Resumo

A Constituição Federal de 1988, Lei maior do Brasil, em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n.8.069/90) – definem a proteção integral da criança e do adolescente, com a máxima defesa de seus direitos fundamentais, especialmente a liberdade, respeito e dignidade. E, são condenadas todas as condutas que caracterizem tratamento desumano, vexatório ou constrangedor, sendo tais práticas consideradas crime. Para tanto, o Código Civil, por sua vez, atribui aos pais e/ou responsáveis o pleno exercício do poder familiar ou autoridade parental (Artigo 1.634). Estabelece assim, plena autoridade de exigir que os filhos lhes obedeçam, lhes respeitem, bem como lhes atribuir funções próprias referentes à idade e condição, deixando a critério dos cônjuges a definição das represálias necessárias para a condução do menor. Assim, os autores possuem devida permissão legal para a aplicação de castigos, sob o aspecto físico ou psíquico desde que de maneira limitada, isto é, desde que não viole os preceitos fundamentais dos direitos humanos, exclusivamente, os direitos da criança. Entretanto, não há definição legítima que defina os limites para a disciplinilização dos filhos, deixando, assim, uma lacuna normativa. Diante da ausência de um dispositivo normativo claro e eficaz, é imprescindível isentar-se a despeito de tal problemática, sendo visível que a tutela integral da criança e do adolescente estabelecida na Carta Magna e no ECA não vai de encontro com a possibilidade de aplicação de castigos moderados previstos no Código Civil se verificados os limites individuais de cada filho e, por conseguinte, sua dignidade.

A dignidade nas relações interpessoais. 

A Constituição Federal de 1988 determina, em seu artigo 227, o dever da família, da sociedade e do Estado em assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais que lhes pertencem, tais como: o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência com a família e a comunidade; além disso, coloca-os a salvo de  toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Em consonância, o Estatuto da Criança e do Adolescente reitera a definir a proteção integral da criança e do adolescente reconhecendo a vulnerabilidade dos demais sujeitos, impondo, assim, a necessidade de um tratamento especial voltado para a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Ainda nesse contexto de uma previsão ampla e atenta ao desenvolvimento salutar da pessoa humana, o Código Civil/2002 atribui aos pais o exercício conjunto da autoridade parental, o denominado poder familiar, para que os interesses dos filhos menores possam ser assegurados. Os pais são, destarte, os responsáveis legais, guardiães, protetores de seus filhos enquanto estes gozarem da menoridade, condição que os torna incapazes de, por si sós, exercerem os atos da vida civil.

Não obstante, o artigo 1.634 do Código Civil – compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: dirigir-lhes a criação e a educação; exercer guarda unilateral ou compartilhada; exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição, etc. Não há, todavia, definição de parâmetros objetivos para guiar a conduta dos pais nesse aspecto. Não existe um parâmetro para avaliar uma palmada, um beliscão ou um puxão de orelhas. Logo, o artigo 1.638 impõe, apenas, a perda por ato judicial o poder familiar que, exercido pelo pai ou pela mãe, abusou imoderadamente.

Considerando tais perspectivas, poder-se-ia chegar à conclusão de que quaisquer modalidades de punição são condutas vedadas pela Carta Magna e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, todavia admoestações e repreensões são necessárias em todo processo de aprendizagem em que há um comportamento desvirtuado, ou seja, tido como fora do padrão estabelecido pela sociedade. Então, é possível inferir que o impedimento estabelecido repousa mesmo na imoderação dos castigos, permitindo, portanto, aos pais sua utilização com bom senso e razoabilidade.

Função de castigo

Desde os tempos remotos organizou-se um sistema coercitivo, julgado necessário e adequado para punir as crianças que desviavam da conduta prevista pelos pais e/ou responsáveis.

A punição é um recurso para retribuir uma má conduta. Essa é talvez a função que mais diretamente se atribui ao castigo: punir. Num segundo momento, pode-se extrair do castigo uma função repressiva, no intuito de coibir novas práticas similares à que foi condenada. Destarte, os pais, no uso de sua autoridade e para legitimar o seu poder de decisão, reprimem as condutas que se afastam do modelo por eles idealizado.

Antigamente, a máquina a vapor para a rápida correção das meninas e dos meninos era inteiramente de posse dos pais e mães, avôs e avós, dos tios e tias, tutores e tutoras, diretores e diretoras de internatos e, de modo geral, de todas as pessoas que tinham e conviviam com crianças desobedientes que, sob a ótica deles, precisavam ser corrigidas. Sobre essa realidade-referência, vários conceitos foram construídos e campos de analise foram demarcados: psique, subjetividade, personalidade, consciência etc. Sobre ela, técnicas e discursos científicos foram edificados; a partir dela, valorizaram-se as reinvindicações morais do humanismo.

O humanismo é um movimento ético-cultural que surgiu na Europa no séc. XV, que ressalta a importância do ser humano – não somente o adulto, mas também a criança – como digno de valor. Contudo, o reconhecimento de si e de outrem, para tanto, o respeito com o próximo deve ser desenvolvido através de experiências individuais e mundanas, ou seja, a partir da interação com o mundo e com outros indivíduos. Entretanto, para que isso se concretizasse – e ainda permaneça nos dias atuais – foi e é necessário observar os anseios comuns entre os seres humanos e, através da razão e da dinâmica social, evoluir os valores, crenças e padrões morais como forma de se alcançar a felicidade, o bem-estar da população, a liberdade e, por fim, o progresso.

No que preze a dignidade dos pais e filhos

Pais e filhos possuem a dignidade como garantia fundamental, razão por que a defesa da dignidade de um não pode acarretar mácula à dignidade do outro. A proteção dos filhos menores é destacada em razão de sua vulnerabilidade, decorrente da imaturidade e da sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, o que os torna mais suscetíveis de lesão a direitos e ofensas à dignidade, razão por que aos pais (pessoas, em regra, maiores e capazes) é consagrado o dever de zelar pelo bem-estar integral de sua prole. Assim é que dos pais é exigida uma conduta de defensores, guardiões e exemplos para essas pessoas que estão em formação.

Aos pais resta apenas o diálogo, sem a utilização de meios coercitivos para conduzir a educação de seus filhos, mesmo diante de más condutas, de desrespeito às regras do lar, de relutância em modificar comportamentos, de hábitos insalubres ou desvirtuosos. A influência dos pais, todavia, é das mais relevantes, haja vista que a família é o principal referencial de condutas e valores para a formação do indivíduo, motivo pelo qual dos pais é cobrada a postura condizente com o desenvolvimento saudável daqueles que orientam e representam.

Conclusão

A dignidade é atributo de toda pessoa humana, independentemente de sua consciência acerca disso. Assim a criança, mesmo na mais tenra idade, já é detentora do direito ao respeito e a preservação de sua individualidade, uma vez que são as características singulares de cada ser humano que o torna único.

A defesa da dignidade em nosso ordenamento jurídico pauta-se nessa percepção de que, em qualquer situação ou ambiente, a pessoa deve ser respeitada pela sua simples condição humana. Ou seja, idade, maturidade, profissão, nível econômico, sexo, ou qualquer outra circunstância não deve influir para se considera-la mais ou menos digna.

Referências

CURY, Munir (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. São Paulo: Malheiros, 2010.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução Raquel Ramalhete. 42. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2014;

  1. Jane Gomes de Castro: Graduada em  Biologia; Especialização em Eco Turismo e               Educação Ambiental.
  2. Adriana Peres de Barros: Graduada em Pedagogia; Especialização em Educação Infantil e Alfabetização; Psicopedagogia                       Institucional.