Monique Millet de Lima (Faculdade Dom Pedro II)[1]

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Roseli Chagas de Santana (Faculdade Dom Pedro II)[2]

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[1] Pedagoga. Professora das Séries Iniciais do Ensino Fundamental, atualmente atua na Coordenação Pedagógica da rede particular de Salvador.

[2] Pedagoga. Professora das Séries Iniciais do Ensino Fundamental da rede particular de Salvador.

 

O presente texto abrange sobre a trajetória de professoras estagiárias que se encontram em formação e atuam na sala de aula como regentes desde as professoras de profissão que atuam com a primeira formação acadêmica findada. O texto objetiva compreender o significado da docência na vida dessas professoras que operam na rede pública e particular de ensino soteropolitana, mais especificamente da localidade conhecida como Península Itapagipana (cidade baixa, zona periférica da cidade de Salvador- Bahia). Para tal intento, apresentamos os relatos de algumas professoras estagiárias que são regentes na vida profissional, entretanto estagiárias na academia, e de professoras que já atuam na docência há mais de cinco anos. Trata-se de uma pesquisa (auto) biográfica, com relatos de experiências extraídos de entrevistas narrativas. Sendo assim, percebemos que as professoras escolhem a docência como profissão, por se identificarem, desde o início da graduação, em consequência o estágio na academia surge como uma “prova real” para tomada de decisão. Os relatos perpassam sobre a escolha da docência e todo percurso formativo. As professoras relatam com tamanha emoção e precisão suas ações no cotidiano escolar, desde os planos para cada turma, aos segredos que emaranham atitudes ocultas, mas que são resolvidas e explicitadas com diálogo, paciência e vontade de acalmar o mar (a sala de aula).

Palavras-chave: Formação; Docência; Experiências profissionais.

 

 

VIAGENS INICIAIS

 

“Se um veleiro repousasse na palma da minha mão
Sopraria com sentimento, deixaria seguir sempre rumo ao meu coração” [...].

Navegando pelo caminho da educação nos defrontamos com diversas pessoas, comportamentos, localidades, aprendizagens, entre tantos que seríamos capazes de escrever um livro. Porém, algo vem chamando nossa atenção, independente da localização que o docente esteja inserido: o prazer e a vontade de viver a profissão docente. A profissão de professor (a) é uma das mais belas profissões no Brasil, porém a beleza que identifica a profissão não é sinônimo de valorização e / ou reconhecimento social.  O trabalho docente, ora apresentado é um cotidiano, que podemos classificar com início e meio, mas seu fim ainda será uma incógnita. O pensar sobre histórias de vida e formação ocorreu na graduação, no curso de Pedagogia, aproximadamente no final do curso, fomos apresentadas ao memorial de formação por uma professora do componente curricular Leitura e Produção Textual, e descobrimos os memoriais e a pesquisa autobiográfica. Ficamos encantadas com o mundo de narrativas de professores e professoras de todo Brasil, que descrevem as histórias de suas vidas e docência, dando sentido ao envolvimento com a profissão.   

Este artigo apresenta uma pesquisa autobiográfica, com relatos de experiências extraídos de entrevistas narrativas, que segundo Souza (2008) [...] é uma metodologia de trabalho que possibilita tanto ao formador, quanto aos sujeitos em processos de formação significar suas histórias de vida [...]. Deste modo, nos deixamos seduzir pela arte de contar e encantar através de narrativas e histórias de vidas, e, descobrimos que essas narrativas são métodos de pesquisa. Ainda segundo o mesmo autor, é no momento da escrita que os professores serão autores e atores de suas experiências em formação e para formação de outras identidades através do espaço oportunizado.

A escrita da narrativa abre espaços e oportuniza, às professoras e professores em processo de formação, falar-ouvir e ler-escrever sobre suas experiências formadoras, descortinar possibilidades sobre a formação através do vivido. (SOUZA, 2008, p.45).

