VICENTE DE CARVALHO: o poeta do mar
Publicado em 30 de janeiro de 2013 por Rafael Francisco Bento
Vicente de Carvalho não é um dos nomes mais famosos do Parnasianismo no Brasil, ainda assim, ocupa uma posição de relevo entre os que comumente recebem destaque nessa escola literária, a saber, Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Olavo Bilac, a trindade parnasiana.
Este artigo, portanto, se voltará à poesia de Vicente de Carvalho, consagrado “o poeta do mar” por Euclides da Cunha, quando esse lhe prefaciou o livro Poemas e Canções em 1908, e considerado “um dos maiores poetas brasileiros” por Mário de Andrade. O poeta, e também contista, foi possuidor de uma linguagem simples e clara, além de um lirismo extraordinário, tendo seu veio artístico servido principalmente as belezas das praias e do oceano, de fato, sua maior paixão.
É de Alfredo Bosi a seguinte referência: “Renovando com brio a poética realista a cavaleiro do novo século, Vicente de Carvalho partilhou com Bilac um vasto círculo de entusiastas, sendo até hoje um dos poucos poetas anteriores ao Modernismo que sobrevive no gosto do leitor médio. (...).” (in História Concisa da Literatura Brasileira, Cultrix, 3 ed., p. 260.)
Nascido em Santos, em 1866, mesmo lugar aonde veio a falecer em 1924, formou-se em Direito em São Paulo, exerceu o cargo de Juiz e também de Desembargador. Atuou na campanha republicana, mas opôs-se a Deodoro, quando esse deu o derradeiro golpe à coroa, em 1889. Quanto à literatura, desde o início foi ligado a um grupo de tendência parnasiana, recebeu atenção a partir de Rosa, Rosa de Amor de 1902, porém, foi realmente reconhecido, seis anos depois, com a publicação de Poemas e Canções. O poeta pertenceu às Academias Brasileira e Paulista de Letras.
Suas produções encontram-se compiladas nas obras Ardêntias, Relicário, Rosa, Rosa de Amor, Poemas e Canções, Versos da Mocidade, Verso e prosa, incluindo o conto Selvagem, Páginas soltas, A voz dos sinos e Luizinha, contos.
Nas palavras de Octávio D’Azevedo, “[...] Bem antigas e profundas eram, realmente, as emoções de Vicente em face do mar [...]” (in Vicente de Carvalho e os Poemas e Canções, José Olympio Editora, p.222.) e, de fato, o poeta, referindo-se ao mar das praias de sua meninice, as de Santos, exprimiu os seus mais belos e íntimos sentimentos, todo o seu lirismo.
Assim, apresentar-se-ão, aqui, alguns de seus poemas que tematizam o mar, ou que o mencionam com alguma relevância, caso de “A voz do sino”, “Olhos verdes” e “A flor e a fonte”. Contudo, vale lembrar também de que a poesia vicentina transcende essa temática e enfoca outros assuntos e cenários.
POEMAS E CANÇÕES
PALAVRAS AO MAR
Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo eriça o pêlo!
Junto da espuma com que as praias bordas,
Pelo marulho acalentada, à sombra
Das palmeiras que arfando se debruçam
Na beirada das ondas – a minha alma
Abriu-se para a vida como se abre
A flor da murta para o sol do estio.
Quando eu nasci, raiava
O claro mês das garças forasteiras;
Abril, sorrindo em flor pelos outeiros,
Nadando em luz na oscilação das ondas,
Desenrolava a primavera de ouro:
E as leves garças, como folhas soltas
Num leve sopro de aura dispersadas,
Vinham do azul céu turbilhonando
Pousar o vôo à tona das espumas...
É o tempo em que adormeces
Ao sol que abrasa: a cólera espumante,
Que estoura e brame sacudindo os ares,
Não os sacode mais, nem brame e estoura;
Apenas se ouve, tímido e plangente,
O teu murmúrio; e pelo alvor das praias,
Lange, numa carícia de amoroso,
As largas ondas marulhando estendes...
Ah! Vem daí por certo
A voz que escuto em mim, trêmula e triste,
Este marulho que me canta na alma,
E que a alma jorra desmaiado em versos;
De ti, de ti unicamente, aquela
Canção de amor sentida e murmurante
Que eu vim cantando, sem saber se a ouviam,
Pela manhã de sol dos meus vinte anos.
Ó velho condenado
Ao cárcere das rochas que te cingem!
