Resumo

Verdade e falsidade discorre sobre a questão da verdade mostrando que a verdade ou o verdadeiro é aquilo que está adequado ao nosso conhecimento. A verdade como tal, em sua essência, se subtrai ao nosso dia-a-dia, não deixando que vivamos em plena verdade. Por isso, o falso se torna, muitas das vezes, companheiro da verdade em sua busca. Verdade é descobrir (levantar o véu) daquilo que está encoberto, pois estando encoberto (possibilidade da falsidade) não há o aconchego, a aproximidade, o companheirismo da própria verdade. O texto percorre o caminho da lógica sem adentrar-se em suas complicações. O artigo é apenas uma iniciação, um vislumbre, a ser, posteriormente, aprofundado, sobre esta questão tão ampla e tão antiga: a questão da verdade.

Palavras chaves: verdade, adequação, conhecimento, lógica, enunciado, juízo, ser, Alétheia (desvelamento). 

 Introdução

Este artigo discorrerá sobre a questão da Verdade e falsidade. A pergunta sobre a Verdade e Falsidade está diretamente ligada à questão do conhecimento. A filosofia se dedica a esta questão na disciplina “Teoria do conhecimento” que, de modo geral, abarca a visão de como conhecemos. Dessa forma, a teoria do conhecimento é uma disciplina científica que tem como objeto o próprio conhecimento. A teoria do conhecimento chama-se também epistemologia (doutrina do saber), Gnoseologia (doutrina do conhecimento), Noética (doutrina do pensamento) ou Criteriologia (doutrina dos critérios da verdade) (HARADA, 2009, p. 216).

A questão sobre a qual iniciamos a verificação se colocaria, por conseguinte, dentro da criteriologia por atender melhor aos objetivos a que propõe esta questão.

Perguntar sobre Verdade e Falsidade pressupõe já um conhecimento sobre o que seja verdade e o que seja a falsidade e, por isso e a partir daí, preiteamos diferenciar uma da outra.

Colocado sob este enfoque, conforme o título desse artigo, a discussão perfaz mais o campo de reflexão da Lógica, pois é aí que se desenvolve a questão da veracidade e falsidade dos enunciados. São os enunciados e argumentos que formarão o cerne de um discurso, principalmente no campo jurídico.

Uma questão se coloca de antemão: qual o enfoque ou qual o objeto formal da investigação sobre a Verdade?

Ora, colocar a Verdade como objeto de investigação não seria já uma falsidade, pois a verdade em si não pode ser colocada como formalidade objetiva? Como, então, investigar a questão?

 Antes de entrarmos no campo propriamente da nossa exposição convém fazer algumas perguntas.

O que se imagina quando se diz: A verdade dessa frase: 2 + 2 = 4.  A verdade de minha vida. A verdade da fé. A verdade da obra de arte. A verdade nos salvará. A verdade acima de tudo! Isto é de fato verdade? Está-se dizendo a verdade? O que garante que o que se diz é verdadeiro? A verdade deste livro.

Todas estas colocações já têm a verdade como pressuposto sabido. Ao pronunciá-las sabemos de antemão o que é a verdade. Então por que ainda nos preocuparmos em saber o que já sabemos sobre a verdade? A resposta pode estar no seguinte: o que imaginamos que sabemos, de fato, não o sabemos verdadeiramente.  Isto é, não o sabemos tendo como fundamento a verdade pela qual estamos nos questionando. O que sabemos sobre a Verdade se movimenta no nível do senso comum, isto é, do conhecimento que todos têm, sem uma base crítica. Nós nos seguramos no seio das diversas “verdades” da experiência de vida, da ação, da pesquisa, da criação ou da fé. 

Mas a questão colocada nos mostra que queremos uma “verdade” real.  Ao dizermos ou buscarmos a verdade, pelo fato de a buscarmos, proclamamos nossa ignorância, nosso não-saber a verdade. A verdade como tal, como essência, se subtrai ao nosso dia-a-dia, não deixando que vivamos em plena verdade. Por isso, a mentira se torna, muitas das vezes, companheira da verdade em sua busca.   

Neste artigo vamos expor simplesmente alguns tópicos do pensamento de Aristóteles uma vez que aprofundar a questão necessitaria um trabalho de maior pesquisa e acuidade no próprio ato de pesquisar.

 l. Verdade e falsidade no âmbito do conhecimento

A pergunta sobre a “verdade” e “mentira” está ligada à questão do conhecimento. De início colocamos a questão: o que é conhecimento verdadeiro e falso?