A escolha pela docência tornou-se algo sublime, que a cada dia nos surpreendemos pelas histórias contadas, sejam nos memoriais de formação ou em pesquisas autobiográficas. É importante dizer que as mulheres adquiriram seu lugar de prestígio no magistério, tornando-se maioria nos cursos de Pedagogia que têm duração mínima de quatro anos, contando com o estágio para Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental. O que nos chama atenção nessa viagem, são as condições desses estágios, em que o professor (estagiário) se desloca da residência paras às instituições em que é docente, mas ao mesmo tempo discente.

Nos bastidores destas vivencias, milhões de fatos ocorrem, mas nem sempre são discutidos na sala da graduação, ou na sala da coordenação e direção escolar. O mesmo homem ou a mesma mulher que se encontra como discente na academia é o (a) mesmo (a) responsável por uma turma de educandos: estagiários para a instituição de ensino superior e regente (professor) para instituição da educação básica. Uma dicotomia entre teoria e prática ou seria prática e teoria? Trata-se uma formação inicial que precisa ser (re) pensada pelas instituições de ensino, tanto básica quanto superior. Nesta perspectiva Pimenta, abrange essa discussão de acordo com pesquisas de outros autores que apontam uma realidade para formação inicial afirmando que:

[...] os cursos de formação, ao desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividades de estágios, distanciados da realidade das escolas, numa perspectiva burocrática e cartorial que não dá conta de captar as contradições presentes na prática social de educar, pouco têm contribuído para gestar uma nova identidade do profissional docente [...] (PIMENTA, 2010, p.05).

Partindo da premissa de formação inicial, surgem nossas inquietações, pois, assim como a maioria dos professores e professoras, fomos e atuamos como estagiários, apesar de sermos consolidados como regentes pela Escola, Pais e Comunidade. Apesar de todas as circunstâncias, seguimos nossa essência, para resolvermos as mais diversas tempestades encontradas, que não aprendemos na graduação, mas sim na vivência do dia a dia, nas experiências de outros professores, nas pesquisas e leituras, e principalmente nos nossos erros e acertos. Nem sempre o tempo estará favorável, nem sempre teremos respostas imediatas para todos os percalços numa sala de aula, e é por isso que as narrativas são de extrema importância, por contribuírem para o currículo oculto[1] dos duzentos dias letivos.

 

IDENTIDADE DOCENTE: PONTO DE PARTIDA PARA O DIÁLOGO SOBRE A PROFISSÃO

 

Meu coração a calma de um mar que guarda tamanhos segredos
Diversos naufragados e sem tempo...

 

Nos últimos anos as temáticas relacionadas à identidade docente e as histórias de vida de professores tomaram uma repercussão extremamente importante para o meio acadêmico. Nada mais justo e perspicaz pesquisar sobre a formação e identidade com seus principais atores. Deste modo, encontramos na literatura diversas definições sobre identidade docente, e entre muitos autores como Nóvoa (1995), Pimenta (2009) e Freire (1996; 1997), dialogaremos com algumas professoras entrevistadas[2] sobre a escolha da profissão e como pensam a respeito da docência. Vale salientar que nestes diálogos, as professoras de profissão e estagiárias para academia, conseguem navegar no dia a dia letivo participando de reuniões, paradas pedagógicas, elaboração e aplicação de planos de aulas, problemas de indisciplina, entre tantos outros que guardam os segredos e anseios, mas não deixam que sua identidade enquanto professora naufrague.

Em meio aos conflitos do cotidiano e acontecimentos que ocorrem na sala de aula, e em todo contexto escolar, percebemos que muitas histórias estão restritas ao espaço escolar. Histórias de vida, de profissão, (des) contentamento, problemas, soluções, contos e até mesmo ilusões. Mulheres que percorrem por anos na mesma profissão, que iniciaram como estagiárias e tornaram-se regentes de suas embarcações (a sala de aula), outras, ainda estão na graduação, mas assumem a responsabilidade de compartilhar os dias bons e enfrentar, os que são considerados ruins, tempestades e dias ensolarados. Narrações de mulheres que se seduzem a cada dia na profissão escolhida, e se engrandecem em partilhar suas experiências de vida, algumas já esquecidas, entretanto, quando começam a serem narradas, transformam-se em momentos únicos e especiais. Conforme Passeggi (2011), ao narrar sua própria história, a pessoa procura dar sentido às suas experiências e nesse percurso, constroi outra representação de si: reiventa-se.