Em vão levantas para o céu distante
Os borrifos das ondas desgrenhadas.
Debalde! O céu, cheio de sol se é dia,
Palpitante de estrelas quando é noute,
Paira, longínquo e indiferente, acima
Da tua solidão, dos teus clamores...
Condenado e insubmisso
Como tu mesmo, eu sou como tu mesmo
Uma alma sobre a qual o céu resplende
– Longínquo céu – de um esplendor distante.
Debalde, ó mar que em ondas te arrepelas,
Meu tumultuoso coração revolto
Levanta para o céu, como borrifos,
Toda a poeira de ouro dos meus sonhos.
Sei que a ventura existe,
Sonho-a; sonhando a vejo, luminosa,
Como dentro da noute amortalhado
Vês longe o claro bando das estrelas;
Em vão tento alcançá-la, e as curtas asas
Da alma entreabrindo, subo por instantes...
Ó mar! A minha vida é como as praias,
E o sonho morre como as ondas voltam
*
Mar, belo mar selvagem
Das nossas praias solitárias! Tigre
A que as brisas da terra o sono embalam,
A que o vento do largo erriça o pelo!
Ouço-te às vezes revoltado e brusco,
Escondido, fantástico, atirando
Pela sombra das noutes sem estrelas
A blasfêmia colérica das ondas...
Também eu ergo às vezes
Imprecações, clamores e blasfêmias
Contra essa mão desconhecida e vaga
Que traçou meu destino... Crime absurdo
O crime de nascer! Foi o meu crime.
E eu expio-o vivendo, devorado
Por esta angústia do meu sonho inútil.
Maldita a vida que promete e falta,
Que mostra o céu prendendo-nos à terra,
E, dando as asas, não permite o vôo!
*
Ah! Cavassem-te embora
O túmulo em que vives – entre as mesmas
Rochas nuas que os flancos te espedaçam,
Entre as nuas areias que te cingem...
Mas fosses morto, morto para o sonho,
Morto para o desejo de ar e espaço,
E não pairasse, como um bem ausente,
Todo o infinito em cima de teu túmulo!
Fosses tu como um lago,
Como um lago perdido entre montanhas:
Por só paisagem – áridas escarpas,
Uma nesga de céu como horizonte...
E nada mais! Nem visses nem sentisses
Aberto sobre ti de lado a lado
Todo o universo deslumbrante – perto
Do teu desejo e além do teu alcance!
Nem visses nem sentisses
A tua solidão, sentindo e vendo
A larga terra engalanada em pompas
Que te provocam para repelir-te;
Nem, buscando a ventura que arfa em roda,
A onda elevasses para a ver tombando,
– Beijo que se desfaz sem ter vivido,
Triste flor que já brota desfolhada...
*
Mar, belo mar selvagem!
O olhar que te olha só te vê rolando
A esmeralda das ondas, debruada
Da leve fímbria de irisada espuma...
Eu adivinho mais: eu sinto... ou sonho
Um coração chagado de desejos
Latejando, batendo, restrugindo
Pelos fundos abismos do teu peito.
Ah, se o olhar descobrisse
Quanto esse lençol de águas e de espumas
Cobre, oculta, amortalha!... A alma dos homens
Apiedada entendera os teus rugidos,
Os teus gritos de cólera insubmissa,
Os bramidos de angústia e de revolta
Se tanto brilho condenado à sombra,
De tanta vida condenada à morte!
*
Ninguém entenda, embora,
Esse vago clamor, marulho ou versos,
Que sai da tua solidão nas praias,
Que sai da minha solidão na vida...
Que importa? Vibre no ar, acorde os ecos
E embala-se a nós que o murmuramos...
Versos, marulho! Amargos confidentes
Do mesmo sonho que sonhamos ambos!
NO MAR LARGO
Ó lua bendita
Que vens clarear
A sombra infinita
Da noute no mar!
Como princesa encantada
Que um leve sonho conduz,
Surges do mar, coroada
De um ninho de ouro e de luz.
Surges; e à tua presença,
O céu, criado por ela,
De dentro da noute imensa
Surge, e se azula, e se estrela.
Ó lua bendita
Que vens clarear
A sombra infinita
Da noute no mar!
Surgida do mar infindo,
O infindo céu te seduz
– Campo em flor que vês fulgindo
em flores de ouro e de luz;
Teu passo, lento, caminha...
Onde vais? É longe? É perto?
