvidos dentro de um contexto histórico em que a condição de subordinação das mulheres aparece de forma natural.

                        No segundo capítulo, pretendemos mostrar o caminho que foi percorrido para que a violência contra a mulher se tornasse alvo de intervenções do poder público. Desta forma, abordaremos a contribuição de protagonistas, atuação de movimentos públicos e sociais e a Instituição CEOM - CENTRO ESPECIAL DE ORIENTAÇÃO À MULHER - ZUZU ANGEL que é a referência para elaboração do nosso trabalho.   

                        A escolha de um tema para estudo e pesquisa requisita percorrer algumas indagações onde percebemos as possíveis relevâncias que o mesmo possui para a sociedade. A violência contra a mulher é um produto que traz em seu seio estreita relação com as categorias de gênero, classe social e raça/etnia e suas relações de poder. A violência conjugal acontece no cotidiano de algumas mulheres como fato repetitivo, cruel e por vezes naturalizado.

                        Essa violência é uma violação grave de direitos individuas que atinge um grande percentual de mulheres vitimizadas por vários tipos de agressões. Esse tipo de violência pode ocorrer na família, no trabalho, na comunidade e em situações conflitantes. Mas em geral a violência doméstica é a que mais acontece, pois na maioria dos casos, o agressor é conhecido, normalmente marido, companheiro ou outro elemento masculino no seio familiar. Quem de nós não tem uma parenta que foi vítima de violência? Uma tia, uma irmã, uma prima, vizinha, dentre outros? Essa é uma das realidades do nosso cotidiano.

                        Apesar de tantos progressos, essa violência continua sendo uma questão que atinge um número crescente de mulheres, ou seja, a Lei apenas criou mecanismos, mas não coibiu essa violência, que parece não ter solução. Todos os dias a mídia coloca em pauta nas rádios, na televisão, na internet, nos jornais. Diante dessa complexidade, abordaremos essa problemática com afinco, ampliando os nossos conhecimentos sobre a realidade dessas mulheres que é expressamente visível em seu cotidiano, acorrentada e reprimida em seus lares. Essa agressão sempre existiu, sendo que os dados estatísticos não condizem com os fatos reais dessas mulheres vítimas de violência, pois a grande novidade é que esse tipo de violência ultrapassou os segredos e tabus, alcançando notoriedade, principalmente na mídia. Quando mulheres atravessavam essa barreira, enfrentavam o descaso, o preconceito e a omissão das instituições policiais que estavam desqualificadas e despreparadas para receber esse tipo de denúncia, gerando insegurança e descredibilidade. O que restava era o conformismo, porém do ponto de vista ideológico a supremacia masculina dominava e consequentemente inferiorizava a classe feminina.

                        O homem se beneficia do falso título de que é o "senhor da casa" para se aproveitar e querer ditar as regras: mandar, espancar, dominar e estuprar. Essa situação é mais frequente nos finais de semana, quando alguns agressores que também se utilizam da bebida alcoólica para enfatizar o que ocorre durante a semana, pois sem piedade extrapolam e cometem atrocidades no seio familiar, em particular com sua companheira. E quando a mulher mata seu agressor em legítima defesa? A justiça fica a seu favor? Ou ela será condenada por matar seu agressor?

                        Para que as mulheres alcançassem o respaldo da Lei foram muitos anos de luta, para que pudessem contar com esses instrumentos legais e o Estado brasileiro passasse a enxergar a violência doméstica e familiar como um caso de justiça. Culturalmente em "defesa da honra masculina" quantas mulheres foram injustiçadas nos tribunais e a quantos silêncios elas teriam se submetido?

                        A partir da criação da Lei Maria da Penha[1] e com as mudanças nos órgãos públicos que desenvolvem políticas que visam garantir os direitos das mulheres criando mecanismos para coibir todo tipo de violência, essa questão passou a ser tratada efetivamente como uma questão social.

                        Maria da Penha, uma mulher que seu companheiro/agressor quase levou a morte resolveu ir à luta e "levantar a bandeira" para que todas as mulheres fossem amparadas pela lei. Essa mulher idealizadora transformou sua dor em luta e tragédia em solidariedade. Sua luta e a de tantas outras proporcionou os avanços na legislação nos últimos vinte anos.

                        Com a política nacional de ampliação da rede de atendimento de serviços especializados (delegacias da mulher, casas-abrigo, serviços de apoio jurídico, defensorias públicas, serviços policiais, serviços da rede de saúde, dentre outros) para, que ocorra a garantia de atendimento integral das mulheres em situação de violência; capacitação e conscientização dos agentes públicos no atendimento e prevenção a violência contra a mulher e possibilitando o acesso dessas mulheres aos serviços da justiça.

                         Sendo assim, esse artigo tem por finalidade conhecer como historicamente foi tratada a violência contra a mulher, resgatando as lutas e sacrifícios que desencadearam avanços no mesmo.

                        Para tanto, o campo de observação empírico será a Instituição CEOM - CENTRO ESPECIAL DE ORIENTAÇÃO À MULHER - ZUZU ANGEL, vinculado à Prefeitura do Município de São Gonçalo.

 

Capítulo I

Violência contra a mulher: Representação como sujeito de direito

1.1 Ampliar o conhecimento do dia a dia das mulheres vítimas de violência

                     Teles e Melo (2003) salientam que a violência contra a mulher é tão antiga quanto à própria existência humana. Só para citar alguns exemplos: no Código de Hamurabi[2], na antiga Babilônia, a mulher repudiada pelo marido se tornava escrava da segunda esposa. A mulher sempre foi tratada como propriedade dos homens e em diferentes níveis[3] perdeu sua autonomia, liberdade e direito de controlar seu próprio corpo. Porém, com o advento da Revolução Francesa foi promulgada a Declaração dos Direitos Humanos baseada no direito da liberdade. Contudo, mesmo avançado para a época, o documento não garantiu os direitos das mulheres. No Brasil, até 1830 não existia nenhuma Lei de proteção à mulher, contra a violência. Naquela época, aos homens era permitido matar a mulher em legítima defesa da honra, bem como usar de violência física pelo uso de chibatas, quando estes eram contrariados de alguma forma.

                    Já no século passado, a partir dos anos 70, em decorrência das pressões desenvolvidas pelos movimentos feministas no mundo e no Brasil, as políticas públicas e serviços de atendimentos às mulheres em situação de violência começaram a ser implantados.

                    Segundo a cartilha, Separata de Decretos, Leis etc. da Câmara dos Deputados, Brasília (2008), na década de 80 houve a criação do SOS Mulher que é um serviço para atendimento às vítimas de violência. Idealizado e mantido pelas organizações de mulheres, começou nas cidades de São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

                    Nos anos 90 o fato foi a criação da CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito[4] destinada a investigar a violência contra a mulher.

                    No relatório final, a situação foi classificada como muito grave. Para conter essa violência foi proposto um Projeto de Lei à Câmara Federal.  Em 1993, houve a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, em Viena, bem como a Conferência de Belém do Pará[5], ratificada em 1995. Esses eventos definiram o que era violência de gênero, que se subdivide em violência física, sexual e psicológica.

                    A violência contra a mulher faz parte do cotidiano das cidades. É um fenômeno silenciado ao longo da história, tratado de maneira banalizada, sem importância.  A violência conjugal envolve brigas, xingamentos, humilhações e vergonha e se manifesta em condições desiguais. É uma ameaça permanente.

A violência doméstica contra a mulher não se caracteriza somente por aquilo que é visível e que é tipificado no código penal. É muito mais do que isso. O hematoma, o arranhão e a ameaça que leva a mulher pedir a ajuda são muitas vezes apenas a ponta de um iceberg. (SOARES, 2005;19)

                    Mais do que o corpo, a violência contra a mulher atinge a alma, destrói sonhos, acaba com a dignidade. Essa violência interfere no exercício dos direitos da cidadania e na qualidade de vida das mulheres, limitando seu pleno desempenho como sujeito humano, afeta ainda o desenvolvimento da sociedade em sua diversidade.

                    Teles e Melo (2003) afirmam que ao longo desse processo esse episódio que foi silenciado anos a fio, passou a ser revelado à medida que se tornou público e notório. A violência vivenciada pelas mulheres que até então era tabu. Porém essa prática caracterizava o poder dos homens sobre elas, pois as mulheres eram marcadas por ser da classe feminina e por sua vez prestavam-lhes obediência.

                    As legislações, no que diz respeito à mulher, eram perversas. Cada país tinha a sua Lei que para época era tudo natural e cultural. As próprias legislações medievais favoreciam a classe masculina, pois era obrigação do homem como questão de honra punir a mulher, caso contrário ele era execrado e posto um par de chifres, assim sendo ridicularizado perante a sociedade. Daí até nos dias atuais os homens são estigmatizados simbolicamente pelo "par de chifres".

                    A grande mobilidade na tentativa de desnaturalizar esses valores que surgiram a partir da segunda metade do século XX, que na plenitude dessa interface das construções sociais passaram a ser estudadas e compreendidas através das relações entre homens e mulheres. Essa naturalização vivenciada pelas mulheres pode ser entendida a partir das pesquisas realizadas em vários países emergentes.                         Reporta-se em sua maioria como questão histórica, cultural e em uma obediência, concordância, disciplina que a mulher submete-se ao homem. Isso se traduz na dominação da classe feminina mediante ao uso da força e na legitimação do "direito do homem".

                    Há um risco imediato caracterizado por anos a fio onde o medo, o pavor, a insegurança, a agressão que envolve risco de vida e abusos de todas as formas afetando a vítima fisicamente e psicologicamente trazendo um dano irreversível a sua saúde, deixando-a enfraquecida e impotente diante do tenebroso quadro de subserviência em que as mulheres são submetidas por seus companheiros.

                    Segundo dados da Fundação Perseu Abramos[6], em 2001 as mulheres só denunciaram a violência sofrida dentro de casa a algum órgão público (quase sempre delegacias policiais) quando se sentiram ameaçadas em sua integridade física: ou por arma de fogo (31%), ou quando os espancamentos deixaram marcas, fraturas ou cortes (21%) ou ainda diante de ameaças de espancamento contra si mesmas ou contra os filhos (19%). Nas outras situações, como xingamentos, tapas, empurrões, quebradura, relações sexuais forçadas e assédio sexual, o percentual de registro em delegacia ou outros órgãos públicos, não ultrapassou os 10%.

                     Ainda há muitas barreiras que impedem as mulheres vítimas de violência a fazer uma denúncia, como: medo, vergonha, ameaças ou por puro conformismo, numa questão cultural. Esse comportamento leva a um alto índice estatístico demonstrando que as agredidas só revelam suas agressões quando chegam aos extremos ultrapassando a barreira do medo e vergonha levando sua denúncia à delegacia ou a algum órgão público. Ressalta-se que em 2001 não existia a Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, que foi implantada com a ideia principal de erradicar, punir e prevenir a violência familiar contra a mulher.

1.2 Desigualdade: uma questão de discriminação?

                     ParaBlay (2003), o preconceito vem de longo segmento histórico de origem, construção e consolidação de medidas e ações excludentes da população feminina, nessa categorização resvala na submissão dessa classe que ocorre na interface da discriminação recorrente a um factual de violência, todavia reforça e sustenta os justificáveis atos de violência. Preconiza e desencadeia com avanços e retrocessos de forma tal a vincular-se à natureza humana.

                     Através da força bruta masculina, há uma discrepância e controle sobre as mulheres, que essa dimensão perpetua freqüentemente na prática de atos de submissão pertinentes na contemporaneidade.

                     Monteiro e Souza (2006) apontam que essa violência se constitui na consonância e na dimensão da desigualdade. A mulher é estigmatizada com a passividade do silêncio. Sendo considerado o sexo frágil, é através dessas entranhas que o convívio torna-se uma ameaça constante que acaba desencadeando uma fatalidade. Essa violência se traduz em diversos atos classificados como físico, psicológico e social. Nessa esfera, qualquer tipo de manifestação afeta e interfere na vida das mulheres. Com isso, sinaliza a questão que emerge no campo da saúde através da violência doméstica.