Mas, afinal, o que sabemos sobre nossa identidade enquanto pessoa? Sabemos o local em que nascemos, dia, mês, horário, peso e altura. Parece muito simples, mas assim como o nascimento, a escolha pela profissão tem suas peculiaridades. E neste crescimento peculiar, construímos nossa identidade enquanto pessoa e profissional. Deste modo concordamos com (Nóvoa, 1992, p.7) ao afirmar que [...] não é possível separar o “eu” pessoal do “eu” profissional [...]. Todavia, Pimenta (2010) afirma ser [...] um processo de construção do sujeito historicamente situado [...]. Sujeito esse, que ao escolher o curso de graduação, se sente preparado para enfrentar todas as adversidades e gozo, não apenas ao longo do curso, mas durante toda caminhada. Então, perguntamos as nossas tripulantes iniciais e já graduadas por que escolher a docência? E constatamos que os trajetos algumas vezes podem ser diferentes, mas o destino final tornam-se os mesmos: a paixão pelo outro. Vejamos:

Porque sou apaixonada por crianças e sempre tive prazer em ver o desenvolvimento do ser humano, e acredito que a educação de forma geral, é o melhor caminho para conseguir isto.  Não consigo me ver desempenhando outra atividade, pois amo o que faço e me sinto realizada, mesmo enfrentado as adversidades que qualquer professor enfrenta. E.A,2014).

A paixão pela docência, o carinho no ato de educar, de trocar conhecimentos, nos insere numa caminhada de ação-reflexão-ação. Freire (1997),[3] já afirmava que o processo de ensinar, que implica o de educar e vice versa, envolve a “paixão de conhecer” que nos insere numa busca prazerosa, ainda que nada fácil. De tal modo vai-se construindo o professor.

A princípio foi porque estava grávida, e percebi que poderia ser mãe e professora. Depois me apaixonei pela profissão e percebi que foi uma ótima escolha. Se não escolhesse pedagogia, eu iria escolher administração, pois gosto muito de escritório, ou serviço social, pois trabalho muito com pessoas. (G.A, 2014).

 

Por motivos semelhantes ou não, sempre encontraremos respostas parecidas. Isso se explica por pertencermos a uma sociedade, que concebe a educação como garantia para transformação de um povo.

Por acreditar que a educação é o único meio que transforma o homem e a sociedade. E é claro: por amor! Se não fosse professora, nem sei o que seria. (R.V, 2014).

Toda decisão, reflete sobre a significação atribuída à profissão docente. Segundo Pimenta (2010) um dos motivos pelos quais construímos nossa identidade são as atribuições que damos aos seus significados. Para a autora [...] cada professor, enquanto ator e autor confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes [...]. Todos os dias, impregnamos de sentido o nosso fazer docente, isso nos motiva e impulsiona a (re) construir nossa formação.

Percebemos que é impossível pensar na profissão e não pensar no professor. Que ser é esse, que nos dias atuais com a crescente (des) valorização consegue trilhar seu caminho e profissionalizar-se? Podemos responder que são professores e professoras humildes[4], professores (as) determinados (as), e que exaltam sua profissão. Se nós, enquanto professores não lutarmos pela busca da nossa identidade, tampouco outros farão.

A identidade do professor começa a ser construída, sem negar a pessoa física e espiritual envolvida pela matéria. Aos poucos o docente começa a se encontrar e se perceber no outro e pelo outro, características para concretizar seu trabalho pedagógico e acima de tudo, social. Nesse contexto, um mundo de expectativas começa a girar na nova rotina pessoal do professor, que passa a questionar e problematizar sua função social na profissão.

