Sempre gostei de viola e de violão. Em casa ouvíamos diariamente os programas do Tonico e Tinoco e do Torres e Florêncio, as duplas mais apreciadas pelo meu pai. Ele gostava bastante, até mais do que das duplas, do Mario Zan e do Mario Genari Filho, sanfoneiros famosos na São Paulo dos anos 1950. Essa predileção tinha a ver com seu bom ouvido e, também, porque tocara o instrumento na sua juventude.  Mario Zan ficou célebre por ter composto a música do Quarto Centenário da cidade, além do clássico Chalana.

Meu pai contava uma história sobre um violão que ele comprou em Valparaiso, ainda solteiro, Noroeste de São Paulo. Apesar do bom ouvido, não progrediu com o instrumento e acabou vendendo-o para um conhecido, mas nada do sujeito pagar a compra e sempre fugia para não se encontrar com meu pai. Um dia, cansado do calote, esperou o sujeito na porta da sua casa. Ele chorou dizendo que vendeu o violão para comprar leite para as crianças e não tinha como pagar. Ao olhar as três crianças pequenas e maltrapilhas no quintal, meu pai desistiu e deu o caso por encerrado. Mais tarde, já casado e morando em São Caetano, resolveu comprar um violão e deu em nossas mãos para ver se alguém aprenderia a tocar.  Sem professor, nenhum de nós conseguiu descobrir os segredos do instrumento.

O pai de minha mãe e um tio, tocavam viola e segundo minha mãe, muito bem. Meu tio José tocava quase por dever de ofício, pois era chefe de comitiva de boiadeiros e levava boiada de São Paulo para Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. Chegou até a atravessar a fronteira com a Bolívia, de onde muitas aventuras trouxe na memória para contar. A viola era sua companheira de estrada, alegrando os seus peões, sempre vestido à gaúcha, com bombacho, bota de cano alto, lenço no pescoço e chapéu de aba larga. Conta-se que saia de Araçatuba no lombo de sua mula às seis da manhã e chegava em Lavínia, às cinco da tarde, depois de galopar mais de sessenta quilômetros.

Com dezoito anos, a convite de um amigo, fomos procurar um professor de violão que abriu vaga para nós aos sábados. Fiquei entusiasmado com a ideia e até comprei um violão, um Rei, que não era dos melhores, mas é o que cabia em meu bolso. No dia combinado passei na casa do meu amigo, Marcos Padovani, que deu pra trás, alegando uma desculpa qualquer. Foi um balde de água fria e desanimei. O violão Rei acabou nas mãos do meu irmão mais novo que, bom de ouvido, tirou algumas músicas, mas não se dedicou ao instrumento.

Foi daí que conheci a Celinha, minha companheira desde então. Ela estudou piano erudito desde menina, mas como não dava para carregar o piano para todo lado, resolveu aprender violão popular.  Começou estudar violão clássico na Fundação das Artes em São Caetano, mas não foi muito longe. No seu aniversário, no ano em que começamos a namorar, comprei-lhe um Di Giorgio sob recomendação do amigo Edélcio Thenório.  Esse violão nos deixou há pouco tempo e foi com ele que fizemos muitos saraus em nossa casa. O tempo dele acabou quando começou a empenar de todos os lados. Tentamos consertá-lo, mas sem sucesso. Foi uma pena, pois nos acompanhou por mais de 30 anos. Com ele a Celinha aprendeu a tocar as canções da Mercedes Sosa com a sua voz pequena e suave. Porém,  ela nunca abandonou o piano, mas deixou os clássicos de lado e enveredou para a música popular, estudando com o Amilton Godoy na escola do Zimbo Trio.