                      A violência física é caracterizada como uma ação ou omissão que ponha em risco ou ameace integridade física da mulher. Compreende-se como lesão corporal aquilo que ocasiona incapacidade da mulher, ficando impossibilitada de exercer atividades domésticas ou profissionais. Dentre os tipos de agressões sofridas por mulheres em condições de risco, podemos destacar: tapas e empurrões; tentativa de asfixia, ameaça com faca e tentativas de homicídio.

                      Já a violência psicológica se destina a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo ao desenvolvimento pessoal e da saúde psicológica da mulher. Restringir o acesso ao trabalho, escola; privação da liberdade e danos propositais; humilhações e acusações sem fundamentos.

                       Há também a violência social que atinge mais fortemente as mulheres negras e pobres. Esse tipo de violência é muito difícil de ser denunciada, pois ocorre de forma sutil e dissimulada calcada no preconceito e na discriminação étnico-racial. Classifica-se como o tipo de violência mais elementar, no sentido singular da palavra, pois essa violência é aquela que encontramos no dia a dia. Está em qualquer lugar: nos lares, nas ruas, no trabalho, emana do poder público e nas instituições privadas.

                        A violência contra mulher é compreendida na violação dos direitos humanos, da saúde e da integridade física. A violência se caracteriza pela desigualdade e subordinação da mulher. No Brasil, essa violência é considerada um problema de saúde pública, pois a mulher vítima de violência evita denunciar e se isola dos sistemas de apoio, tornando-se ainda mais dependente do seu parceiro.

                        A mulher vitimizada, na maioria dos casos, se sente responsável e merecedora dos atos de agressão, justificando suas falhas pelo próprio comportamento. Sendo assim, a violência familiar é considerada um dos problemas mais sérios que precisa de mudanças, principalmente no comportamento, na maneira de pensar e conduzir as relações entre as pessoas.

Qualquer mulher pode ser vítima de violência doméstica. Não importa se ela é rica, pobre, branca ou negra; se vive no campo ou na cidade, se é moderna ou antiquada; católica, evangélica, atéia ou umbandista. A única diferença é que as mulheres ricas conseguem esconder melhor sua situação e têm mais recursos para tentar escapar da violência (SOARES, 2005:15)

                        As consequências dos agravos na vida da mulher são marcadas pela baixa auto-estima, pelo medo, pelo isolamento social e até pela incorporação do sentimento de culpa. Surge com maior frequência o sentimento de temor que paralisa e impede a mulher de buscar ajuda, bem como a atitude de negação do abuso no qual a mulher tende a minimizar a situação de violência em função de fatores como medo, falta de informação e de consciência sobre o que constitui realmente a violência, e ainda pelo desejo de crer que o parceiro não é tão mau. Como conduta, surge também o isolamento por meio do qual a mulher se distancia das possíveis redes sociais de apoio, inclusive da própria família. Essa atitude aumenta a dependência e limita a possibilidade de ajuda por parte do poder público. Por fim, a internalização da culpa, na qual a mulher sente-se responsável e merecedora de atos de agressão justificando-os e referindo as falhas em seu comportamento. Fatos como esses, contribuem para agravar ainda mais esse quadro.

                        Schraiber (et all, 2005) aborda essas implicações de maneira clara e objetiva, esclarecendo como acontece a violência entre homens e mulheres dentro de seus lares. É importante ressaltar que essa questão vem se transformando ao longo dos anos e afetando as estruturas e organizações atribuídas à família. Nessa ótica, refere-se à maneira de convivências das pessoas numa mesma residência e o modo como se organizam, compartilham os direitos e deveres, harmonizando os membros da família.  Esse espaço-casa que é utilizado na interação da família, na alegria, no bem estar, na paz, na solidariedade, na comodidade, na segurança e no conforto. No entanto se transforma num pesadelo em seu cotidiano e essa segurança torna-se um espaço de conflitos.  A paz que reinava desmonta-se em guerra através de discordância, desconfiança, desrespeito numa configuração desleal representada pela figura do homem que desconhece o seu papel de companheiro e a sua relação afetuosa que um dia teve com sua companheira.

                        Diante desse quadro, a estrutura da família pode ser compreendida como um alicerce que quando abalado acaba desagregando e estabelecendo relações de tensão, através de divergências de ideias e constante ‘jogo de poder' que o homem exerce sobre a mulher.

                        Nessa interface a influência das construções históricas e culturais acaba implicando no exercício familiar sobre a influência socialmente construída de instituições sociais, através do Estado, da religião, da economia, da política etc.

Partimos da hipótese de que a violência entre homens e mulheres reflete rupturas ou fissuras nos tradicionais padrões culturais de base patriarcal presentes na maioria das sociedades. Esses padrões culturais patriarcais correspondem, grosso modo, ao controle e domínio da mulher pelo homem, a partir do maior poder que as sociedades conferem aos homens. (SCHRAIBER, et all 2005:75)  

                        Deeke (et all, 2009) afirma que nesse pressuposto, o exercício do cotidiano da família fica claro que o patriarcado é fortemente dominador na sociedade onde os profundos padrões culturais confirmam os resultados de violência configurados nas relações de gênero vivenciadas no espaço da casa-família.

A violência nas relações entre parceiros expressa dinâmicas de afeto e poder e denuncia a presença de relações de subordinação e dominação. Essa dinâmica relacional pode ser propiciada na medida em que a divisão interna de papéis admite uma distribuição desigual de privilégios, direitos e deveres dentro do ambiente doméstico, setor em que se definem assimetrias de poder calcadas em diferenças de gênero. A herança cultural do regime patriarcal, típico das sociedades ocidentais de influência judaico-cristã, media o convívio dentro do espaço privado dos casais, configurando o relacionamento cotidiano como gerador de uma complexa trama de emoções, em que a sexualidade, a reprodução e a socialização constituem esferas potencialmente criadoras de relações ao mesmo tempo prazerosas e conflitivas. (AZEVEDO e GUERRA, 2000).[7]

                        Nas relações entre parceiros, a violência se torna explícita quando envolve afeto e poder. Direitos e deveres estão presentes ligados à dominação e subordinação que incide na divisão de papéis entre o casal. O ambiente familiar propicia a violência doméstica, pois é o setor onde se conflitam as relações de poder e as questões de gênero. A probabilidade de a mulher ser agredida no seu círculo familiar é maior do que fora dele. A dinâmica das implicações de violência do casal está associada a vários conectivos que denunciam nas relevâncias que a mulher sofre dentro de casa. Nesta ótica, as ameaças começam moderadas com um toque de desvalorização da mulher acompanhada de humilhação, diminuindo-a fazendo com que ela se sinta inferiorizada, ironizando-a e coagindo-a e a partir dessa complexidade passa a controlar seus movimentos tendo obsessões que implicam no ato de poder que o homem exerce sobre a mulher.

                        Segundo Soares (2005), a composição da violência na esfera conjugal é constituída por três etapas[8]: No Início, os abalos no relacionamento são seguidos de incidentes menores como agressões verbais, crise de ciúmes, ameaças. Nesse período a mulher tenta um diálogo amigável com seu agressor, acreditando que pode impedir sua raiva tornando-a cada vez menor. Sente-se culpada pelos atos do marido ou companheiro. Se ele explode, ela tenta acalmá-lo achando que a responsabilidade é toda dela.  Nega sua própria raiva e tenta se convencer de que ele esteja passando por um momento difícil, está estressado ou bebendo demais. Numa segunda etapa, há um índice máximo de descontrole com agressões agudas e ataques mais graves. Tudo é motivo para desavenças. Tornando o ambiente doméstico um verdadeiro campo de concentração, deixando a mulher atormentada e desnorteada transformando seu lar em destruição. Por não suportar mais o medo, a raiva e a ansiedade, a mulher acaba sendo vítima de outros incidentes violentos. Essa fase é a mais curta e que será seguida pela terceira etapa, onde o agressor usa de várias estratégias. O parceiro demonstra que ele mudou e será o homem dos seus sonhos pelo qual um dia ela se apaixonou. Compras de presente, planejamento de viagens, jantares e promessas que fará de tudo para um ótimo relacionamento, após todo o clima de terror e agressões cometido contra a sua companheira.

                        Schraiber (et all, 2005) salienta que nesse tipo de violência há perdas que implicam na saúde física e psicológica da mulher comprometendo o seu corpo, bem como o sofrimento, dores inespecíficas, transtornos mentais. Essas alterações causadas por brutalidades representam conseqüências sérias à saúde com alto risco a uma população feminina suscetível a essa condição vulnerável.

                        Essas condições de violência e perturbações mentais, que se traduzem num problema de saúde, reforçam a ação assistencial no interior dos serviços. Partindo desse direcionamento, também, requer uma ampliação dos direitos das mulheres, de melhores condições de assistência e proteção a sua saúde. A atuação por parte dos profissionais torna-se obscura, por desconhecerem os sintomas das mulheres que são especificadas na questão de agressões físicas, impedindo a intervenção dos profissionais.  Esse episódio traz danos traumáticos e sérios, muitas vezes irreversíveis as suas vidas.

                        Os autores afirmam que essas agressões vão além de "um tapa" que transgridem as suas condições físicas como lesões traumáticas, vários membros do corpo quebrados, incluindo dentes, contusões musculares, hematomas ou manchas roxas pelo corpo.

                        O relatório mundial sobre violência e saúde Krug (et all, 2002) aponta que 40% a 70% das mulheres em situação de violência em algum momento de suas vidas já vivenciaram esse tipo de violência.

                        Nessa categorização no qual o homem se faz valer mediante ao fato de perder a "cabeça", ou seja, o "discernimento", segundo Soares (2005), os homens cometem diversos deslizes que são acompanhados e regados de empurrões. Atiram objetos sobre a mulher e se ela fala algo que não condiz ao que eles querem ouvir, esbofeteiam, chutam, sacodem, estrangulam e não satisfeitos, para completar esse clima de pavor, usam de arma branca ou arma de fogo, "sem dó nem piedade" dessa mulher que é a sua companheira.

                        Outro fator que vem contribuindo para o aumento da violência contra a mulher é o crescente consumo de bebidas alcoólicas e drogas. Sendo que na maioria das vezes, os filhos também são vítimas de violência ou presenciam as agressões sofridas pelas mães. Adeodato (et all, 2005) aponta que 70% dos parceiros agressores ingeriram álcool e, em 11%, drogas ilícitas indicando a relação direta entre consumo de álcool e drogas por esses agressores, sendo o álcool a substância mais utilizada e diariamente consumida. Porém, a associação do álcool com a agressão física não ocorre apenas com os bebedores regulares, mas também entre bebedores eventuais. Njaine e Minayo (2004) citam que o consumo de álcool começa cada vez mais cedo e adolescentes copiam os modelos dos adultos no consumo de álcool e embriaguez. Meneguel (et all, 2000) ainda observa que 37,2% usavam maconha e 32,7% cocaína. Mesmo assim o álcool parece ser a droga mais nociva ao funcionamento familiar, pois, por ser aceito socialmente, há largo consumo principalmente pelos homens.

                         Na questão da violência sexual, o estupro sempre é associado a um desconhecido, porém o marido, companheiro ou namorado também estará praticando esse delito se eles forçarem relações sexuais contra a vontade da mulher, quando elas estão doentes ou quando estão dormindo, usando da força física ou não. Obrigar a mulher a olhar imagens pornográficas ou obrigá-la a fazer sexo com outras pessoas quando ela não deseja, também são formas de violências sexuais.

                        É forte esse indício da questão que envolve o desconhecido, mas na maioria dos casos o criminoso está fortemente ligado à vítima e é facilmente identificado.

                        Saffioti e Almeida (1995) evidenciam que o estuprador é estigmatizado ao homem negro, sem cultura e de classe pobre. Em contrapartida, Reis (2001) aborda a linha de raciocínio dos agressores de cor branca e desconhecido da vítima, afirmando que na maioria dos casos os agressores estão na faixa de 20 a 39 anos.