DESAFIOS DO OFÍCIO DE SER PROFESSOR: VIVENCIANDO A PRÁTICA E (RE) PENSANDO A TEORIA

Rimas, de ventos e velas. Vida que vem e que vai. A solidão que fica e entra; me arremessando contra o cais

 

Quando iniciamos nossa vida acadêmica no curso de Pedagogia, descobrimos que passaremos pelos estágios supervisionados na educação infantil, anos iniciais do ensino fundamental, observação na educação de jovens e adultos e gestão e coordenação escolar. Todavia, algumas discentes, em especial, a maioria da turma já atua nas salas de aulas, outras ficam ansiosas e muitas vezes nervosas porque terão de “encarar” uma ou duas semanas como professoras estagiárias. Deste modo, a maioria que nunca adentrou uma sala de aula, em sua totalidade se encanta pela profissão, e ao término do estágio já começam a lecionar.

Professoras e professores que são estagiários para a graduação de ensino superior e professores regentes que atuam nas salas exercendo o ofício de professor. É natural que as contestações nas salas acadêmicas floresçam em relação aos assuntos estudados, e suscitem inúmeras discussões. Geralmente os (as) graduandos (as) questionam que a teoria e a prática não são iguais, inclusive existe uma vasta literatura abordando esta temática.

Para localizar o leitor, é necessário informar que na cidade de Salvador- Bahia há inúmeras empresas de recursos humanos e recrutamentos, que contratam profissionais de diversas áreas, e o campo educacional é vasto, e não é difícil encontrar uma vaga de prática docente a partir dos primeiros semestres. O salário deste estagiário é pago com a nomenclatura de “bolsa”, onde o (a) mesmo (a) receberá aproximadamente um pouco mais que meio salário mínimo mais o transporte. Este estagiário contratado passará por um estágio prático, que muitas vezes, sem aporte teórico e uma supervisão será contestado com a teoria estudada na academia, principalmente nas escolas de pequeno e médio porte. Não podemos esquecer que nossa profissão requer ações facilitadoras que independem do meio social e cultural.

Quando tomamos a decisão de lecionar, devemos adequar à teoria apreendida a prática cotidiana, sem adequação, não haverá transformação. A docência requer disponibilidade e principalmente vontade. Relembrando Paulo Freire: Não a docência sem discencia. O professor enquanto ser transformador é primeiramente pesquisador de sua prática, das práticas já vivenciadas e das supostas soluções para suas necessidades diárias. Os primeiros anos de trabalho não serão fáceis, o dia a dia implica responsabilidade e consignação, emaranhados da complexidade que envolve a pessoa e o trabalho desenvolvido.

Recordemos a complexidade e as contradições vividas nos primeiros anos de trabalho, quando há que enfrentar dia a dia, no cenário da profissão, situações novas e imprevisíveis, obstáculos frequentes a exigir respostas rápidas, adequadas, convincentes. É o tempo da instabilidade, da insegurança, da sobrevivência, mas também da aceitação, dos desafios, da criação de novas relações profissionais e da redefinição das amizades e de amor, de construção de uniões familiares, da reestruturação do sonho de vida. (CAVACO, 1995, p. 179)

A iniciação à docência precisa preencher um espaço dentro do ser, que irá trabalhar com vidas, com seres pensantes e atuantes na sociedade. O professor precisa ser ouvido, precisa ouvir outras pessoas, refletir sobre sua prática, para que não seja arremessado contra o cais, que algumas vezes causam um mal estar docente.  Nessas vidas que vêm e se vão a nossos caminhos, nos deparamos com situações que jamais imaginávamos vivenciar na sala da graduação. Nossos verdadeiros estudos de caso acontecem nas vivências, exercendo a profissão. Estes são alguns fatos vivenciados por nossas tripulantes no currículo oculto da profissão:

