Ainda me lembro quando o compositor Sérgio Ricardo, numa atitude repentina, destroçou o seu violão em pleno Festival da Record. Foi uma atitude insólita diante de milhões de telespectadores e o público presente no teatro. Fiquei chocado, mas confesso que no lugar dele teria feito a mesma coisa, talvez um pouco pior.
Sérgio Ricardo, um músico de alto nível, que já havia tocado no famoso teatro Carnegie Hall, em 1962 em Nova York, apresentava sua canção "Beto bom de bola", quando começaram as vaias que o tirou do sério.
As músicas que concorriam no festival passavam por uma seleção prévia. As classificadas, eram apresentadas ao público e eram julgadas por uma comissão composta por músicos e jornalistas especializados. A canção do Sérgio podia não ter apelo popular, mas tinha qualidades tanto na letra como na melodia e nada justificava as vaias recebidas. A única justificativa para elas, era a intolerância, a ignorância e a falta de respeito pelo ser humano. Sérgio ou João Lufti, não conseguia cantar a sua canção. Os apresentadores pediam silêncio ao público. Nada adiantava. Parecia uma manifestação de raiva incontida de uma horda de fanáticos.
Sérgio Ricardo não suportou a humilhação e como não podia sacar uma metralhadora contra a horda, despejou toda a sua revolta contra o seu pobre violão, companheiro daquela e de muitas outras canções.
Tom Jobim e Chico Buarque também foram vaiados no Festival Internacional da Canção no Rio, mas eles eram os vencedores da competição com a canção "Sabiá" e o público queria a música de Geraldo Vandré, "Caminhando". As vaias foram mais fáceis de serem suportadas, diferentemente das que Sérgio Ricardo recebeu no festival da Record.
A reação do público foi de mais vaias e pouco se importou com o homem no palco que havia criado uma canção para expressar a sua visão de mundo a partir de um jogador de futebol, um esporte apreciado por milhões de brasileiros.
Depois disso, Sérgio Ricardo virou manchete em todos os jornais e revistas, mas essa fama de "quebrador de violão" não trouxe maior visibilidade para sua obra e ele continuou sendo um músico quase desconhecido do grande público. A vida seguiu e ele continuou compondo. Foi convidado por Glauber Rocha para fazer a trilha sonora de, seu premiado filme "Deus e o Diabo na terra do sol". Fez também um filme, também premiado, "Esse mundo é meu".
Minha amiga Marisa Dea sempre trazia notícias dele, pois era uma frequentadora assídua de sua casa, onde segundo ela, discutiam,choravam e riam de modo a ouvir-se de longe. E assim, com uma carreira difícil, o músico, filho de imigrantes libaneses, chega ao fim de sua trajetória aos 88 anos.
O resto é silêncio.