                        Mesmo com a evidência da confirmação a constatação desse tipo de violência é difícil e nem sempre é possível fazer a reclusão do agressor.

                        Foi observado que em apenas 10% dos casos de estupro de trauma físico contra as mulheres foi realizada perícia Forense[9] (Brasil 2005) e que em pesquisas feitas por Reis (2001) somente em 20% dessas perícias os estupros foram confirmados.

Esse episódio ocorre dentro de um contexto violento e não de paixão ou com o objetivo de encontrar satisfação sexual.  O que domina no ato de estupro é a força e o ódio. O agressor usa da sexualidade para manifestar sentimentos de poder e de vingança. Na realidade, não passa de um ato pseudo-sexual, uma conduta sexual baseada na agressão, na violência e no amplo domínio da violência.  O pretexto de fazer sexo, a pessoa agressora na verdade busca satisfação "necessidades não sexuais que são o controle sobre o corpo e a mente da vítima (TELES E MELO, 2003;41).

                        O estupro é uma forma de agressão a classe feminina que deprecia a condição da mulher, destrói a sua vida, abala seu psicológico, ela perde a sua "identidade" mediante a essa dominação de constrangimento e de repulsa que afeta a sua personalidade e integridade pessoal, perdendo o controle do seu próprio corpo.

                        Além de sérias conseqüências que esse tipo de violência traz para sua vítima como gravidez indesejada, DST - Doenças Sexualmente Transmissíveis e HIV - Vírus da Imunodeficiência Humana.

1.3 Violência de Gênero: complexidade atormentada mundialmente desde sua antiguidade.

                        Desde os anos 80, o conceito de gênero vem sendo estudado com um olhar antropológico pelas ciências sociais. Compreende-se por gênero as desigualdades sociais entre homens e mulheres dentro das questões econômicas, políticas e culturais. Esse estudo indica o quanto o poder masculino interfere nessas relações entre os sexos. Entende-se essas desigualdades como interesses para atender a determinados grupos e não como sendo inerente à espécie humana.

                        A violência de gênero é caracterizada por qualquer ação ou conduta que ocasione morte, sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher. Ela se manifesta nas relações de poder e desigualdade entre homens e mulheres.

Gênero é um conceito de ordem política como afirma Heleieth Saffioti. Com seu uso, aplicado nas áreas acadêmica e política, em sindicatos e em diversos movimentos sociais e ONGs, o termo passou a ter um conteúdo bastante amplo, ora dando-lhe uma ideia mais abstrata e genérica, ora considerando tanta opressão feminina quanto as necessidades de transformar as mulheres em protagonistas de sua própria história. (TELES, 2006:40).

                        Segundo Soares (2005), drama, violência, paixão, ódio, opressão, agressão dentre outros, são inúmeras situações conflitantes que algumas mulheres vítimas de violência enfrentam no seu cotidiano. Esse episódio marcado por sentimentos como o amor e o ódio traz em sua bagagem fatores de diversas origens que contribuem para tais violências.

                        Teles e Melo (2003) salientam que a denominação de violência de gênero tem toda uma caracterização que pode ser entendida a partir das décadas passadas baseadas nas leis, na cultura, nas regiões, na filosofia, na política e na ciência, através de métodos arcaicos e dissimulados. Mas que em tempos mais remotos eram vistos de maneira natural. Configura-se sua discriminação histórica contra a mulher todo o processo em que na antiguidade a mesma era submetida ao homem; esse modelo desenvolvido pela sociedade humana onde segmenta o poder do machismo que usava e manipulava a classe feminina como se fosse objeto ou marionete no campo masculino.

                        Controlavam as mulheres através da força e arrogância, pois estas eram tratadas como propriedade dos homens. As mulheres eram vendidas, trocadas, escravizadas, violadas, prostituídas dentre outros fatores degradantes.  Numa questão cultural, os maridos assassinavam suas mulheres em nome da legítima defesa da honra. As mesmas eram subordinadas e não tinham autonomia, liberdade ou controle sobre o próprio corpo.

A garantia da supremacia masculina dependia única e exclusivamente da inferioridade feminina. Daí a exigência de ataques acirrados à condição feminina, impondo forçosamente ideias acerca da incapacidade e incompetência das mulheres. Foram feitos esforços, em todos os níveis, para erradicar quaisquer vestígios da capacidade física, emocional e intelectual do segmento feminino, mesmo que para isso tivessem de empregar o uso da violência e da farsa. Não foi um processo pacífico: muitas mulheres resistiram, repudiaram e se rebelaram à submissão e à subordinação aos homens. (TELES E MELO, 2003:31)

                        Reforçam Teles e Melo (2003), que esse quadro discriminatório engendrado na história da humanidade expressamente ordenado as mulheres, polariza tais diretrizes que norteiam o modo de pensar, de agir e o comportamento na sociedade humana. Todavia, a classe feminina não foi excluída inteiramente das atividades masculinas, pois eram equiparadas e igualadas aos trabalhos braçais dos escravos. Sendo assim, incorre numa abrangência de aproximação entre opressores e oprimidos, onde se ordena e se dividem o mesmo espaço bem como compartilham a mesma cama, a mesma alimentação e tudo que se refere ao mesmo teto. Nesse sentido, o homem obrigava a mulher a aceitar sua própria inferioridade.

                        Esse fato é expressivo e visivelmente discriminado historicamente que resvala nas tais violências de gênero que integra em muitas situações de agressões no dia a dia das mulheres.

                        Segundo Schraiber (et all, 2005), cada mulher se integra como parte de um todo com as demais, configurando numa abrangência de menor valor, menor condição social, maneira de agir e pensar. Nesse contexto sintonizado, a finalidade expressa em busca da igualdade de valor com os homens.

                        Sousa e Oliveira (2009) revelam que a denúncia às vezes se protela na natureza em que a sociedade inviabiliza a saída de uma relação conflitante. São muitos os mecanismos que impedem o desmonte desse passo tão sério na vida da mulher por questões de crença que o seu companheiro possa mudar; parte financeira; estigma do divórcio; dificuldade em trabalhar com filhos sem apoio do marido; dúvidas se conseguirá levar a sua vida sozinha; pena do companheiro ou marido ou simplesmente por amor.

                        A denúncia, muitas vezes, só é feita depois da mulher ser agredida várias vezes e romper uma relação conflitante com o seu parceiro, é uma situação muito complicada, pois envolve várias questões. Há muitos obstáculos que impedem, pois procurar ajuda gera medo e vergonha e algumas mulheres dependem financeiramente de seus companheiros.

                        A mulher tem a preocupação de dar um passo falso, pois ela sofre ameaça e terror psicológico o tempo todo. Isso também envolve seus filhos, complicando ainda mais e aumentando o tempo que levará a se separar.

                         A vergonha e o medo, muitas vezes, impedem que ela faça a denúncia do seu companheiro, perante sua família e a sociedade, pois não é a mesma coisa que denunciar uma pessoa desconhecida que roubou um pertence seu. É difícil admitir que seu casamento e projeto de vida acabaram numa delegacia de polícia.

                        Jong; Sadala; Tanaka (2008) apontam que a morosidade da denúncia revela-se na questão de afetividade, onde se acredita que o parceiro irá mudar o seu comportamento violento.

                        Algumas mulheres demoram a procurar ajuda com a intenção de preservar os filhos, de não se expor perante a sociedade e por questões culturais.

                        Contudo, no decorrer de um determinado espaço de tempo algumas mulheres resolvem formalizar a denúncia, dando um basta nas agressões. É complicado esse momento, pois várias delas, bem como os filhos, recebem ameaças. A dor, a insegurança, a incerteza e a revolta é que impulsionam a mulher a fazer o registro policial.

                        Soares (2005) salienta que os homens violentos controlam a vida da mulher: "Aonde vai?" "Com quem está falando ao telefone?" Controlam as chamadas efetuadas e recebidas do seu celular. Os ciúmes doentios dos agressores extrapolam e acabam restringindo as relações familiares e dos amigos, dificultando o que está acontecendo entre o casal. Quando a mulher consegue enfrentar essa situação e pede ajuda, muitas vezes, se depara com profissionais despreparados e desinformados sobre o problema vivenciado pelas vítimas.

                        As mulheres agredidas se sentem impotentes, sem esperança e sem rumo mediante a esse quadro desqualificado por parte de alguns médicos, enfermeiros, psicólogos, policiais ou até mesmo um líder religioso que as trata com desinteresse, desconfiança ou até mesmo desprezo, cabendo a elas o regresso a um lar infernizado e aterrorizante contribuindo para uma fatalidade.

                        O agressor, diante desse empenho em que a mulher está disposta a romper com o relacionamento, mais uma vez entra em ação onde faz todo tipo de ameaças. A vítima não tem muito apoio e são poucos os recursos. As dificuldades são grandes e as barreiras que impedem as mulheres de saírem das relações violentas são carregadas de chantagens como: requisitar a custódia dos filhos, negação da pensão alimentícia, difamação, interferência no trabalho, calúnia, homicídio da mulher e dos filhos ou suicídio. As vitimizadas precisam encontrar apoio para sair dessa situação. Se essa ajuda não acontece, tenderá a desistir de buscar solução ficando a mercê do risco, desolada e desamparada.

                        Schraiber (et all, 2005) aborda sobre esse dilema conturbado que dificulta a transformação da vida das mulheres em relação à decisão da saída em condição de violência. Vale lembrar que a mulher não tem muita opção para se libertar do seu "cárcere privado", ou melhor, o seu próprio ambiente familiar, lugar que deveria ser seguro, confiável, confortável, um ambiente tranqüilo e com liberdade de ir e vir. Isso acarreta numa mudança profunda, onde o agressor poda a sua companheira.

                        Esse percurso que algumas mulheres enfrentam está associado à dificuldade de romper com seu parceiro por fatores internos, pois estas desconhecem seus direitos e também pela falta de informação. Atrelado ao medo, a vergonha e pelo conceito de que os fatos relacionados à vida conjugal são assuntos privados.

                        Denota-se que a mulher no início das suas agressões não acredita que essa violência ganhará proporções evolutivas, drásticas e traumáticas. Que isso afetará sua vida por completo, ou seja, traumas físicos, psíquicos e econômicos. Arruinando não somente a sua vida, como também de toda a sua família.

                        Teles (2006) afirma que essa percepção, por todas as dificuldades citadas, corrobora para uma busca de saídas, muitas vezes tardia por questões de insegurança econômica, falta de apoio familiar, o descaso por parte dos profissionais de saúde, respostas institucionais inadequadas, medo de denunciar seu agressor e ficar sem a proteção da lei. Isso poderá gerar o agravamento dessa violência, com a tomada dessa decisão, podendo ocasionar uma fatalidade. 

                        Pandeló (2010) relata o caso da cabeleireira Maria Islaine de Moraes, de 31 anos, que no dia 21 de janeiro de 2010 foi assassinada pelo ex-marido, o mecânico Fábio William Soares, com oito tiros diante de câmeras (instaladas por conta de ameaças que a vítima vinha sofrendo) e de testemunhas. Apesar de já estar separado há mais de um ano, o ex-marido não aceitava o rompimento da relação. Vale lembrar, que esse tipo de atitude machista é típico da cultura dos países latinos. Apesar de Maria Islaine ter feito oito registros policiais de ocorrência, não lhe foi garantida a devida proteção prevista em Lei. Mesmo abrangente, a Lei Maria da Penha não foi capaz de impedir o assassinato da denunciante.

                        Quem está de fora, só assistindo aos dramas e dilemas dessas mulheres às vezes tende a opinar e culpar as vítimas. "Não saem dessa situação de violência porque não querem" – dizem algumas pessoas. Não conseguem alcançar que essas oscilações constrangedoras tipificam a situação vivida pelas mulheres. O grande desafio é encontrar saídas para ajudá-las a vencer essas dificuldades.

                        Já a violência moral é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. São as hipóteses de crimes contra a honra tipificadas no Código Penal.