Uma aluna se sentia excluída do grupo de meninas e vivia isolada. Passei a observá-la mais e percebi que a mesma se afastava das outras garotas e muitas vezes eram ríspidas com elas. Comecei a trabalhar, através do dialogo, esta dificuldade que ela tinha em se sentir aceita pelo grupo. Ao mesmo tempo, mostrava as outras meninas que elas deveriam ajudá-la, chamando-a para as brincadeiras, além disso, passei a fazer rodinhas de piquenique favorecendo o dialogo e a comunhão entre elas. Em outro caso, houve um surto de virose, e a turma em geral, passou a reclamar durante as aulas, praticamente todos os dias, de dores abdominais e náuseas. Nos primeiros dias fiquei sem saber se eram verdadeiras as queixas, mas com o passar dos dias percebi a esperteza dos alunos em usar a desculpa da enfermidade para voltarem para casa, então, quando alguém dizia que estava com dor, sem que tivesse sido advertida pelos responsáveis, passei a deixá-los na sala sozinhos, e os observava através da câmera e percebi a mudança de comportamento, assim que saia da sala. De cabisbaixo e contorcendo-se a agitado e conversador, passei a administrar placebo (água com uma gota de anilina), os meninos pensavam ser realmente remédio, e logo ficavam curados. Por fim, tive um aluno que se achava incapaz de executar suas atividades, se intitulando até mesmo de burro. Através do de mensagens no diário de incentivo e valorização, ele mudou a forma de pensar sobre si e passou a ter mais autoconfiança. (E. A).

 

Estes relatos nos mostram a aptidão e astúcia que a professora encontrou para solucionar os problemas da sua sala de aula. Quantas professoras passam por experiências semelhantes, mas que ainda permanecem ocultas, por achar que não merecem ser compartilhadas, ou que não são significativas? E.A relatou fatos vivenciados ainda como estagiária na instituição em que estudava, mas no seu dia a dia profissional, enfrentou dificuldades que muitos professores enfrentam, e às vezes não são resolvidos com tanta facilidade, ou será tamanha criatividade e vontade de recuperar o aluno, de motivá-lo e mostrar que o professor é um grande incentivador.  Deste modo, concordamos com FEIMAN-NEMSER (1983) apud SACRISTÁN (1992) que [...] a sala de aula não é somente um lugar para ensinar, mas também de aprendizagem para o docente: as influencias informais na socialização são mais decisivas do que as formais, mais eficazes do que os cursos de formação. Em todo momento E. A, foi autônoma nas suas decisões, que lhe renderam histórias, experiências e resultados positivos. É preciso coragem para gerenciar determinadas situações do contexto escolar, é preciso agir de maneira democrática, para que haja transformação do modo de pensar e atuar.

Nesse fazer pedagógico acontece de tudo. Coisas que não são ensinadas na faculdade, mas pela experiência de vida, você acaba contornando. No ano de 2013, aconteceram muitas situações marcantes, mas teve uma situação que me marcou, ou melhor, uma aluna. A aluna E. A, veio de outra escola, quieta, calada. Na primeira semana, estava fazendo sondagem para saber o que os alunos já sabiam. Comecei com a escrita do nome, pedi para que separassem as letras maiúsculas das minúsculas e E.A não conseguiu, fui para segunda sondagem que foi o ditado de palavras e tomei um susto, ao ver que nada tinha feito, nem tentou. Começamos as provas da I Unidade, e como já sabia nada fez, e suas médias foram abaixo de dois pontos. Não sabia o que fazer, pois isso não foi ensinado na faculdade. Foi então que marquei com a mãe para conversar e então ela disse sobre as perdas que E.A teve primeiro do pai e depois do tio, foi então que comecei a tratá-la de forma diferente, incentivando-a a escrever, a ler... E. A começou a evoluir, e sempre a parabenizava por uma nova conquista, e então, iniciaram as provas da II Unidade, e o que me surpreendeu foi a autonomia de E.A em responder e mais ainda, a cada unidade ela foi progredindo. Então disse para mim mesma “Vale a pena ser professora”. Nesse mesmo ano de 2013, criei junto com a direção, um diário, onde os alunos escreviam algo que acontecia com eles, e eu só poderia ler se eles autorizassem. E em um desses diários era o de M.C, onde na sua casa estava acontecendo violência entre os pais, traição e separação. M.C sempre me relatava tudo que acontecia em sua casa, e eu além de professora, era sua confidente e amiga, e o que me marcou foi o que ela disse: “Na escola eu sinto paz”. Agora me diga, como não se apaixonar por essa profissão? (G. A, 2014) grifos nossos.