O homem ao tomar consciência de si e da natureza que o cercava, experienciou esta dupla relação, uma como caos e outra como ordem (cosmos). Ao se estabelecer na natureza, organizou o caos, isto é, “o aberto”, trazendo à fala o mundo, a ordem cósmica.  Caos significou a proximidade no perigo, na insegurança. Mundo significa o distanciamento do perigo, a segurança. Neste sentido a ordem cósmica estabelecida no aqui-agora da vida existencial do homem impôs a ele mesmo uma regularidade no viver, uma forma no proceder e uma necessidade prática. A compreensão dessa organização em forma de mundo se deu como esquema cognitivo, ou seja, como conhecimento.

Aristóteles na primeira frase da Metafísica diz: “Todo homem, por natureza, deseja saber” (Met. A, 980a, 21).

Esta frase de Aristóteles mostra, evidentemente, que todo homem tem uma necessidade prática frente à natureza de dominá-la através do conhecimento de que ela seja. Neste ato de conhecer o homem exerce seu desejo de domínio e de achego à verdade da coisa. Por isso mesmo afirma Aristóteles que a filosofia é chamada a ciência da verdade e que seu fim, como ciência especulativa, é a verdade. Chegar, pois à verdade é o pressuposto filosófico para o saber.

Verdade, em grego, se diz Alétheia que significa não oculto, não escondido, não dissimulado, des-velado (aquilo do qual retiramos o véu que o encobria). O verdadeiro é o que se apresenta aos nossos olhos, olhos do corpo e do espírito. A verdade se apresenta a nós como manifestação daquilo que é ou existe tal como é. Como todo grego, Aristóteles também se movimenta dentro desta compreensão. Assim sendo, verdadeiro se opõe a falso, pseudos, que é o encoberto, o que está escondido, o dissimulado. O que aparece ser e não é com parece, o que permanece encoberto com o véu (CHAUÍ, 1999, p. 99).

Por isso, para Aristóteles o verdadeiro é o evidente, aquilo que é plenamente visível para a razão.  O verdadeiro está na própria coisa sendo, dessa forma, a verdade, qualidade dessa mesma coisa.

O grego privilegia o conhecimento através da visão. Pela visão ele diz a verdade que está na própria realidade, a verdade do ser. No Tratado da Alma (III, 5; 430a 14-17), distingui Aristóteles: “... de um lado, o intelecto que pode chegar a ser todas as coisas, e, por outro, o (intelecto) que produz (poiein) todas as coisas, porque é uma capacidade que opera como a luz (fôs); pois, em certo sentido, a luz converte as cores em potência (na obscuridade) em cores em ato (ao serem iluminadas)”. Aristóteles está aqui demonstrando que a verdade das coisas se manifesta em dois momentos da compreensão, um “que produz todas as coisas” pelo qual o homem se abre ao mundo enquanto tal e assim conhece os seres, o outro através do qual tudo é iluminado pela luz e assume presença. O homem, portanto, não habita mais o mundo obscuro do meio animal, mas habita o mundo iluminado pela razão, ou intelecto, dando às coisas seu ser. A verdade (Alétheia) está nas próprias coisas, ou seja, na realidade,

e o conhecimento verdadeiro é percepção intelectual e racional dessa realidade. Por isso, tendo por base o texto transcrito de Aristóteles pode-se dizer que o conhecimento do verdadeiro é a evidência, entendendo-se esta evidência como a visão intelectual e racional da realidade tal como é em si mesma e alcançada pelas operações de nossa razão ou de nosso intelecto (CHAUÍ, 1999, p. 100).

Podemos, pois, concluir este primeiro ponto, dizendo que o desejo do verdadeiro, segundo Aristóteles, move a filosofia e também faz suscitar a própria filosofia. Este desejo se expressa no conhecimento da verdade do ser, o qual obtemos através do intelecto (intelecto agente) como uma luz que dá o conhecimento das coisas.  Trata-se da necessidade prática do homem frente à natureza, às coisas.   Esta necessidade prática é constitutiva da vida, da vontade de dominação do homem. Dessa forma a verdade confere às coisas, aos seres, ao mundo um sentido verdadeiro expresso através da pureza e castidade do ver, do olhar como expressão do ideal do saber pelo saber, isto é, da ‘desinteressada’ contemplação (teoria).