                        A violência econômica e patrimonial é configurada como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos e bens de qualquer natureza pertencentes à mulher, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Podem ser aqui enquadrados casos em que a mulher, por medo, coagida ou induzida a erro, transfere bens ao agressor.

                        A independência econômica é um fator importante na vida da mulher, porém muitas delas em situação de violência não tem capacitação profissional para se emancipar e iniciar uma vida nova. Portanto, não pode utilizar-se de recursos financeiros para saída de emergência em outra cidade ou estado. Afastando-se do agressor e tendo mais segurança. Todavia, uma grande parcela dessas mulheres depende economicamente do seu companheiro. Fica difícil escapar de uma relação violenta. Essas tentativas envolvem idas e vindas, avanços e recuos, tentativas e desistências, acertos e erros.

Assumir uma atitude de rejeição e de enfrentamento da violência exige dela não só coragem, mas a renúncia a um projeto de vida, fadado na família e na conjugalidade, o modelo idealizado para a mulher. Representa também a necessidade de busca de garantia de sobrevivência, de apoio institucional (policial e jurídico) e, não raras vezes, de proteção da vida. O desejo de ter e de manter uma família contribui para a posição de submissão (SOUTO e BRAGA, 2009).[10]

                        Grossi (et all, 2006),  salienta que na submissão feminina há dependência econômica, distanciamento da família, falta de outro lugar para se instalar e baixa auto-estima. O preconceito está bem claro nas indicações sócio-econômicas que indicam que as mulheres, principalmente as negras, são discriminadas no mercado de trabalho quando não conseguem empregos ou ocupam cargos secundários, apesar de serem bem qualificadas e instruídas.

                        A situação sócio-econômica e cultural também contribui para a vitimização da mulher. Há uma certa dificuldade que as vítimas têm em interromper esse ciclo da violência, já que muitas mulheres permanecem com companheiros agressores porque dependem financeiramente deles. Pois, em sua maioria, não trabalham, possuem baixa escolaridade e dificuldade de encontrar abrigo entre seus parentes e amigos.

                        Entre optar pela violência ou desprezo e o enfrentamento da realidade "nua e crua" considerando a questão da guarda e do sustento dos filhos, essa mulher abre mão de interesses particulares para o bem estar dos filhos e familiares.

                        Para Schraiber, (et all, 2005), a questão sócio-econômica da mulher está associada às mudanças e aspectos culturais e evolutivos das últimas décadas. A mulher, como protagonista na inserção do mercado de trabalho obteve um grande avanço importante para sua independência. Nessa exposição, representou no entendimento da relação mulher-trabalho-família que emancipa a mulher que ganhou a sua autonomia feminina. Porém, o crescimento no mercado de trabalho ocorre de forma desigual mesmo entre as mulheres, pois a dependência ou independência financeira feminina nas oportunidades de trabalho e renda própria dependem de fatores como: grau de escolaridade, cultura e qualificação profissional. Esses conectivos interferem na decisão de romper com uma relação conflituosa e de violência, pois as mulheres menos preparadas, até por serem dependentes financeiramente de seus parceiros, não estão capacitadas para concorrer por vagas no mercado de trabalho. 

                         Esse problema é de todos nós. Não se deve fechar os olhos para o que acontece em volta da realidade que afeta a humanidade. A interferência está conectada a vários órgãos protetivos da violência contra a mulher, pela Lei Maria da Penha.

A violência contra a mulher é atualmente reconhecida como um tema de preocupação Internacional, contudo, isso nem sempre foi assim. Essa recente percepção e consciência foi fruto de um trabalho incansável e articulado de diversos grupos, sendo os movimentos de mulheres e movimentos feministas os principais responsáveis pela remoção da pesada e empoeirada manta que mantinha em sigilo a dor e o medo de gerações de mulheres e família (LIMA, BÜCHELE e CLÍMACO, 2008).[11]

                          A busca do entendimento e enfrentamento para esse tipo de violência é um assunto complexo e de difícil compreensão. Não sendo essa violência apenas uma questão regionalizada, mas um problema que aflige toda a sociedade no âmbito mundial. Devido ao alto grau de complexidade, essa forma de violência além de ocorrer no meio familiar, pode acontecer também em quaisquer outras relações interpessoais. Sendo objeto de estudos para soluções definitivas para sua erradicação. Em princípio, a violência doméstica, de maneira aparente, atinge somente a camada da sociedade menos favorecida. Entretanto, isso não significa que os setores mais privilegiados da sociedade estejam isentos dessa violência.

                          Combater essa violência é fruto de um trabalho árduo e incansável de diversos grupos, como os movimentos feministas e de mulheres. Hoje, a violência contra a mulher é reconhecida como preocupação internacional, mas nem sempre foi assim, como já sinalizado. As primeiras mobilizações começaram em meados da década de 70 quando grupos organizados manifestaram preocupação com a impunidade dos crimes chamados de "passionais" que eram amparados pela "legítima defesa da honra". Depois de uma luta incansável pelos direitos das mulheres, chegou-se a promulgação da Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha.

                          Apesar de todas as medidas cabíveis de proteção a mulher ainda não há um concreto respaldo da Lei, porém alguns órgãos não se encontram preparados para receber esse tipo de denúncia. Não dando a devida atenção e procedimentos adequados as mulheres vitimizadas. Esse quatro tende a mudar com a Lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, que decreta a erradicação, punição e proteção a mulher vítima de violência. Portanto, melhorando o atendimento à mulher resultará numa diminuição da incidência de violência.

1.4 Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM – Presidência da República                      

                        A Ouvidoria da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres - SPM é um serviço de atendimento de diálogo entre mulheres vitimizadas e a administração pública. Funciona como um canal estratégico das demandas recebidas, e esse contato acontece através do ligue 180 sendo encaminhado diretamente para a Ouvidoria que analisa cada caso e, quando necessário, toma providências.

                        A Ouvidoria da SPM foi criada em 2003, foi a primeira ouvidoria pública no Brasil destinada às mulheres e às questões de gênero. O serviço de atendimento funciona como um canal estratégico de diálogo e intermediação das demandas das mulheres junto à administração pública. Tem sido crescente a procura pela Ouvidoria da SPM. Foram registrados 2.551 casos, até 2009 na Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – SPM da Presidência da República (2010), com as mais diversas demandas.                

                        É nesse universo de informações que a denúncia de violência doméstica ganha uma dimensão muito grande e atinge 48,76% do total de denúncias recebidas. 

                        O Estado e a sociedade civil são "peças-chave" no combate a violência contra a mulher. Criando campanhas publicitárias para estimular a denúncia da mulher agredida, divulgando e explicando, de forma didática, a Lei Maria da Penha, que tornou crime os atos de violência doméstica e familiar praticados contra as mulheres. Essas campanhas também devem denunciar contextos que agravam a violência e devem ter como foco as diversas formas de violência contra a mulher, desde as questões mais sutis, das violências que são naturalizadas, como a humilhação e os maus-tratos, até à violência física e sexual, as quais as mulheres estão sujeitas desde a infância, cobrando maior envolvimento e responsabilidade do Estado com a prevenção e o combate à violência e suas causas.

                        Vale lembrar a importância do papel da imprensa na denúncia dessas formas de violência e o dever do Estado de garantir os direitos reivindicados e conquistados pelas mulheres brasileiras.

Capítulo II

Lei de proteção:

Identificar os impactos da Lei de proteção da mulher vitimizada a partir da Instituição CEOM de São Gonçalo

2.1 Histórico da Instituição CEOM – Centro Especial de Orientação à Mulher

                        O Centro Especial de Orientação à Mulher – CEOM[12] Zuzu Angel é uma instituição pública municipal vinculada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social com estreita parceria com a Fundação e Secretaria Municipal de Saúde. É especializado no atendimento às mulheres em situação de violência sexual, física e psicológica. Tem como objetivo romper com o ciclo da violência doméstica e de gênero[13], informar acerca dos direitos, ampliar o acesso dessas mulheres à justiça, e fazer com que se permita a construção de uma nova forma de convivência, que pode tanto ser com o agressor ou sem o agressor, ou seja, não cabe ao CEOM dizer para essa mulher o que ela tem que fazer e qual é a sua escolha, e sim ampliar o acesso à informação, para que ela encontre suas respostas. Não cabe a nenhum técnico ou profissional do CEOM tutelar esta mulher e nem resolver a vida por ela, mas apenas apoiá-la, fazer o aconchego sem ser tutelante.

                        Vieira[14] (2010) destaca que em 13 anos foram feitos mais de 42 mil atendimentos e que o CEOM tem como objetivo principal refletir acerca da condição feminina no Brasil, romper com o ciclo da violência doméstica e de gênero, atender os homens autores de violência doméstica e de gênero e estender o atendimento a crianças e adolescentes que são testemunhas ou que viveram violência doméstica. Também realiza atendimento individual, de casal e de grupos em diversas áreas com objetivo de buscar a elevação da auto-estima e o acesso aos direitos individuais e sociais das mulheres, bem como orientar para que as vítimas consigam romper com o ciclo de violência doméstica. O atendimento é feito de forma interdisciplinar através de profissionais das áreas de Serviço Social, Psicologia, Educação, Saúde e Atendimento Jurídico. A Instituição promove palestras internas e nas comunidades através do Projeto Educação e Saúde. Nessas palestras, grupos sócio-educativos e reflexivos abordam temas como saúde da mulher, superação da violência doméstica, combate ao racismo, educação de filhos, alcoolismo, sexualidade e DST/AIDS. 

                        Segundo Vieira (2010), o Centro Especial de Orientação à Mulher - Zuzu Angel[15] foi idealizado pela Assistente Social Marisa Gaspary[16] que luta pelos direitos da mulher em nossa sociedade, sendo fundadora do movimento de mulheres em São Gonçalo que inclui o NACA – Núcleo de Atenção à Crianças e Adolescentes e o NEACA - Núcleo Especial de Atendimento à Criança e ao Adolescente Vítimas de Violência Doméstica e Sexual. Além de ser uma pessoa que tem uma grande inserção nessa questão do movimento feminista. Hoje, o CEOM é um projeto que existe independente de governos, pois ele faz parte do orçamento público.

Bom, o Serviço Social é a porta de entrada da Instituição. Todo o trabalho se inicia por nós Assistentes Sociais. Acho super importante isso, porque nós temos além do olhar da demanda objetiva da mulher, explícita, a demanda explícita e objetiva a gente também tem aqui um olhar para desvelar as demandas implícitas dessa mulher. Algo talvez também relacionado à subjetividade dessa mulher(...) Temos uma equipe interdisciplinar, então eu passo para o colega que vai poder aprofundar na questão(...) Então, mas de qualquer forma o nosso trabalho aqui é esse, dar todo o suporte necessário a mulher que chega aqui com uma fragilidade muito grande. Totalmente desestabilizada emocionalmente e a gente tenta fazer esse trabalho a princípio preocupado com a segurança da mulher e posteriormente uma vez entrando na Instituição a gente tem a preocupação de fazer um trabalho de resgate da auto-estima e trabalhar a relação de gênero que é a nossa proposta(...) A gente não faz um trabalho sozinho, a gente depende de outros companheiros.[17]

                        Carungaba (2010) aponta que quando a mulher vítima de violência doméstica chega ao CEOM quase sempre ela é atendida pela dupla Assistente Social e Psicólogo que escutam o histórico de violência dessa mulher. A irterdisciplinaridade se dá quando todos os profissionais se reúnem para fazer um estudo do caso e elaborar um plano de medidas de segurança para a interrupção dessa violência. Nesse atendimento, será dado a mulher um suporte para que ela seja inserida numa rede de proteção social e que tenha acesso aos seus direitos individuais e coletivos para que possa exercer sua cidadania visando o fortalecimento de sua auto-estima.