Sobes, absorta e sozinha,
Pelo azul, vasto e deserto.
Ó lua bendita
Que vens clarear
A sombra infinita
Da noute no mar!
Lua, lua, não te apresses:
Mais sobes, mais se reduz
No alvor em que empalideces
Teu nimbo de ouro e de luz...
Onde o teu sonho te arrasta?
A que destino? A que termo?
Segues... A noute é tão vasta
Pelo azul do céu tão ermo...
Ó lua bendita
Que vens clarear
A sombra infinita
Da noute no mar!
Tão alto que tu subiste!
Tão longe!... Do céu a flux,
Vagueias, pálida e triste,
Entre as flores de ouro e luz...
Como entristece da tua
Ausência, ou das tuas mágoas
O mar que deixaste, ó lua,
Lua surgida das águas!
Ó lua bendita
Que vens clarear
A sombra infinita
Da noute no mar!
Como uma lágrima prestes
A rolar, pairas suspensa
Lá dos páramos celestes,
Lá do azul da noute imensa:
De todo o céu luminoso
Sobre todo o escuro mar
Desce o alvor silencioso
Do luar...
E o mar, sob a triste alvura
Desse lívido sudário,
Ermo e vago, se afigura
Mais vago, mais solitário...
Ó linda princesa
Que vens aumentar
A imensa tristeza
Da noute no mar!
A VOZ DO SINO
I
Tarde triste e silenciosa
De vila de beira-mar:
Uma tarde cor-de-rosa
Que vai morrendo em luar...
Ao longe, a várzea cintila
De uns restos de sol poente;
Mas, por sobre toda a vila
- Do morro a que fica rente
Desce uma sombra tranquila -
E anoitece lentamente.
Não aparece viv’alma.
Nem rumor da natureza,
Nem eco de voz humana
Perturba a infinita calma,
A solitária tristeza
Da pobre vila praiana.
Nem se ouve o mar, longe, e manso.
A tudo, em redor, invade
Um ar de mole descanso...
Silêncio... Imobilidade...
Como que, interrompida,
A correnteza da vida
Fez neste ponto um remanso.
De súbito, rumoreja
Violentamente o ar:
Na torrezinha da igreja
Rompe o sino a badalar.
Ponho-me atento, a escutá-lo:
Que diz, alto e repentino,
Esse bater de um badalo
Num sino?
Badalo que assim badalas
No sino que assim ressoa,
Aves, já nenhum voa:
Dormem; e vais acordá-las
À toa...
Vais espantar quanta moça
Aí pelos arredores
Depois de um dia de roça,
De enxada e de soalheira,
Dedica a tarde ligeira
A tarefas bem melhores:
Pelas discretas beiradas
De alguma fonte; fiadas
Na proteção pitoresca
De ramagens, folhas, flores;
Que fazem elas? Coitadas,
Bebem, nas mãos, água fresca...
Lavam as caras tostadas...
Ou cuidam dos seus amores...
Badalo que assim badalas
No sino que assim ressoa,
Olha que vais espantá-las
À toa...
Badalas... E eu que te falo
Não sei e nem imagino
Que pretendes tu, badalo,
A bater, bater no sino.
Talvez convoques à ceia
Pescadores que, lidando,
Nem viram que entardeceu;
Algum se estendeu na areia
A descansar; senão quando,
De cansado adormeceu...
Badala-me assim, badala:
Espera este dorminhoco;
Que ou ele, acordando, abala,
Ou fica dormindo – e em troco
Da sua madraçaria,
Chegando à casa atrasado
Acha no fogo apagado
A caldeirada já fria.
Badalo que assim badalas
No sino que assim atroa,
Porque é que tão alto falas
À toa?
A andar com menos demora
Talvez tua voz compila
Certo rei dos mandriões
Encarregado em má hora
De, nas três ruas da vila,
Acender os lampiões...
Chamas, talvez, ao seu posto...
Quem? Algum camaroeiro
Retardado e mal disposto
A seguir para o pesqueiro?
Badala-lhe que é sol posto,
Que a lua cheia está fora,
Que, com pequena demora,
Vai a maré vazar:
Pra chegar à costeira
Tem ele uma légua inteira
De caminho a caminhar,
Vencendo-a de combro em combro,
De atoleiro em atoleiro,
Com o remo e o puçá no ombro
E, na mão, o candeeiro...
Ruidoso sino da vila!