Este relato demonstra que ser professor, muitas vezes ultrapassa os muros da escola. O professor que ouve seus alunos, e os impulsiona consegue resgatar suas histórias, e motivá-los, através da competência, capacidade, confiabilidade que vão além das técnicas apreendidas na graduação. Não estamos tratando apenas, de técnicas, no entanto dos conhecimentos e experiências.

A competência docente não é tanto uma técnica composta por uma serie de destrezas baseadas em conhecimentos concretos ou na experiência, nem uma simples descoberta pessoal. O professor não é um técnico nem um improvisador, mas sim um profissional que pode utilizar o seu conhecimento e a sua experiência para se desenvolver em contextos pedagógicos práticos preexistentes. (SACRISTÁN, 1995, p. 74).

Ser professor implica competência com a própria profissionalidade[5], o fazer pedagógico que foi citado na narrativa da professora G, A, possibilita entender que no ambiente escolar, principalmente nas salas de aula, onde alunos e professores passam uma boa parte do tempo, todo o fazer torna-se pedagógico, quando há uma intencionalidade, um objetivo e determinada diversidade dos saberes dos professores através de suas experiências.

É nesse repertorio de experiências, de saberes, que orienta o modo como o professor pensa, age, relaciona-se consigo mesmo, com as pessoas, com o mundo, e vive sua profissão. Entendemos, pois, que o professor traz para sua prática profissional toda a bagagem social, sempre dinâmica, complexa e única. (FARIAS, et al, 2011, p. 59)

A profissão docente, ou melhor, a atuação docente vem sendo alvo de algumas críticas, mas antes de quaisquer comentários, que desequilibrem ou inferiorizem o profissional, é preciso se questionar sobre a pessoa, pois antes de ser professor ou professora, o indivíduo possui sua identidade pessoal, seu “eu” pessoal. É necessário aprender sobre este ser humano, quem é; de onde vêm, seios anseios para então descobrir sua profissão. Na bagagem do professor, não encontramos, apenas, o profissional com suas teorias, métodos de ensinos e conteúdos de anos de experiências. Encontramos igualmente a pessoa física e imaterial, que chora, rir, se aborrece, se emociona entre tantos outros sucedem no dia a dia.

SIGNIFICANDO A DOCÊNCIA, PARA ALÉM DA FORMAÇÃO

 

Ao construir uma vida pautada nas causas educacionais, o profissional jamais poderá deixar de (re) inventar suas práticas.  A profissão de professor requer muito mais que uma sala de aula com uma turma que faça acontecer o papel instrutor, é necessário um (auto) conhecimento crítico e reflexivo da sua função e desempenho na coletividade.

A graduação é apenas, o início de uma carreira que sabemos tão somente que se enceta. A busca pelo conhecimento deve, e, precisa ser constante, a consumação precisa acontecer a todos os momentos, não podemos deixar que o epistemicídio[6] envolva nosso saber docente, a busca é um compromisso educacional que transcende a profissão. E imprescindível que a maiêutica acompanhe o profissionalismo. O empoderamento do educador precisa coexistir desde os seus primeiros anos de estudo. Ao se tornar professor o conhecimento passa a ser uma forma de vestimenta importante, e esse indumento não pode ser uma armadura.  