Em relação à mentira ou falsidade partimos ainda da concepção grega pela qual as coisas ou o Ser é o verdadeiro ou a verdade. Tudo que existe manifesta sua existência ou sua verdade pela percepção. O falso, o erro, a mentira, é a não visão dos seres como de fato são, é não falar deles tais como são.

 2. A Verdade como concordância (adequação)

Na base da filosofia de Aristóteles está uma ciência universal do ser, a qual ele chama de “filosofia primeira” ou metafísica, conforme ficou conhecida pela tradição posterior. Esta ciência nos ensina sobre a essência das coisas, o princípio último da realidade, que é a verdade do ser.  Portanto, o objeto da filosofia primeira é o ser, assim, como já explicitamos. O conceito de verdade relaciona-se intimamente com a essência do conhecimento. 

Para Aristóteles a verdade é o que constitui o verdadeiro enquanto verdadeiro. Mas, o que é o verdadeiro? Ou seja, o ser verdadeiro? Não resta dúvidas que é o real. O não verdadeiro é o falso, o não-real, a mentira. Mas o que é isto: a verdade?

Aristóteles afirma que a verdade é a conformidade, a concordância entre a ideia e a coisa e entre a coisa e a ideia. A verdade está na própria coisa, quer dizer, na realidade. A verdade é a concordância da coisa com o conhecimento ou do conhecimento com a coisa. Ela, a verdade, é um constitutivo das coisas, da realidade, do ser. Coisa é uma palavra que vem da palavra latina causa, isto é, força constitutiva da realidade que está sempre no vigor de se apresentar, de seu aparecer. Quando algo se apresenta a nós, ele se coloca a nossa frente, na presença. Ele se mostra, saindo de dentro de si, do seu esconderijo. Esse movimento os gregos, e Aristóteles, entendiam como verdade.

A percepção intelectual e racional dessa realidade é o conhecimento verdadeiro que se exprime como evidência, como visão intelectual e racional que deve ser alcançada pelas operações de nossa razão ou de nosso intelecto. Heidegger em Sobre a essência da Verdade, diz que esta concordância se dá de maneira dupla: “ser verdadeiro e verdade significam aqui: estar de acordo e isto de duas maneiras: de um lado, a concordância entre uma coisa e o que dela previamente se presume, e de outro lado, a conformidade entre o que é significado pela enunciação e a coisa” (1970, p. 22). Dessa forma uma ideia é verdadeira quando corresponde à coisa que é seu conteúdo e que existe fora de nosso pensamento. Heidegger continua acentuando: “Este duplo caráter da concordância traz à luz a definição tradicional da essência da verdade: Veritas est adaequatio rei et intellectus. Isto pode significar: Verdade é adequação da coisa com o conhecimento. Mas pode se entender também assim: verdade é a adequação do conhecimento com a coisa...” (1970, p. 22). Nessa mesma linha Marilena Chauí comenta nos seguintes termos: “... Não se diz que uma coisa é verdadeira porque corresponde a uma realidade externa, mas se diz que ela corresponde à realidade externa porque é verdadeira (CHAUÍ, 1999, p.100).

A correspondência ou adequação da ideia à coisa não significa um processo de cópia. Isto é, não se trata do intelecto copiar internamente a realidade ou a coisa. Mas sim que a ideia conhece a estrutura da coisa, conhece as relações internas necessárias que constituem a essência da coisa e as relações e nexos necessários que ela mantém com outras (CHAUÍ, 1999, p. 103).

Observemos o esquema abaixo;

1. Enunciação   ---------------------------------------------- > coisa

                                   concordância ou adequação

 2. Enunciação    ----------------------------------------------> coisa

                            < --------------------------------------------

No primeiro esquema observamos um comportamento lógico-formal no qual parece que a concordância se constitui como mera cópia da coisa no enunciado produzido pelo intelecto. No segundo esquema verificamos que a concordância se dá no fluxo do conhecimento no qual a coisa enunciada adentrou no intelecto e o intelecto na coisa. No primeiro esquema pode haver engano, mentira, falsidade por não haver adequação. Enquanto no segundo não há esta possibilidade.

