Vidas Secas de Graciliano Ramos

            Vidas Secas é uma obra que foi publicada no ano de 1938. Produzida por Graciliano Ramos, escritor modernista já consagrado na época e um dos autores da segunda fase do movimento Modernista no Brasil, o livro aborda uma temática de cunho social, retratando uma das realidades mais cruéis do sertão brasileiro: o sofrimento dos castigados pela seca que viram retirantes, vagueando em busca de uma dura sobrevivência. Em sua 140° edição, esse imortal clássico brasileiro é composto por 13 capítulos e 176 páginas. A obra é o único livro do autor escrito em terceira pessoa, em discurso indireto livre e teve mais de 1,8 milhão de exemplares vendidos e foi traduzido para 17 idiomas.

Graciliano escreveu essa obra em uma época especialmente conturbada, tanto nacional como mundial. No Brasil, havia sido recém-implantado o Estado Novo, como foi denominada a ditadura de Getúlio Vargas. Em termos globais, o mundo estava no período conhecido como Entre Guerras, que foi de 1918 a 1939, e onde se viu o surgimento e fortalecimento de regimes extremistas na Alemanha (Nazismo) e na Itália (Fascismo). Nesse mesmo período, ocorrera a consolidação do regime socialista soviético, a quebra da Bolsa de Nova York, seguida pela Grande Depressão, além do marcante confronto entre a China e o Japão que resultou na Revolução Comunista Chinesa. O mundo estava às vésperas da Segunda Guerra Mundial, que viria a eclodir no ano seguinte da publicação de Vidas Secas.

“Vidas Secas” narra a história de uma família de retirantes nordestinos que estão fugindo da seca em busca de melhores condições de trabalho. A narrativa inicia-se com essa fatídica retirada. Os personagens: Fabiano, o pai, Sinhá Vitória, a mãe e os inominados filhos, menino mais velho e menino mais novo e Baleia, a cachorra da família são o quadro representativo de um povo primitivo, embrutecido pelo sofrimento que os acompanha desde o início dessa jornada. A composição caricatural dessas personagens dá um toque especial à obra, enriquecendo-a pelo realismo e pelo expressionismo causado pelo impacto das duras vidas “vividas” por essas personagens que são núcleo principal da obra. Os demais personagens são coadjuvantes, que atravessam o caminho dos personagens principais em determinados momentos da narrativa, ou povoam suas lembranças.

            A peculiaridade da obra em comparação aos demais romances modernistas é o aparato técnico utilizado por Graciliano. Sua escrita é precisa, necessária e sem adjetivos. Nada do que está na obra é por acaso. Dos quatro romances sequenciais de Graciliano Ramos, “Vidas Secas” foi o único a privilegiar a onisciência do narrador que, muitas vezes, funde-se às falas dos personagens, como se a narrativa estivesse em primeira pessoa. Essa particularidade é, na verdade, uma técnica bastante elaborada, de difícil emprego, mas que enriquece a narrativa e a obra em si. É essa forma de narração que torna o livro não linear, no qual os acontecimentos tanto podem ocorrer no momento presente da narrativa, como também no passado, fruto das lembranças dos personagens.

O capítulo intitulado “Baleia” foi escrito primeiro que os demais, tendo sido publicado na forma de conto no jornal no qual Graciliano Ramos trabalhava à época. Os capítulos do livro foram organizados em uma sequência pelo autor, porém, salvo o primeiro e o último, os demais podem ser lidos sem seguir essa ordem e sem que haja prejuízo no entendimento. Os capítulos também foram escritos em épocas diferentes, o que é uma outra peculiaridade da obra em relação às demais do próprio escritor.

Há uma limitação no vocabulário dos personagens, existem poucos diálogos no enredo e as suas falas, ações e pensamentos são misturados à voz do narrador, em uma narrativa escrita de forma inédita.

Segundo alguns estudiosos, os nomes das personagens em “Vidas Secas” foram escolhidos devido à sua etimologia, à sua origem e ao seu significado. Importante notarmos que os filhos não são nomeados. Pode-se inferir que isso reforça a ideia da falta de personalidade dos filhos de Fabiano e Sinhá Vitória, sem muitas perspectivas. No entanto, o fato de o menino mais velho perguntar à mãe o significado da palavra “inferno” pode nos dar indícios de que ele, ao menos, expressa curiosidade e sabe se comunicar.

Dentre tantas obras produzidas e publicadas na fase Modernista no Brasil, “Vidas Secas” é uma das mais queridas pelo público leitor. Além de não termos uma outra obra que carregue as mesmas características e peculiaridades do livro de Graciliano, seu romance aborda uma temática social muito comovente, o que torna a leitura muito significativa. Por isso, vale muito a pena dedicar-se à leitura desse romance.

Referências:

Intimidade Sertaneja, disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/intimidade-sertaneja/. Acesso em 02 de dezembro de 2021.