A gente não trabalha multidisciplinar aqui porque a gente trabalha interdisciplinarmente. E como é realizado esse trabalho, eu acho que eu já respondi um pouco sobre isso. Cada profissional dentro da sua área de conhecimento ele traz para o caso, porque a gente faz um estudo de caso e a gente começa a pontuar. Cada profissional dentro da sua área de conhecimento, ele começa a dar também orientações aos próprios colegas de como devem conduzir e qual é o caminho que se deve trilhar para poder resolver uma determinada questão. Então o trabalho interdisciplinar a gente busca fazer dessa forma. É justamente nesse ponto que o estudo de casos em que a equipe se reúne e começa cada um dentro da sua área de conhecimento a contribuir para a resolução do caso.[18]

                        Segundo Azambuja e Nogueira (2008), com relação às mulheres em situação de violência, a rede pública de saúde é um dos primeiros pontos de atendimento, e nesse contexto, o Serviço Social participa de todos os avanços e conquistas das mulheres e ressalta que a atuação dos assistentes sociais na área da saúde é de suma importância nesse atendimento. O atendimento a essas mulheres deve ser realizado prioritariamente por uma equipe interdisciplinar para dar suporte às demandas dessas pacientes. As equipes deverão ser formadas por médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social capacitado no atendimento a situações de violência, mantendo bom atendimento à paciente de forma que ela se sinta segura.

                        Dependendo do caso, ela será também encaminhada ao Setor Jurídico que lhe dará todo suporte na questão policial e com relação ao processo judicial. A usuária vitima de violência chega à Instituição muito fragilizada e não consegue perceber os vários caminhos que ela pode percorrer. Esses caminhos não necessariamente são policiais e jurídicos, mas podem ser o diálogo com seu companheiro. Num primeiro momento é feito um trabalho de fortalecimento, de empoderamento para que essa mulher comece a perceber qual é o seu posicionamento na sua relação e quais os seus movimentos para a reconstrução de um ambiente de convivência pacífica com o seu parceiro. Quando isso não é possível a usuária é orientada a tomar medidas preventivas para o afastamento do seu agressor. 

                        Carungaba (2010) assinala que nos casos mais graves de violência contra a mulher existe uma política pública de abrigamento, mas que só é utilizado quando se esgotam todas as possibilidades de encontrar outras alternativas de acolhimento. O CEOM – São Gonçalo, RJ, por estar instalado na região metropolitana atende não somente as mulheres do município, como também as mulheres de toda a região, inclusive as provenientes do município de Niterói que conta com o órgão de atendimento à mulher que é o CODIN – Coordenadoria de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos. Por ser referência no atendimento especializado à mulher vítima de violência, o CEOM acaba tendo uma grande demanda com relação a esse tipo de serviço. O abrigo é provisório e conta com todo um suporte institucional justamente para a mulher refletir sobre tudo aquilo que ela está vivenciando para começar a se reerguer e ser protagonista de suas ações.

O abrigo é sempre pensado como o último recurso para atender essa mulher. Primeiro você tem que tentar o acolhimento dessa mulher na casa de familiares, na rede familiar, a rede social dessa mulher, amigos, enfim que possam acolhê-la. Agora se não tiver, no caso é o abrigo e para isso você precisa ter uma política de abrigamento que infelizmente isso se mostra ainda muito fragilizado. Nós não temos uma política de abrigamento, pelo menos ainda, aqui. Temos logicamente abrigos, inclusive do próprio poder público, mas que não está sediado aqui no município.[19]

                        Normalmente o abrigo fica num local seguro e de endereço não divulgado. Tudo é monitorado: telefones, entradas e saídas, cada caso é um caso. Os profissionais do abrigo são quem irão avaliar cada situação para garantir a integridade das usuárias, que não estão confinadas, mas devem obedecer a critérios estabelecidos para garantir sua segurança e a das demais mulheres abrigadas. Em contrapartida, a usuária está livre para deixar o abrigo a qualquer momento que desejar, desde que ela assine um documento atestando que está saindo do abrigo por sua livre e espontânea vontade e com isso isentando a Instituição de quaisquer responsabilidades futuras em função da desistência do acolhimento.

                        Com a Lei Maria da Penha não existe mais a possibilidade da retirada da queixa policial contra o agressor na delegacia, mas somente perante a um Juiz de Direito. O CEOM não diz o que a mulher tem que fazer, apenas são apontados os caminhos que ela pode percorrer. Quando a usuária demonstra a intenção da retirada da queixa, ela é orientada para que garanta que seu agressor não vai mais importuná-la.

                        O processo de divulgação sobre os serviços prestados pela Instituição o CEOM faz a divulgação através de folders, cartazes, projetos da prefeitura de São Gonçalo e de órgãos de outras esferas governamentais.

                        A equipe interdisciplinar do CEOM é capacitada e qualificada para atender essas demandas. Há a necessidade de uma constante atualização do profissional. É um setor que trabalha com a subjetividade de cada caso. Tem que se trabalhar com o que não está explícito e de se lançar aos novos conhecimentos, as novas dinâmicas. A sociedade não é estática, ela se movimenta e o CEOM procura sempre estar atualizado para acompanhar esses movimentos.

2.1.1Histórico da mulher cidadã Maria da Penha        

                        A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República relata que em 1983 a bioquímica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, hoje aposentada e na época com 38 anos, sofreu duas tentativas de homicídio por parte de seu marido, o professor universitário colombiano Marco Antonio Heredia Viveiros que ela conheceu na Universidade de São Paulo. Na primeira tentativa, ele atirou em suas costas, enquanto ela dormia, o que a deixou paraplégica. Para eximir-se da culpa, o agressor alegou a polícia que se tratava de uma tentativa de roubo. Depois de quatro meses de internação e duas semanas em casa, Maria da Penha sofreu uma segunda tentativa de homicídio por parte do seu marido que desta vez tentou eletrocutá-la, durante o banho, através de um chuveiro elétrico propositadamente defeituoso. Após esse segundo incidente, Maria da Penha resolveu se separar depois de sete anos de casamento e três filhas.

                        Segundo a SSPCE[20], Marco Antonio agiu de forma premeditada, pois já havia tentado convencê-la a assinar um seguro de vida em seu favor e assinar o documento de venda de seu automóvel sem que constasse o nome do comprador. Passados vários anos o agressor continuava em liberdade diante da morosidade do andamento do processo pelos tribunais nacionais e por conta dos muitos recursos utilizados pela defesa do agressor. Em 1994, Maria da Penha publica o livro "Sobrevivi... posso contar" relatando sua incessante luta por justiça e tornando público seu drama pessoal.

                        Esse episódio foi considerado pela primeira vez na história um crime de violência doméstica e chegou a Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) que recomendou ao governo federal brasileiro medidas mais enérgicas nos casos de violência contra a mulher.

                        Foram 23 anos de luta contra a violência doméstica até a aprovação da Lei nº 11.340, em 07 de agosto de 2006, que em sua homenagem é mais conhecida como Lei Maria da Penha. Em 2007, Maria da Penha recebeu uma indenização do governo cearense no valor de sessenta mil reais pela demora injustificável por parte do poder judiciário do Ceará. A Lei reconheceu a gravidade dos casos de violência doméstica, e retirou dos juizados especiais criminais a competência para julgá-los passando para juizados específicos nesse tipo de casos.

                        A partir da aprovação dessa Lei, que entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, houve muitas mudanças em todos os órgãos no que se refere à proteção a mulher. Os órgãos policiais e judiciários tiveram que se adequar e se modernizar em relação ao procedimento de atendimento às vítimas e com relação ao cumprimento da Lei e a aplicação das respectivas penas.  Os órgãos públicos de saúde também sofreram modificações em sua forma de encarar o atendimento médico e psicológico das vítimas de violência.

                        Partindo desse pressuposto, vale lembrar a importância  da  criação de um mecanismo, de uma Lei especial de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra as mulheres.

A nossa Constituição, porém, continua machista. Muitos juízes, muitas pessoas que ocupam cargos no Poder Judiciário e delegados foram criados nessa cultura. Tem que haver uma desconstrução dessa cultura. A violência doméstica diminindo, reflete também na redução da violência urbana. (Fernandes, Maria da Penha Maia, 2010:180)

                        A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (2010) remete que  a condição da mulher ainda é banalizada por alguns órgãos que descaracterizam a construção da coletividade da Lei não dando  a devida proteção à mulher, encaminhando para a delegacia da mulher e alegando não ser da competência deles prestar esse tipo de atendimento. Porém amparar a mulher em situação de violência é obrigação de qualquer delegacia. Fazer o acolhimento e depois tomar as medidas cabíveis para que a mulher saia dessa situação de violência.

                         Enquanto não existia a Lei Maria da Penha, alguns órgãos públicos não sabiam lidar com os casos de violência contra a mulher, naturalizando os fatos. Como era o caso de alguns juízes de direito que faziam o papel de delegados, tratando a situação com descaso: chamavam o agressor  e diziam para ele não fazer mais aquilo; outros iam mais além, marcavam uma audiência de reconciliação entre os casais quando na verdade a mulher queria  o afastamento do seu agressor.

2.1.2 Mecanismos da Lei de Proteção: antes e depois

                        Bastos (2006) salienta que antes da criação de uma Lei específica havia uma banalização da violência contra a mulher. Os órgãos policiais e judiciais, por uma questão cultural, não estavam preparados para lidar com essa problemática que na maioria dos casos gerava arquivamento dos processos e a não aplicação das penas. A nova Lei reconheceu a gravidade dos casos de violência doméstica, e retirou dos juizados especiais criminais, que julgam crimes de menor potencial ofensivo, a competência para julgá-los. Foram criados juizados especiais específicos para cuidar dos casos de violência contra a mulher, com competência para resolver não apenas as questões criminais, mas também as cíveis, relativas às questões do direito de família – como separação, pensões, divisão dos bens comuns e a guarda dos filhos.

                        Com relação à violência contra a mulher não havia uma lei específica que tratasse das relações de gênero. Nesses casos, aplicava-se a lei 9.099/95, que criou os JECRIMs[21]. Esses juizados eram limitados, pois só tratavam da questão penal. Para as questões cíveis (separação, pensão, guarda de filhos) a mulher tinha que abrir outro processo na vara de família. Os Registros de Ocorrências eram padronizados para todos os casos e a mulher podia desistir da denúncia a qualquer momento, na própria delegacia.

                        Era a vítima quem entregava a intimação e não era prevista a prisão preventiva e nem em flagrante do agressor. Quase sempre a mulher vítima de violência comparecia às audiências sem assistência de um advogado e não era informada sobre o andamento do processo. O afastamento do agressor não era obrigatório e não era previsto o comparecimento do mesmo a programas de recuperação e reeducação. Normalmente, os agressores só eram condenados a penas pecuniárias, como cestas básicas e multas.

                        Rifiotis (2004) salienta que a primeira DEAM – Delegacia Especial de Atendimento à Mulher foi implantada em 1985, em São Paulo. Essas delegacias se caracterizam como uma das portas de entrada das mulheres na rede de serviços, cumprindo o papel de investigar, apurar e tipificar os crimes de violência contra a mulher. A polícia facultará à vítima a proteção necessária, o encaminhamento a atendimento médico e ao Instituto Médico Legal, para exames de corpo de delito, o transporte a abrigos seguros em caso de risco de morte, o acompanhamento para a retirada de seus pertences de sua casa e o acesso à informação sobre seus direitos e aos serviços de reparação disponíveis. A mulher passará a ser notificada de todas as etapas processuais, especialmente das datas de ingresso e de saída do agressor da prisão.

                        O judiciário tem contribuído para redução no combate à impunidade com efetiva conclusão dos inquéritos policiais e a prisão dos agressores e a difusão dos direitos da Lei Maria da Penha. As mulheres são orientadas a procurarem a autoridade policial desde o primeiro ato de violência. O agressor poderá ser preso em flagrante e sua prisão preventiva poderá ser decretada pelo Juiz, quando houver riscos à integridade física ou psicológica da vítima. A nova Lei permitiu ao Juiz que determine o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação comportamental.