 3. A concordância expressa através do enunciado

O conhecimento propriamente dito se estrutura num juízo, isto é, através da palavra que enuncia algo sobre algo. Todo enunciado ou juízo compreende S (sujeito) e P (Predicado). Já quando perguntamos: o que é isso? Funcionamos dentro de um esquema, onde há o objeto diante de mim, sobre o qual (objeto) perguntamos. A resposta é dada também na mesma estrutura, por exemplo, isto é branco. Tem-se um núcleo de atribuição, ao qual atribuímos uma cor, uma qualidade, uma propriedade.

Se examinarmos de uma forma muito ingênua e simplificada essa maneira de ser do conhecimento judicativo, percebemos que a nossa concepção é a seguinte: diante de mim existe um objeto (uma coisa) independente de mim. Aqui estou eu, o sujeito que conhece e pronuncia uma verdade sobre esta coisa como a atribuição da cor branca. A cor branca, realmente, pertence ao objeto. Isto é a verdade do objeto (HEIDEGGER, 1970, p. 22).

Mas, se um dia se perceber que nem tudo que se atribui ao objeto, de fato, lhe pertence, há um engano, uma falsidade, um erro ou uma mentira. Então, surge uma dúvida: como é possível o conhecimento da verdade?  Qual o critério da verdade? Ou então, qual a verdade da enunciação. Vejamos como Aristóteles nos apresenta isto.

Aristóteles formula o princípio da não-contradição. De acordo com este princípio “não é possível que o mesmo, sob a mesma relação, simultaneamente venha de encontro e não venha de encontro ao mesmo” (Met. IV, 3, 1005b, 19). Como para Aristóteles este princípio é “o mais seguro de todossendo por natureza o princípio de todos os axiomas” ( Met. IV 3, 1005 b, 12, 34) ele tem a intenção de ser um princípio de compreensão da totalidade do ente, expressa, portanto, uma necessidade ontológica que deve valer como verdadeiro. De acordo com Aristóteles este princípio constitui-se em que um engano é impossível, por isso diz Aristóteles que este princípio deve ser sem pressuposições. Estamos aqui frente ao segundo esquema no qual há o movimento compreensivo entre realidade ( coisa) e intelecto. O ente é aquilo que se torna presente no movimento da apresentação da coisa ( realidade) ao intelecto. Desse modo a verdade é a adequação da enunciação com a coisa e a adequação da enunciação com a coisa baseia-se na apresentação.

Conclusão

Analisamos a questão da verdade mostrando que, em primeiro lugar, todo homem deseja saber, e o desejo de saber é filosofia. Saber a verdade do ser é apreender através do intelecto (luz) a coisa assim como ela é.

O enunciado exprime a verdade da coisa. Mas esta verdade, em Aristóteles, não deve ser entendida como representação sem mais, uma cópia da coisa em nosso intelecto, porém como um movimento de ir e vir da ideia e do objeto como apresentação. O objeto se apresenta ao intelecto e este se apresenta na forma de enunciado ao objeto.

Daí, pode-se ver que o erro ou a mentira tem sua referência em relação à aparência superficial e ilusória das coisas ou dos seres. Ela surge quando não atingimos a essência da realidade encobrindo e dissimulando a veracidade de nossa percepção sensorial ou intelectual.

Também podemos compreender a mentira ou o erro quando negamos o ser, dizendo que ele não é, quando lhe atribuímos qualidades ou propriedades que não se adequam, que não concordam com a coisa ou o ser e sua essência. O erro, a mentira se instala, então, no enunciado se tornando um acontecimento do juízo ou do enunciado.

Com Heidegger podemos concluir dizendo que “verdade significa o velar iluminador enquanto traço essencial do ser” (1990, p.48).

Bibliografia

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ALEJANDRO, José M. Gnoselogia de la certeza. Madri: Gredos, 1965.

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CORBISIER, Roland. Introdução à Filosofia. Tomo II, 2ª edição. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1991, p. 198 ss.

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GARCIA Lópes, Jesús. El valor de la verdad y otros estudios. Madrid: Gredos, 1965.

HARADA, Hermógenes. Verdade e Liberdade. In: Iniciação à Filosofia. Teresópolis: Daimon Editora, 2009, p.198-292.

HEIDEGGER, Martin. Sobre a essência da verdade. S. Paulo: Livraria Duas Cidades, 1970.

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