E é por cousas tão vulgares
Que atroas assim os ares
De uma tarde tão tranquila?
II
Badalo que assim badalas...
Que voz de repente soa
Acompanhando-te as falas
À toa?
É voz de gente que canta...
De gente... E parece tanta.
Da humilde igreja irradia
E para o céu se alevanta
A reza da Ave, Maria.
As vozes e as badaladas
Confundem-se... Misturadas
No fervor da mesma prece,
Sobem juntas para o ar
Onde a lua resplandece
E a noute, imensa, parece
Feita do alvor do luar...
Sobre a soleira da porta
Da casa pegada à minha,
Vejo sentada a vizinha:
Moça, e bonita... Que importa?
Tem nos braços o filhinho;
Fala-lhe, toda carinho;
Ele ouve; sorri, depois,
Responde-lhe, balbucia...
E, de mãos postas, os dois
Murmuram a Ave, Maria
Ante meus olhos perpassa
Uma visão: imagino
Maria, cheia de graça,
Jesus, loiro e pequenino.
Uma tarde cor-de-rosa...
Uma vila assim modesta,
Assim tristonha como esta...
De pescadores, também...
Sobre a planície arenosa
Por onde o Jordão deriva
Pousa a sombra evocativa
Das montanhas de Siquém...
À porta de humilde choça,
Uma mulher... Quem é ela?
É pobre... é jovem... é bela...
E é Mãe: comovida, a espaços
O seu sorriso se adoça,
O seu olhar se ilumina
Para a figura divina
Do filho que tem nos braços.
Mostra-lhe, à noute que estrela
O céu e que terra ensombra,
Como a terra é toda sombra
Como o céu é todo luz...
E o filho, enlevado nela,
Em êxtase balbucia...
A primeira parte Ave, Maria
Quem a rezou foi Jesus.
Sigo o meu sonho... Imagino
Que, por todas essas roças
Aonde chega a voz do sino,
A sombra triste das choças
Frouxamente se alumia
Da vela de cera acesa
Ante uma Virgem Maria
Tendo nos braços Jesus.
É a hora augusta da reza...
Mães, pobres mães andrajosas
De filhinhos seminus,
No chão de terra ajoelhadas,
Dizem cousas misteriosas,
Palavras entrecortadas
De mágoa que se lastima,
De súplica, e de esperança
A essa outra Mãe que, lá em cima,
Na glória do céu, descansa
Do que passou neste mundo.
Ela que, com o mesmo eterno
Requinte do amor materno,
Sorriu a Jesus criança,
Chorou Jesus moribundo,
Lá, do alto céu infinito,
Olha com olhos de Santa
E de Mãe que já sofreu
Tanto coração aflito
Que se volta para o seu.
Na roça a miséria é tanta...
Quanta pobre gente, quanta,
Expia o ser mal nascida
Cumprindo a pena da vida
Como pregada a uma cruz;
E na angústia que a quebranta,
Somente espera e antegoza
A proteção milagrosa
Da virgem Mãe de Jesus!...
Na roça a miséria é tanta...
E cada choça sombria
Para o claro céu levanta
A reza da Ave, Maria.
Não, tu não falas à toa:
Errei, confesso-o... Perdoa,
Ó sino humilde da vila,
Que assim badalas, badalas,
Na paz da tarde tranqüila;
Ó sino, que também rezas,
Ó sino, que tanto falas
À terra, toda asperezas,
Como ao céu, todo luar,
Chamando, com o mesmo zelo,
Cada infeliz – a rezar,
Nossa Senhora – a atendê-lo.
Consolador de tristezas!
Semeador de esperanças!
Aqui nestas redondezas
Não há vida tão bonanças
Nem casebre tão remoto
Onde quanto o sino diz
Não abençoe um devoto,
Não console um infeliz...
Por essas várzes tão ermas
Onde, perdidas e sós,
Há tantas almas enfermas
De desesperos sem voz,
Onde tanto desdenhado
De Deus, que decerto o olvida,
Vive, até morrer, vergado
Ao peso da própria vida,
Vais chamar, em altos gritos
– Como se fosse a um dever –
desamparados e aflitos
– Par o consolo de crer.
E de casebre em casebre
Onde gente, a vida inteira,
Vive de trabalho e febre,
Morre de fome e canseira,
Afirmas à angustia surda
Do mísero tabaréu
Que o brejo em que ele chafurda
– é um caminho para o céu.