                        Como também o afastamento do agressor do seio familiar no caso de violência doméstica, a ser decretada pelo Juiz dos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; limite mínimo de distância entre o agressor e a agredida, familiares e testemunhas ou contato por qualquer meio de comunicação; suspensão de visitas aos dependentes menores. Uma vez feita a denúncia, a mulher só poderá desistir do processo perante o juiz, e não mais na própria delegacia, como já sinalizado. E, ao contrário do que acontecia no passado, não mais poderá entregar pessoalmente as intimações judiciais ao seu próprio agressor. A nova Lei prevê que em todas as audiências a mulher esteja acompanhada de advogado ou defensor habilitado. A violência doméstica passou a ser prevista no Código Penal como agravante cuja pena mínima foi reduzida para três meses e a máxima aumentada para três anos ficando proibidas as penas pecuniárias.

                         A minha inserção nessa área, logicamente, se deu posterior a Lei Maria da Penha, mas fundamentado nas falas de vários outros profissionais que estão na militância há muitos anos, logicamente que o problema antes da "Maria da Penha" era o fato de que toda a agressão contra a mulher, a violência contra a mulher são considerados uma violência, uma agressão de um baixo potencial intensivo, enfim não era considerado um crime, nada. Com um caráter bem ameno, não era uma coisa grave e com a Lei Maria da Penha o agressor passou a responder por essas agressões e podendo ser até mesmo preso, num período de três meses a três anos de detenção. Então esse, eu acho, que foi um grande ganho, uma grande conquista. A Lei Maria da Penha é uma conquista, apesar de vários equívocos. Não digo equívocos exatamente, mas brechas como em todas as legislações. Todas as legislações tem, então a Lei Maria da Penha também têm e muitos julgamentos são feitos, baseados na interpretação pessoal do operador de direito.[22] 

                        Depois da criação da Lei nº 11.340/2006, Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher foi tipificada e definida em suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial, econômica e moral. É da competência dos juizados julgarem os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher e define que independe da orientação sexual.                                                    

Estamos escrevendo uma nova página na história de enfrentamento à discriminação e à violência contra a mulher(...) Hoje a Secretaria desenvolve um trabalho integrado com outros 14 ministérios do Governo Lula, um trabalho que tem transformado a realidade de mulheres por este país. (FREIRE, 2009).[23]

                        Miranda (2007) afirma que a Lei reforça o papel do Ministério Público na defesa dos direitos individuais e sociais indisponíveis, com destaque para a tutela da dignidade da pessoa humana. A Lei nº 11.340/2006 contemplou a atuação do Ministério Público, consagrando sua posição como órgão agente ou interveniente, inclusive no que diz respeito à tutela coletiva. A competência para julgamento dos crimes em que haja violência doméstica e familiar contra mulher a caberá aos Juizados de Violência Doméstica e Familiar. As Defensorias Públicas de Atendimento à Mulher são uma política pública inovadora e recente, constituindo uma das formas de ampliar o acesso à Justiça e garantir às mulheres a orientação jurídica adequada, bem como o acompanhamento de seus processos. Qualquer crime no qual haja violência doméstica ou familiar contra a mulher, ainda que de menor potencial ofensivo, deverá haver inquérito policial. Não será possível a aplicação, como pena alternativa, de pena de prestação de "cestas básicas" ou de outra prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de pena de multa.

                        O conceito de rede de enfrentamento à violência contra as mulheres tem como finalidade normatizar, padronizar e orientar para o atendimento imediato e prioritário às mulheres vítimas de violência. Deve ser uma atuação integrada entre as instituições, os órgãos governamentais, não-governamentais e a comunidade, visando o desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que preserve os direitos das mulheres, responsabilizando os agressores e dando assistência qualificada às mulheres em situação de violência, sendo composta por: agentes formuladores, fiscalizadores e executores de políticas voltadas para as mulheres; serviços e programas voltados para a responsabilização dos agressores e serviços especializados de atendimento as mulheres em situação de violência.

                        Esse atendimento traz em seu conteúdo um conjunto de ações e serviços de diferentes setores, em especial, da assistência social, da justiça, da segurança pública e da saúde, que visam a ampliação e a melhoria da qualidade desse atendimento; a identificação e o encaminhamento adequado das mulheres em situação de violência; e à integralidade e à humanização desse atendimento.

                        Em 2007, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, órgão ligado diretamente à Presidência da República, criou o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.

                        Esse Pacto é parte da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres e trabalha todas as diretrizes da política, principalmente o fortalecimento dos serviços da Rede de Atendimento às Mulheres em situação de Violência e a implementação da Lei Maria da Penha. Além das instâncias federais, o Pacto deverá contar com a parceria do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - CNDM, do Ministério Público, do Poder Judiciário, de organismos internacionais, dos governos estaduais e municipais, dentre outros parceiros.

                        Esse Pacto é uma iniciativa do Governo Federal voltada para o desenvolvimento de um conjunto de ações em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, que visa o enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres, com atenção especial às mulheres negras, indígenas e àquelas que vivem no campo e nas florestas.

                        A violência contra as mulheres é um drama complexo e muito mais freqüente no Brasil do que se imagina. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope[24], solicitada pelo Instituto Patrícia Galvão[25], em 2006, para 55% da população a violência é um dos três principais problemas que afligem as mulheres e 51% dos entrevistados declararam conhecer ao menos uma mulher que já foi agredida pelo seu companheiro. E para lidar com um problema que envolve relações afetivas, projeto de vida, dor, vergonha e humilhação, é necessária a adoção de políticas públicas acessíveis a todas as mulheres e que englobem as diferentes modalidades nas quais a violência se expressa.

                        Blay (2003) diz que sociedade civil tem participação importante na temática da violência contra a mulher. Começando pelos movimentos feministas passando por ONGs e associações que constantemente promovem fóruns e debates visando a aplicação da Lei e o aparelhamento dos setores: policial e judiciário.

                        Além de combater a violência punindo os agressores é preciso evitar que a violência aconteça. Para isso, é necessário que governos e a sociedade civil trabalhem juntos para mudar a cultura machista e patriarcal que justifica e estrutura a violência. Toda mulher tem o direito a uma vida livre de violência.

2.2 Medidas protetivas e punitivas no enfrentamento da violência doméstica contra a Mulher

                        Em seus 25 anos de existência, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAMs vem sofrendo sérias mudanças estruturais. A questão de gênero no Brasil tem gerado diálogos entre o governo e os movimentos de lutas pelos direitos das mulheres. Existindo em praticamente todas as regiões do país, as DEAMs integram a estrutura da Polícia Civil, a qual é um órgão integrante do Sistema de Segurança Pública de cada estado e não possuem uma padronização. A tentativa de regulamentação tornou-se inviável, tendo em vista a independência dos estados em sua administração e essa falta de padronização, compromete a assistência às mulheres vítimas da violência.

                                        Para fazer frente às demandas de igualdade de gênero foi criado, em 1983, o primeiro Conselho Estadual da Condição Feminina em São Paulo. Em 1985, criou-se a primeira Delegacia de Defesa da Mulher, órgão eminentemente voltado para reprimir a violência contra a mulher (Massumo, 2002).[26]

                        Segundo Soares (1999) a criação das DEAMs gerou expectativas e frustrações.  Achou-se, num primeiro momento, que essa violência silenciosa teria uma visibilidade maior tornando-se pública e criminalizada. Porém, foi muito reduzido o número de atendimentos feitos por essas Delegacias Especializadas que efetivamente transformaram-se em processos encaminhados à justiça.

                        Como Delegacia Especializada, cabe as DEAMs incorporar, prevenir, registrar, investigar e reprimir atos ou condutas que configurem infrações penais contra mulheres em situação de violência. Devem realizar ações de prevenção, repressão, investigação e enquadramento legal, sempre pautadas no respeito aos direitos humanos. Tendo em vista a sua especialização, as mulheres em situação de violência de gênero devem ser as beneficiárias diretas das DEAMs e consideradas como sujeitos de direito.

                        Os atendimentos devem ser conduzidos por profissionais policiais qualificados e habilitados que deverão realizar todos os procedimentos cabíveis para elucidar o fato que configure infração penal, bem como encaminhar a mulher atendida para a Rede de Atendimento à Mulher em situação de violência. Em função da especificidade do fenômeno da violência de gênero, o atendimento deve ser caracterizado pela privacidade. Segundo o artigo 1° da Convenção de Belém do Pará[27], todo ato de violência cometido contra a mulher que configure crime ou contravenção penal deve ser de atribuição de investigação e apuração das DEAMs.

                        O primeiro contato entre os agentes públicos e a usuária é um passo primordial. A forma como será conduzido esse primeiro atendimento é o que possibilitará a abertura de um eventual processo criminal contra o agressor.

Além de sua especialização em crimes contra as mulheres, o atendimento deveria ser prestado por policiais do sexo feminino. Grupos feministas participaram no processo de criação e implementação deste tipo de delegacia, que envolveu negociações entre feministas, o governo e a Polícia Civil com respeito à delimitação das atribuições e ao modo de funcionamento (SANTOS,1999).[28]

                        Os agentes da lei, qualificados profissionalmente, preferencialmente do sexo feminino e com compreensão do fenômeno da violência de gênero, deverão certificar-se de que a sala de espera tenha ambientes separados para a vítima e seu suposto agressor; proporcionar um atendimento humanizado em local adequado para manter a privacidade da mulher e do seu depoimento; eximir-se de qualquer forma de preconceito ou discriminação em relação às mulheres vítimas de violência e ter uma escuta qualificada, sigilosa e não julgadora. É primordial para esses agentes, conhecer as diretrizes e procedimentos da Delegacia Especializada e possuir material de informação e de orientação para essas mulheres.

                        O próximo passo, mais técnico, baseia-se em esclarecer e informar a essa mulher sobre os seus direitos e de todas as fases do processo criminal, de maneira clara, sem utilização de termos ou jargões jurídicos. Encaminhar, se necessário, a vítima para os serviços que compõem a Rede de Atendimento: Centro de Referência, IML[29], Serviços de Saúde, Assistência Social e Justiça; disponibilizar material informativo sobre os direitos da mulher e violência de gênero.

                        A inserção de dados no Boletim de Ocorrência deverá ser o mais completo possível, como forma de facilitar a elucidação do crime.  Isso é determinante para a efetiva qualidade probatória do inquérito policial e, consequentemente, para que ocorra o pronto oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. Os Boletins de Ocorrências devem ser padronizados e especificar as circunstâncias da infração penal. Ao narrar os fatos, a mulher vítima de violência deve ser estimulada a informar os casos de agressões e ameaças anteriores, sua frequência, as circunstâncias como ocorreram, a existência de registros policiais anteriores, bem como a presença de testemunhas.

                        Dentre esses procedimentos básicos, alguns são de maior relevância para o esclarecimento dos fatos e a efetiva condenação do agressor como: identificar qual a real relação da vítima com o seu agressor; efetuar diligências buscando informações junto à Central de Inteligência ou outro órgão de informação na tentativa de melhor conduzir a ocorrência criminal; assegurar a privacidade do depoimento e sigilo do seu conteúdo; adoção de medidas protetivas para a vítima e sua família, encaminhando-a para um Centro de Referência para que possa ser atendida pelo serviço mais adequado como a Casa Abrigo, em caso de alto risco, ou alternativas mais adequadas às situações específicas; representar junto ao Sistema Judiciário pela prisão preventiva ou outras medidas de restrição da liberdade do agressor, em casos de grave ameaça à integridade física ou psicológica da vítima.

As Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher são consideradas a mais importante inovação institucional brasileira na área da violência, com importante repercussão em outros países da América Latina. Sobretudo, por terem introduzido o mundo da lei, da justiça e da impessoalidade no âmbito privado, no reino da dignidade conjugal. (...)As DEAMs constituem a principal política pública de combate e prevenção a violência contra a mulher no Brasil, especialmente a violência conjugal. Sua função legal é detectar transgressões à lei, averiguar a sua procedência e criminalizar a violência doméstica. (MORAES E SORJ, 2009:14) 

                        Barsted (1994) salienta que o movimento feminista apresentou, na década de oitenta, aos Poderes Legislativo e Executivo, projetos de lei para a criação das DEAMs, incentivando e encorajando as mulheres a denunciarem seus agressores e facilitando a abertura de processos criminais e a  consequente condenação dos réus.  Um dos principais objetivos desse movimento era dar visibilidade aos crimes cometidos contra as mulheres.