Nós, os professores, podemos desenvolver a atividade profissional sem nos colocar o sentido profundo das experiências que propomos e podemos nos deixar levar pela inercia ou pela tradição. Ou podemos tentar compreender a influencia que estas experiências têm e intervir para que sejam o mais benéficas possível para o desenvolvimento e o amadurecimento dos meninos e meninas. Mas, de qualquer forma, ter um conhecimento rigoroso de nossa tarefa implica saber identificar os fatores que incidem no crescimento dos alunos. (ZABALA, 1998.p.28; 29)

Para assumir uma sala de aula, ou estabelecimento de ensino, é preciso apresentar uma imagem de coerência, de competência, de segurança, que tranquilize os apreensivos, crie um consenso, estimule os indecisos, acalme os extremistas, dê sentido a coexistência, etc. Para isso, é preciso ter certa solidez, uma correspondência entre a pessoa e o papel, entre o que deve ser feito e o que se sabe ou se gosta de fazer. (PERRENOUD, 2001 p55)

Assim, nossas professoras e estagiárias não se deixam ludibriar a respeito da escolha profissional, e acreditam que somente a educação, tão-somente o amor pelo outro pode transformar e (re) significar vidas. Ensinar é uma tarefa complexa, na qual nada é estável: cada nova turma é uma incógnita, cada aluno em dificuldade é um enigma, cada ano letivo é uma aventura. (Perrenoud 2001, p.130)

Percebemos que as professoras escolhem a docência como profissão, por se identificarem, desde o início da graduação, em consequência o estágio na academia surge como uma “prova real” para tomada de decisão. Em efeito, os professores e professoras encontrarão em suas salas de aulas, meninos e meninas com identidades culturais e sociais diferentes, ou seja, as turmas não serão homogêneas, cabendo ao professor já graduando ou ainda estagiário superar os desafios que compete à educação. Desta forma nossas autoras e atrizes estimam superar todos os desafios.

Espero que nós possamos colocar em prática tudo que aprendemos na teoria, o oficio de educar, transformar e semear na vida de cada criança, adolescente ou adulto.

 

 

“Colocar em prática” este é o desafio que muitos colegas ainda enfrentam no dia a dia, pois a teoria e prática ainda se encontram distanciada da realidade escolar. Sendo assim, a esperança está nas mãos dessas professoras, que trabalham numa perspectiva de mudança, não apenas das práticas escolares, mas uma mudança social, cultural e até mesmo ideológica. Parafraseando Imbernón (2005), é preciso formar o professor na mudança e para mudança. A mudança que queremos surge quando refletimos sobre nossa prática social.

Espero que a docência seja sempre o meio pelo qual eu possa ser um instrumento para impulsionar sonhos, descobrir talentos, formar cidadãos conscientes de seus atos e acima de tudo, contribuir na formação de cidadãos conscientes de seus atos, e capazes de melhorar a si mesmos e o mundo a sua volta. (R.V, 2014).

Professores são talentos que inspiram novos talentos, professores são pessoas que têm a responsabilidade de acreditar no outro e em seu oficio. Professores são agentes de transformação e fazem do ensino um conjunto de saberes para si, e para o outro.  Conforme Tardif (2011, p. 209), o saber ensinar na ação implica um conjunto de saberes, e, portanto, um conjunto de competências diferenciadas.

Assim como outras profissões, a docência deve ser vista como profissão de destaque, profissão respeitada. Não é qualquer pessoa que pode chegar a uma sala de aula para lecionar, achando, apenas, que nada precisa ser feito antes da aula acontecer, isto serve tanto para educação básica, quanto superior. Nossa profissão requer estudos, habilidades e competências e acima de tudo a prática.

É necessário possuir diversas habilidades profissionais que se interiorizem no pensamento teórico e prático do professor mediante diversos componentes, entre os quais a formação como desenvolvimento profissional a partir da própria experiência. (IMBERNÓN, 2005, p. 33).