A cada pobre praiano
Que, na sua dura lida
De afrontar o largo oceano,
Vive de arriscar a vida.
Tu, consoladoramente,
Falas para lhe lembrar
Que há quem reze por a gente
– E há céu por cima do mar...
Da mesma igreja alvadia
Evolam-se as badaladas
E a reza da Ave, Maria.
Evolam-se... Misturadas,
Sobem juntas para o ar
Onde, pálida e sozinha
Tão alva, que resplandece,
Tão só, que vai a sonhar,
Caminha a lua, caminha,
E o céu, imenso, parece
Feito de sonho e luar...
Humilde sino da vila,
Que assim badalas, badalas,
Na paz da tarde tranqüila;
Não, tu não falas à toa:
Percebo o que e a quem falas...
Perdoa!
ROSA, ROSA DE AMOR
I
(Olhos verdes)
Olhos encantados, olhos cor do mar,
Olhos pensativos que fazeis sonhar!
Que formosas cousas, quanta maravilhas
Em voz vendo sonho, em voz fitando vejo;
Cortes pitorescos de afastadas ilhas
Abanando no ar seus coqueirais em flor,
Solidões tranquilas feitas para o beijo,
Ninhos verdejantes feitos para o amor...
Olhos pensativos que falais de amor!
Vem caindo a noute, vai subindo a lua...
O horizonte, como para recebê-las,
De uma fímbria de ouro todo se debrua;
Afla a brisa, cheia de ternura ousada,
Esfrolando as ondas, provocando nelas
Bruscos arrepios de mulher beijada...
Olhos tentadores da mulher amada!
Uma vela branca, toda alvor, se afasta
Balançando na onda, palpitando ao vento;
Ei-la que mergulha pela noute vasta,
Pela vasta noute feita de luar;
Ei-la que mergulha pelo firmamento
Desdobrado ao longe nos confins do mar...
Olhos cismadores que fazeis cismar!
Branca vela errante, branca vela errante,
Como a noute é clara! Como o céu é lindo!
Leva-me contigo pelo mar... Adiante!
Leva-me contigo até mais longe, a essa
Fímbria do horizonte onde te vais sumindo
E onde acaba o mar e de onde o céu começa...
Olhos abençoados, cheios de promessa!
Olhos pensativos que fazeis sonhar,
Olhos cor do mar!
V
(A flor e a fonte)
“Deixa-me, fonte!” Dizia
A flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
Cantava, levando a flor.
“Deixa-me, deixa-me, fonte!”
Dizia a flor a chorar:
“Eu fui nascida no monte...
Não me leves para o mar”.
E a fonte, rápida e fria,
Com um sussurro zombador,
Por sobre a areia corria,
Corria levando a flor.
“Ai, balanços do meu galho,
Balanços do berço meu;
Ai, claras gotas de orvalho
Caídas do azul do céu!...”
Chorava a flor, e gemia,
Branca, branca de terror,
E a fonte, sonora e fria,
Rolava, levando a flor.
“Adeus, sombra das ramadas,
Cantigas do rouxinol;
Ai, festa das madrugadas,
Doçuras do pôr do sol;
Carícia das brisas leves
Que abrem rasgões de luar...
Fonte, fonte, não me leves,
Não me leves para o mar!...”
*
As correntezas da vida
E os restos do meu amor
Resvalam numa descida
Como a da fonte e da flor...
BIBLIOGRAFIA
AMARAL, Emília [et al.]. Português: novas palavras: literatura, gramática, redação. São Paulo: FTD, 2000.
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Biografia de Vicente de Carvalho. Disponível em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=109&sid=282. Acesso em: 25 fev. 2012.
ARQUIVO O ESTADO DE S. PAULO. Fotografia de Vicente de Carvalho. 1909. pb.
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. 3.ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1997.
CARVALHO, Vicente de. Poemas e Canções. 17.ed. São Paulo: Edição Saraiva, 1965.
D’AZEVEDO, Octávio. Vicente de Carvalho e os Poemas e Canções. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1970.
ENCICLOPÉDIA BARSA. São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1975.p. 116.4v.
LUFT, Celso Pedro. Novo Manual de português: Gramática, Ortografia Oficial, Redação, Literatura, Textos e Testes. 8.ed. São Paulo: Globo, 1990.
LEAL, Cláudio Murilo. Vicente de Carvalho: seleção: Coleção Melhores Poemas. São Paulo: Global, 2005.