Velho, meu querido velho

Por lucia czer | 12/08/2009 | Crônicas

Velho, meu querido velho...

(by lucia czer)

 

 

Domingo, 09 de agosto, Dia dos Pais! De quando em quando, ele assome na janela a espiar para a rua a ver se chega alguém. Espia com os olhos míopes de um azul claro esmaecido pela idade... No portão, ninguém.

Meneia a cabeça branca, arruma a manta, coloca as mãos no bolso e volta ao seu livro, velho companheiro. Não acredita em marcadores, assinala a página onde parou de ler, usando dobrar o canto da folha.

Cai a chuva lá fora. Dentro dele também chove: São as lágrimas contidas. Já correu tanto, já passou por tantas agruras, agora é só a espera. Espera o final, espera a visita dos filhos, espera o dia da consulta médica, espera o dia de receber os proventos da aposentadoria. Espera... Espera... Espera pelo que mesmo? Pra que esperar? Mas, aos oitenta anos, as pernas já não o levam aonde quiser.

São oito, os filhos, já perdeu a conta do número de netos, bisnetos... A companheira de cinquenta anos de vida conjunta, já partiu, deixando-o alijado da força que ela emanava. Ela, a sua “russa”, mulher forte, cabelos vermelhos, sempre presente, acompanhou-o sempre por onde andasse, a vida na granja, a construção da casa, a educação dos filhos...

Alguém há de chegar. Em vão. Imagina presentes, surpresas, carinhos. Qual dos netos também virá?

A filha com quem mora, vez e outra vai ver o que ele faz, sente a angústia dele reprimida, a ansiedade com que aguarda a chegada dos outros filhos. Arranja uma desculpa, tenta minimizar: - Pai, está chovendo, faz muito frio. Vão deixar melhorar o tempo!

Ele disfarça: - Sei, filha, sei. Não estou esperando mesmo.

- Olha, a Mara ligou, a Jane também... A Isabel está no msn, deixou mensagem, diz que vai ver se pode vir em seguida. Chove muito lá também.

- Sei, sei...!

Sabe de tantas coisas, coisas que se acumulam na passagem do tempo, coisas que nem se sabe por que se aprende, mas a vida é uma mestra incansável.

De novo levanta, arreda a cortina. As nuvens distanciando-se, o céu clareando. Bom, amanhã será outro dia. A vida continua, um dia após o outro, um passo de cada vez. Afunda o corpo na poltrona, puxa o cobertor sobre as pernas, o sono vem e o vence.

A filha vem novamente olhá-lo preocupada com a desilusão dele. “Que será que passa sob as cãs?”

Recolhe os óculos, o livro, puxa a porta devagarinho. Talvez ele tenha um sonho bom, e nesse sonho a família seja ainda um ninho aquecido e amoroso, nesse sonho, as pessoas lembram dos seus familiares sem ser somente na hora de tirar proveito. Nesse sonho, envelhecer não é ficar sozinho e esquecido.