Quando nos tornamos professores, desenvolvemos nossas habilidades, aguçamos conhecimento, fazemos inúmeras tentativas até alcançarmos nossos objetivos. Apesar de todos os males, que envolvem a profissão docente, resurgimos a cada dia com planos e metas diferentes, mas com o objetivo de fazer uma educação de qualidade, de fazer com que nossos alunos sintam-se cingidos, queridos e acima de tudo, respeitados. Nóvoa (1995) diz que “os professores têm que adquirir margens mais alargadas de autonomia na gestão da sua própria profissão e uma ligação mais forte aos actores educativos locais [...].” Somos autônomos nas nossas decisões e utilizamos as experiências e histórias de nossas vidas para (re) construir novas teorias a cada dia, de acordo com nossas necessidades e particularidades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Narrar às histórias de nossos colegas de profissão tornou-se um convite à ampliação dos nossos estudos. Só é possível entender a rotina de um professor, quando vivenciamos seus costumes. A cada dia descobrimos um pouco mais sobre nossa profissão, a cada dia (re) significamos os nossos saberes da experiência e descobrimos histórias de vidas que são motivadoras para transformação docente. Neste texto, descobrimos que ser estagiário ou graduado constituem formas de atuação semelhantes, pois o dia a dia numa sala de aula requer sensibilidade para compreender e resolver eventuais problemas. Ser professor é descobrir nas entrelinhas, a necessidade individual e coletiva de uma turma de alunos, ou simplesmente de um único aluno.

As professoras entrevistas relatam com tamanha emoção e precisão suas ações no cotidiano escolar, desde os planos para cada turma, aos segredos que emaranham atitudes ocultas, mas que são resolvidas e explicitadas com diálogo, paciência e vontade de acalmar o mar (a sala de aula). Mulheres guerreiras, que buscam uma solução para além da teoria que conhece, vão além, atribuindo significado no fazer docente, transmitindo segurança e autocontrole para comunidade escolar local.

Sabemos que não é fácil atuar no inicio da carreira, pois é o momento de turbilhões de ideias e incógnitas, momento dos anseios e das expectativas. A pesquisa nos faz refletir que todo profissional tem a sua historia de vida, biografia única que precisa e deve ser respeitada. Assim como nossas entrevistadas, milhares de professores e professoras têm dado significações à docência. Cabe a nós, enquanto docentes e pesquisadores resgatar essas histórias que se espalham, não só pela península itapagipana, mas por todo território nacional.

REFERÊNCIAS

 

CAVACO, Maria Helena. Ofício do professor. In: NÓVOA, António (Org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995.

FARIAS, Isabel Maria Sabino de et.al. Didática e docência: aprendendo a profissão. 3. Ed. Nova Ortografia Brasília: líber livro, 2011.

 

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo, Olho D´Água, 1997.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, D´Água, 1996.

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. 5. Ed. São Paulo: Cortez, 2005.

NÓVOA, António. Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995.

PASSEGGI, Maria da Conceição. A experiência em formação. In: Revista Educação, Porto Alegre, v.34, n.2p. 147-156, maio/agosto, 2011.

PERRENOUD, Philippe. Ensinar: agir na urgência, decidir na incerteza. Porto Alegre , Artmed editora, 2001.

PIMENTA, Selma Garrido. Saberes pedagógicos e atividades docentes. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

SACRISTÁN, G. Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores, In: NÓVOA, António (Org.). Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995.

SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 12. Ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

ZABALA, Antoni. A Prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed, Ed. 1998.

 



[1]  Para Tomaz Tadeu (ano, p. 78), o currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explicito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes.

[2] Utilizaremos as iniciais dos nomes das professoras entrevistas.

[3] Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. (1997)

[4] Paulo Freire se referiu a humildade como exigência de coragem, confiança, em nós mesmos, respeito a nós mesmos e aos outros.

[5] SCHWAB (1983) apud SACRISTÁN (1995), diz que a profissionalidade manifesta-se através de uma grande diversidade de funções (ensinar, orientar o estudo, ajudar individualmete os alunos, regular relações, preparar materiais, saber avaliar, organizar espaços e actividades, etc.

[6] Termo utilizado para definir a morte do conhecimento.