                        Coordenar e determinar as investigações necessárias para esclarecimento da ocorrência policial; proceder busca e apreensão, devidamente autorizadas pelo Poder Judiciário, na residência, de armas que possam estar em posse do agressor; identificar e ouvir todas as pessoas que possam trazer elementos de elucidação do crime e suas circunstâncias, independente da idade ou vínculo de parentesco; concluir o Inquérito Policial encaminhando-o ao Judiciário. O inquérito policial tem por finalidade servir de base para a instauração da ação penal pública, ou para a ação penal privada. A primeira, a ser promovida pelo órgão do Ministério Público, e a segunda, pelo ofendido através de um advogado.

                        Caberá a Coordenação das Delegacias Especializadas promover acordos com o Ministério Público e o Poder Judiciário, a fim de elaborar e implantar um sistema e banco de dados on-line que contenha informações relativas ao desdobramento das ocorrências em sua fase judicial. Esse sistema deverá conter informações que permitam a pesquisa rápida dos registros, contendo campos como: data, qualificação das partes e local da ocorrência; o sistema servirá como instrumento para busca de ocorrências anteriores, orientando a maior rapidez no atendimento e encaminhamento da mulher; quando forem localizados registros policiais anteriores, a mulher deverá obrigatoriamente ser encaminhada a um Centro de Referência ou a uma Casa Abrigo.

                        Acompanhar o retorno da mulher vítima à Delegacia, registrando em banco de dados próprios e estabelecer junto à Rede de Serviços uma rotina de referência para monitorar os serviços prestados às mulheres encaminhadas à Rede; os policiais devem realizar encontros sistemáticos que possibilitem a formação continuada das equipes para a construção de uma dinâmica própria com vistas a promover o constante aprimoramento dos serviços oferecidos pelas DEAMs.

                        Barsted (1994) diz que também é atribuição da Coordenação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher assessorar as políticas de segurança pública da mulher e dar acompanhamento permanente às Delegacias Especializadas; acompanhar os desdobramentos dos casos mais graves atendidos pelas DEAMs; articular com a rede de serviços, privilegiando o encaminhamento das mulheres em situação de violência aos Centros de Referência facilitando o acesso aos serviços de saúde e qualquer outro serviço que se faça necessário.

                        Proceder estudos a respeito do perfil dos policiais que atuam nas Unidades Especializadas, indicando os critérios a serem adotados para a sua seleção; promover reuniões para fortalecimento junto a Rede de Atendimento entre as diversas Delegacias Especializadas, visando estabelecer um sistema de referência para acompanhar as mulheres atendidas; coordenar e administrar um banco de dados sobre violência de gênero e proceder à interpretação e análise dos dados para informação e divulgação que serão utilizados pelas unidades especializadas no planejamento das suas ações; participar de estudos e pesquisas sobre violência de gênero; propor a realização de cursos de formação continuada para os profissionais que atuam nas DEAMs e fiscalizar uma efetiva aplicação de atendimento psicossocial para esses profissionais;fazer visitas periódicas as DEAMs e realizar reuniões periódicas com suas equipes.

                        Essas Delegacias Especializadas devem ter um quadro próprio de recursos humanos com uma definição padrão de cargos e número de ocupantes, pela natureza e especificidade do trabalho, além do volume de ocorrências e atendimentos. Os profissionais que atuarem nesta Delegacia Especializada devem desempenhar suas atividades por um período mínimo de dois anos, em razão do investimento necessário a sua formação e aperfeiçoamento profissional especializado.

                        Blay (2003) aborda nessa temática o papel da sociedade civil na fomentação de políticas públicas que possibilitem suporte no atendimento as mulheres agredidas como: movimentos feministas, ONGs e associações de mulheres, bem como delegacias especializadas, promotorias e juizados específicos que garantam à aplicação das leis de proteção as mulheres. É imprescindível a implantação de uma Rede Integrada de Atendimento às Mulheres, construindo e estabelecendo uma parceria de relações entre todas as Políticas, Serviços e Instituições, articulando-as à interdisciplinaridade das questões relativas ao gênero de modo a garantir o acompanhamento, em todas as fases, do atendimento às mulheres, que buscarem qualquer um dos serviços.

                        Destaca-se a atuação dos Centros de Referência como um local de acolhimento que possibilita uma reflexão sobre a condição feminina e a violência de gênero, como também de apurar e investigar a violação de direitos e infrações penais, e possibilitar a punição dos agressores, além de encaminhar as usuárias para os serviços de saúde, de assistência social, de qualificação profissional e de natureza jurídica.

                        As DEAMs devem estimular e apoiar ações preventivas, no âmbito da Rede de Atendimento, que venham contribuir para a superação efetiva da violência contra as mulheres. O papel da prevenção deve ser considerado como fator importante da prática policial, com fins de redução dos índices de violência e dentre essas ações preventivas, podemos destacar a atuação para a transformação dos valores discriminatórios ainda praticados pela sociedade brasileira.

                        O preconceito ainda existente contra as mulheres está enraizado na mente e no espírito da maioria da população, presentes nas práticas das instituições, denotando a necessidade de mudanças e de renovação nas práticas sociais; promoção de informação sobre as políticas públicas de enfrentamento à violência de gênero; criação de espaços no âmbito das políticas sociais e de assistência judiciária, para o atendimento aos agressores; valorização profissional das mulheres policiais, discutindo quais as suas prioridades, necessidades e demandas; divulgação da Central de Atendimento à Mulher, "Ligue 180".

2.3 Direitos Humanos da Mulher: conquista no século XXI

                        Quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, os governos reconheceram os direitos humanos sem qualquer tipo de distinção e/ou discriminação, contudo isso não foi suficiente para quebrar a barreira do machismo em várias sociedades com suas culturas, dogmas e códigos sociais. Falar de direitos humanos das mulheres é relembrar uma série de violações da condição feminina no mundo atual que implica na ausência de direitos no plano econômico, político e social, sem se esquecer da violência a que estão expostas em casa, na rua, no trabalho e das privações vividas no lar.

                         A Constituição Federal de 1988 é um marco em relação aos direitos humanos das mulheres e de sua plena cidadania. Mérito da luta das próprias mulheres que com ações direcionadas ao Congresso Nacional, apresentando emendas populares e com a mobilização de movimentos feministas tiveram como resultado a inclusão da igualdade de direitos.

"Qualquer ato de violência baseado na diferença de gênero, que resulte em sofrimentos e danos físicos, sexuais e psicológicos da mulher; inclusive ameaças de tais atos, coerção e privação da liberdade seja na vida pública ou privada". (Conselho Social e Econômico, Nações Unidas, 1992).[30]

                        Segundo Teles, (2006) baseado em ações do feminismo mundial e nos estudos sobre as questões de gênero, a banalização da violência contra a mulher vem sendo, cada vez mais, desvelado para a opinião pública. Nesse contexto, conclui-se que essa violência não é consequência das diferenças sociais entre homens e mulheres, mas sim, resultado de seus papéis na sociedade.

                        Em 1979, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotaram a "Convenção de Eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher", conhecida como a Lei Internacional dos Direitos da Mulher. Essa convenção define o que se constitui discriminação contra a mulher e estabelece uma agenda de ações a fim de acabar com a discriminação. A ‘Convenção de Belém do Pará', como ficou conhecida a "Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher", determinou que a mulher esteja protegida pelos demais direitos previstos em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. A Convenção confere ao Estado o dever de proteger a mulher da violência no âmbito privado e público; e de tomar medidas para prevenir essa violência, bem como investigar e responsabilizar os agressores.

                        A Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher são dois tratados internacionais específicos sobre os direitos da mulher que foram assinados e ratificados pelo governo brasileiro. Esses tratados geraram novos direitos para as mulheres que passam a contar com uma instância internacional, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, isso quando todos os recursos disponíveis no nosso país falharem na realização da justiça. Criou-se então, obrigações para o Brasil junto à comunidade internacional.

                        No ano de 1993, em Viena, na Áustria, a Conferência Mundial dos Direitos Humanos reconheceu, num foro internacional, os direitos das mulheres como direitos humanos e onde foi usada pela primeira vez a expressão ‘Direitos Humanos das Mulheres'. Nessa ocasião, o movimento de mulheres levantou a bandeira de luta "Os Direitos das Mulheres também são Direitos Humanos", conquistando avanços significativos. Com isso, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a Resolução 48/104, de 20 de dezembro de 1993, que contém a Declaração sobre a Violência contra a Mulher.[31] A IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing (Pequim), na China, de 4 a 15 de setembro de 1995 reconheceu definitivamente os direitos da mulher como direitos humanos. Por ocasião do aniversário de cinqüenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1998, tais conquistas foram consideradas inalienáveis e constituem parte integral dos direitos humanos universais.

                        A ratificação por parte de 184 países, em setembro de 2006, da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher estabeleceu em termos cada vez mais concretos os desafios a serem enfrentados e as ações necessárias para aumentar o poder da mulher.

2.3.1 Direitos das Mulheres

                       Devemos definir alguns conceitos para entendermos a construção de uma proposta de Direitos Humanos para as mulheres: como forma de garantir a posse da terra e da herança familiar, o sistema patriarcal tentava controlar a sexualidade feminina, bem como seu ciclo reprodutivo; enquanto os homens saiam para o trabalho, para o jogo do poder, da guerra, do conhecimento e usufruíam do espaço público, as mulheres eram relegadas ao ambiente doméstico e a criação dos filhos; às mulheres, foi relegada a submissão e a inferioridade em relação aos homens; a violação de seus direitos se fez invisível aos olhos da sociedade. Enfim, o feminismo surgiu para desvendar a dimensão histórica do papel das mulheres, contribuindo para a mudança dos modelos da sociedade moderna e seus direitos humanos.

                        A violência contra as mulheres tem cifras alarmantes e crescentes. Ocorrem dentro de suas próprias casas e não se trata só de violência doméstica, que inclui a violência física, sexual e a psicológica, mas também, o assédio sexual nos locais de trabalho, a violência nas ruas, nos meios de comunicação e nas instituições públicas. Nesse caso, a violência se dá no maltrato ao atendimento à mulher. Cabe também mencionar, em se tratando de violações aos direitos humanos das mulheres, o tráfico de mulheres, a prostituição, a escravidão e o turismo sexual. Os jornais estampam diariamente estas violências específicas e terríveis contra as mulheres.

                        Barsted e Hermann (1999) salientam que é direito da mulher desfrutar da saúde física e mental. É de plena satisfação e bem-estar para a vida da mulher e em consonância com a sua capacidade de participar em todas as redes, pública e privada. Traduzindo a saúde como ponto de ausência de enfermidade não significa um estado condizente ao seu bem-estar emocional, físico e social. Nesta ótica, abarca a saúde da mulher fatores biológicos no meio em que vive através do contexto social, político e econômico. Todavia, na prática, o direito à saúde não é para todas. A maioria das mulheres não tem acesso a saúde e não alcança esse bem-estar. Esse impasse dificulta a mulher de chegar a níveis mais altos, visto que esse quadro está associado a desigualdade entre homens e mulheres; e de mulheres de diferentes regiões, classe social, grupos indígenas e étnicos.

                        Outro fator relevante está ligado ao acesso aos recursos básicos de saúde nos serviços de atendimentos no que diz respeito à prevenção e na sua utilização, caracterizando uma desigualdade. Nesse sentido, corrobora que as oportunidades da mulher também são desiguais no que tange à proteção, à promoção e à manutenção da saúde.

                        A desigualdade de gênero na educação brasileira foi reduzida quando se falou no acesso e permanência dos alunos no processo educacional. Com isso, o índice de escolarização tem aumentado com relação às mulheres se comparado com o número de homens. Verifica-se que os meninos deixam de frequentar a escola no ensino médio em maior proporção que as meninas e que no ensino superior o número de mulheres é maior, tanto nos cursos de graduação como de pós-graduação.

