Vivemos em um mundo de contrastes e trastes. De um lado, a preocupação de alguns pela Natureza, sendo esta, constituída de animais, vegetais e minerais. De outro lado, nesta Natureza, além de todos esses seres, coloca-se o Homem, no centro das atenções. Está feita a distinção. São estas, simplificadamente, as visões básicas do cotidiano. A consciência ecológica funciona assim. Campanhas às vezes com boas intenções, resvalam em atitudes infantis ou pueris. Porém, se por acaso você se desloca, por exemplo, até o Vêr-o-Peso, em Belém, Pará e não se contenta apenas em ver, você será bombardeado com muitas e muitas questões, que no todo, nos mostram o lado sombreado de Ecologia – A Ecologia Humana.

                                               Você se dispõe a sentar numa daquelas barraquinhas da feira turística e tendo é claro, um pouco (só um pouco) de sensibilidade e cultura, vai presenciar cenas mundanas que mais parecem saídas do livro “Macunaíma”, de Oswald de Andrade. Como as que por mim presenciadas recentemente:

                                               Um garoto, que, na língua falada, chamamos de moleque, ou, na língua assistencial, de menino de rua, ou ainda, na língua policial, de pivete, com idade beirando os treze anos, cuidando carinhosamente de uma cadela que dias atrás tinha parido seis filhotes, sendo cinco “mulheres” e um “homem” – falava o Zezinho (assim passo a chamá-lo). Abrigada que foi por ele, em um daqueles pequenos coretos, próximo do atracadouro da linha fluvial Belém-Icoaraci. O Zezinho vigiava a vira-lata e sua prole das mãos estranhas. Ele estava vestido apenas com uma bermuda, tipo surfista, igual àquelas vistas em novelas de TV. Ele é moreno, dentes fortes. Com uma rápida visão rastreadora pelo seu corpo seminu, veem-se diversas feridas. Umas novas, ainda não completamente secas, outras já cicatrizadas. A que sobressai está à altura da barriga, acima do umbigo: As mãos, braços, pernas, rosto e pés apresentam também marcas. Aparentemente, o Zezinho se mostra forte, saudável. De repente, o meu cérebro interroga: -- Quem é este ser humano? Onde mora e o que faz? O que come? O que pensa? Rapidamente as respostas fluem com monossílabos saídos de sua boca. Vive ali, come ali, pensa ali.  Cheira cola. Rouba carteira ou sacola. Se joga na Baía de Guajará para fugir. Nada a favor ou contra a maré. Esconde-se por debaixo das lages do porto. E vive? Não. Miseravelmente sub-vive.

                                               Em uma conversa ligeira enquanto tomo um caldo de mocotó, o barraqueiro, velho comerciante de comidas, tenta esclarecer: -- O Zezinho não vale nada. Nem a mãe o aguentou. É viciado em cola de sapateiro, pivete e etc. e tal. Em síntese, é o protótipo ou cópia fiel de um mini marginal urbano. Neste instante, aproxima-se um homem de meia idade. Esfarrapado e ébrio. Balbucia algumas palavras. Pede comida. Minha companheira oferta a sua para ele. Em seguida, pede-lhe em troca um favor. Pede para o mesmo comprar uma carteira de cigarros. Dá-lhe o dinheiro e o mendigo se levanta do banco onde sentara para tomar o caldo. Cambaleia mas vai. No mesmo momento, o comerciante, talvez desatento, se apressa em recolher o prato. Ao fazer o gesto de derramar seu conteúdo na vala, é por nós impedido. – “O mendigo foi comprar cigarro, mas volta”. Digo rapidamente. Ele cinicamente sorri para nós, dizendo que fomos bobos em dar dinheiro para ele. Passados não mais que cinco minutos lá está ele de volta com a carteira de cigarros e com o troco em dinheiro... Senta-se e continua a tomar sofregadamente a sua sopa, agora fria. Rapidamente acaba e levanta-se agradecendo. Some entre as barracas.

                                               Fica na gente, a consciência. O Ver-o-Peso da consciência.