O crescimento da renda das famílias, a oferta de crédito, a demanda por imóveis e o investimento em obras públicas são algumas das tendências que indicam o aquecimento desse setor. Isso amplia a demanda por mão-de-obra, gerando novos postos de trabalho. A capacitação das mulheres permite a ocupação de novos campos de atuação profissional e contribui para a redução da desigualdade e discriminação de gênero no mundo do trabalho (SPM, 2010: 22).

                        É preciso avançar nos direitos das mulheres para modificar uma situação de enormes diferenças salariais e de desigualdades. Quando as mulheres se incorporam ao mercado de trabalho, o fazem acumulando obrigações domésticas, expressa na chamada "dupla jornada de trabalho". É importante mencionar também que no Brasil, as mulheres sempre participaram do mercado de trabalho, gerando riqueza apesar da ausência de remuneração. Ao levar em conta a renda resultante do trabalho, continuamos encontrando um cenário de desigualdades. As desigualdades de gênero no mercado de trabalho, como vemos, são fortes e continuam gravemente marcadas pela desvalorização das mulheres e a falta de igualdade de oportunidades.

                        O ingresso das brasileiras na política institucional ainda é tímido, e apesar de possuírem, atualmente, níveis de escolaridade superiores ao masculino e de estarem cada vez mais presentes no mercado de trabalho, em nenhum âmbito da vida social a participação de mulheres e homens é tão desigual como no exercício do poder. Seja em cargos eletivos, em postos de direção nos órgãos executivos ou no sistema judiciário, o poder ainda é predominantemente ocupado por homens.

                        O direito das mulheres de participarem da esfera pública, particularmente das instâncias de decisão, sobretudo o direito de se habilitarem a cargos executivos ou legislativos, foi conquistado através de um longo processo de lutas. Devido à pressão organizada pelos movimentos de mulheres, o problema do acesso aos cargos de decisão passou a ser objeto de atenção de governos e organismos internacionais.

Considerações Finais

                       A partir da ótica expressa na dinâmica vivenciada de violência conjugal, que é repleta de conflitos e agressões, é possível apontar a dimensão histórica e contemporânea mediante a pertinência relatada por alguns autores relacionados nessas questões de consonância da realidade dessas mulheres. Diante das reflexões e questionamentos propostos neste trabalho de conclusão de curso, avaliamos o desempenho e a contribuição da Instituição CEOM – Centro Especial de Orientação à Mulher no Município de São Gonçalo – RJ, que desenvolve um trabalho de apoio e orientação as mulheres agredidas. A Instituição faz parte dessa rede de atendimento, sendo um centro de referência baseado no enfrentamento, apoio, reflexão e resgate da auto-estima das mulheres vitimizadas. 

                        O cotidiano das mulheres desse estudo é regado de agressões, transtorno psicológico, cárcere privado, fatores econômicos, humilhações e passando pelas fases que completam o ciclo das consequências a que elas são submetidas.

                        A mulher se revela presa emocionalmente e financeiramente em relação ao seu companheiro dificultando o seu rompimento. Consequentemente, aguentam por muito tempo esse clima de violência por parte de seus companheiros, pois suas perspectivas são pequenas configurando perdas intensas em sua qualidade de vida.

                        A violência contra a mulher não é algo novo, sempre existiu, mas ao longo do tempo vem ganhando notoriedade, principalmente após a Lei Maria da Penha, criada em 2006.  E, a partir dessa nova Lei, houve todo um processo de mudanças, medidas e gerenciamentos no que tange as políticas públicas e sociais no mais novo processo desse contexto legal brasileiro. Porém, a mudança ocorre na medida em que a sociedade se conscientiza sobre novos valores, conceitos, costumes e culturas que ao longo do tempo vem reproduzindo na questão cultural e de gênero. A naturalização da violência é percebida nesse caminho traçado há muito tempo, socialmente construído ao longo desses anos.

                        É influenciada e determinada por dogmas, quando há divisão social, econômica, política e crenças dentro da nossa sociedade. Nota-se então que essa construção ainda faz parte do cotidiano da sociedade brasileira, pois é preciso desconstruir esses estereótipos em busca de mudanças de comportamentos da sociedade civil e em políticas públicas efetivas em diversas áreas como: saúde, educação, delegacias especializadas (DEAMs) e órgãos do judiciário (defensorias públicas e juizados, centros de apoio e orientação).

                        Essas ações preventivas no âmbito da rede de atendimento é um fator importante da prática nas esferas protetivas que visam contribuir para a superação da violência contra a mulher. Percebe-se também que as DEAMs não são padronizadas, necessitando de mudanças e de renovação em suas práticas de atendimento qualificados e unificados entre suas redes. Pois, essas delegacias especializadas constituem a principal política pública na prevenção e combate na violência contra a mulher e é considerada a mais importante inovação constitucional brasileira na esfera da violência, contudo a independência dos estados em sua administração e com a falta de padronização, cria-se um obstáculo ao pleno atendimento as mulheres vitimizadas. Um dado relevante na organização dessas delegacias especializadas é com relação à capacitação e a valorização dos profissionais dessa área.

                        As organizações internacionais e os movimentos feministas também têm grande participação nos avanços dos direitos humanos das mulheres, pois atuam como reguladores e fiscalizadores para o efetivo reconhecimento, criação e aplicação das leis de proteção. A Constituição Federal de 1988 é um ‘divisor de águas' no que diz respeito à violência doméstica. A partir da aprovação da nova "Carta Magna" a questão de gênero no Brasil deixou de ser vista com banalização e naturalização, sendo tratada apenas como casos intra-familiares e passou a ser encarado como um problema grave na questão social.                                                                                              

                        Enfim, o objetivo desses conectivos da Lei 11.340/2006 - Lei Maria da Penha na sua implementação com relação à adequação as redes de proteção está voltada para questões no comprometimento e esclarecimento dos profissionais envolvidos no atendimento dos casos de violência. É preciso que todos os órgãos estejam capacitados e adequados, e que exista uma rede articulada entre todas essas áreas.       

                        É de suma importância incluir nesse estudo não somente o histórico da mulher agredida, mas também sincronizar os mecanismos de todos os órgãos que possam proteger a classe feminina, fazendo uma avaliação mais contundente que seja atribuída à aplicação da Lei Maria da Penha e com essa evolução, permitir à mulher uma vida digna, plena e sem violência.

 

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[1] Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006 que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências

[2] O Código de Hamurabi é um dos mais antigos conjuntos de leis escritas já encontrados, e um dos exemplos mais bem preservados deste tipo de documento da antiga Mesopotâmia. Segundo os cálculos, estima-se que tenha sido elaborado pelo rei Hamurabi por volta de 1700 a.c. (Lima, JB. 1983).

[3] Culturais, sociais, morais dentre outros.

[4] Relatório da CPI da Violência Contra a Mulher. Brasília: Congresso Nacional. 1992

[5] Convenção Interamericana realiza em 1994 para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.  A Convenção do Belém do Pará foi adotada por aclamação na Assembléia da OEA (Organização dos Estados Americanos) e ratificada pelo Estado brasileiro, em novembro de 1995.

[6] Fundação Perseu Abramo (2001). A mulher brasileira nos espaços públicos e privados. Pesquisa nacional realizada pelo Núcleo de Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo, contendo uma amostra de 2502 entrevistas pessoais e domiciliares, estratificadas em cotas de idade e peso geográfico por natureza e parte do município segundo dados da contagem populacional do IBGE (1996 e do Censo Demográfico de 2000).

[7] AZEVEDO, Maria Amélia e GUERRA, Viviane N. de Azevedo. (Orgs.). Infância e violência doméstica: fronteira do conhecimento. 3. Ed. São Paulo: Cortez, 2000.

[8] Esse é apenas um padrão geral que em cada caso vai se manifestar de modo diferenciado. É importante conhecer o ciclo de violência para ajudar as mulheres a identificá-lo, quando for o caso e impedir que ele se reproduza.

[9] Do foro judicial, dos tribunais ou a eles relativo.

[10] SOUTO, Cláudia Maria Ramos Medeiros e BRAGA, Violante Augusta Batista. Vivências da vida conjugal: posicionamento das mulheres

[11] LIMA, Daniel Costa, BÜCHELE, Fátima e CLÍMACO, Danilo de Assis. Homens, gênero e violência contra a mulher

[12] CEOM - Centro Especial de Orientação à Mulher - Zuzu Angel situado à Rua Camilo Fernandes s/nº - Neves – São Gonçalo - RJ

[13]Gênero - entendido aqui como uma categoria de análise social que permite perceber a relação social de homens e mulheres como uma relação de poder, situando o problema da subordinação feminina, historicamente construída no sistema patriarcal.

[14] Vieira, Regina Célia Leal Marques, secretária de Integração e Políticas para as Mulheres do município de São Gonçalo - RJ

[15] Zuzu Angel foi uma estilista brasileira, mãe do militante político Stuart Angel Jones que foi preso e morto nas dependências do DOI-CODI. O corpo de Stuart nunca foi encontrado. A partir daí, Zuzu entraria em uma guerra contra o regime militar pela recuperação do corpo de seu filho. Essa luta só terminou com sua morte, ocorrida na madrugada de 14 de abril de 1976, num "acidente" de carro no Rio em circunstâncias então mal esclarecidas.

[16] Gaspary, Marisa Chaves de Souza, é Assistente Social, formada em 1986 pela UERJ; especialização na UFF em Metodologia de Serviço Social; mestrado na ESS/UFRJ e cursos em Políticas Públicas e Governo, pela UFRJ.

[17]Carungaba, Luiz Alberto Cândido de Oliveira. Assistente Social, CRESS/RJ: 17829 - 7ª Região, Centro Especial de Orientação à Mulher - Zuzu Angel, 2010.

[18] Carungaba, Luiz Alberto Cândido de Oliveira. Assistente Social, CRESS/RJ: 17829 - 7ª Região, Centro Especial de Orientação à Mulher - Zuzu Angel, 2010.

[19] Carungaba, Luiz Alberto Cândido de Oliveira. Assistente Social, CRESS/RJ: 17829 - 7ª Região, Centro Especial de Orientação à Mulher - Zuzu Angel, 2010.

[20] Secretaria de Segurança Pública do Ceará

[21] JECRIM - Juizados Especiais Criminais onde só se julgam crimes de "menor potencial ofensivo" com penas máximas de dois anos de reclusão.

[22] Carungaba, Luiz Alberto Cândido de Oliveira. Assistente Social, CRESS/RJ: 17829 - 7ª Região, Centro Especial de Orientação à Mulher - Zuzu Angel, 2010.

[23] FREIRE, Nilcéa. Ministra da Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres. Entrevista, de 24 de março de 2009. 

[24]Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística

[25] O Instituto Patrícia Galvão é uma organização social sem fins lucrativos fundada em 2001 e a primeira a atuar no campo do direito à comunicação e dos direitos das mulheres no país.

[26] MASSUMO, Elizabeth. "Delegacia de Defesa da Mulher: uma resposta à violência de gênero". In BLAY, Eva A. Igualdade de oportunidades para as mulheres. São Paulo, Humanitas/FFLCH/USP, 2002.

[27] Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher adotada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos em 6 de junho de 1994 e ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995.

[28] SANTOS, Cecília MacDowell. "Delegacias da Mulher em São Paulo: Percursos e percalços", in Rede Social de Justiça e Direitos Humanos (org.). Relatório de Direitos Humanos no Brasil 2001. Rio de Janeiro: Editora Parma. 2001.

[29] Instituto de Medicina Legal, órgão público ligado a Polícia Científica e subordinado à Secretaria de Estado da Segurança Pública.

[30] Assembléia Geral das Nações Unidas. Conselho Social e Econômico, Nações Unidas, 1992.

[31] Violência, Saúde e Direitos Humanos. Reconhecimento dos Direitos das Mulheres como Direitos Humanos.