VANGUARDAS EUROPÉIAS NA LITERATURA
Por Henrique Araújo | 11/06/2010 | LiteraturaHISTÓRICO:
Para sabermos o que é vanguarda, precisamos saber que retaguarda são os diversos movimentos que atuam no momento. Dizemos que Castro Alves estava na retaguarda porque escrevia no Romantismo que estava em voga na época.
Vanguarda são
os movimentos que estão à frente do período literário vigente. Assim o
Futurismo é um movimento de vanguarda porque está sempre à frente.
A palavra vanguarda deriva da correspondente francesa avant-garde que significa grupos ou correntes que apresentam propostas ou práticas novas.
A palavra vanguarda está associada ao campo das artes, a uma ou mais tendências que, num determinado período histórico, rompem o estilo vigente da época. As pessoas rompem com o período atual, como se elas estivessem a frente do seu tempo, captando idéias do futuro. Geralmente são incompreendidas e sua arte provoca escândalo e choca os padrões do momento.
Grandes inovações apareceram no final do séc. XIX e começo do séc. XX, tais como: telégrafo, automóvel, televisão, lâmpada, avião, cinema, telefone, rádio e outros - modificando completamente o modo de viver das pessoas. Esse novo modo de vida ficou conhecido como a Belle époque. O essencial era viver com conforto. Os ricos iam na frente e os operários seguiam-nos um pouco atrás.
Surge o capitalismo imperialista e as primeiras potências mundiais: Inglaterra, França e Alemanha. Houve muitos choques entre os proprietários e a burguesia. Os choques foram tantos que acabou gerando a I guerra mundial na Europa que durou de 1914 a 1918. Este grande conflito abriu o olho de muitos países que passou a questionar os valores políticos.
A classe operária assume o poder pela primeira vez. Acontece a revolução Russa em 1917. As idéias de Marx e Engels passaram a ser praticadas, provocando pavor na classe dominante.
Terminada a I guerra, houve uma decadência européia e os EUA, aparecem como uma potência emergente.
MOVIMENTOS DE VANGUARDA:
Com esta série de problemas surgem novos pensamentos, novos movimentos artísticos e literários. Tudo isto veio culminar no que nós chamamos de vanguarda.
Estes movimentos trazem uma inquietação nas primeiras décadas do século, são altamente radicais, agressivos, questionadores, rompem com o academismo, criam uma arte deturpada. Eles divulgam suas idéias através de manifestos, editoriais, prefácios, muros, jornais e revistas literárias. São poucos os que possuem valor literário, servindo apenas como fonte histórica.
Estes movimentos hoje já pertencem ao passado, não tiveram uma vida muito longa, mas trouxeram um legado literário. Eles estabeleceram uma atitude crítica permanente e que servem de modelo para movimentos futuros.
Notamos nesses movimentos as seguintes características: propunham o antipassadismo cultural e, principalmente, o da arte; integração entre as diferentes manifestações artísticas como pintura, escultura, literatura, música, caricatura e arquitetura; deformação da realidade, imagens deturpadas; literatura visual, mas não abandonando totalmente as letras.
FUTURISMO:
O Futurismo foi um movimento lançado em 1909 em Paris no manifesto assinado pelo escritor italiano Filipo Tommaso Marinetti. Foram 30 manifestos lançados no jornal francês “Le Figaro” com o nome de “Manifesto Futurista”. Ele tinha um caráter violento e radical e chocou os meios culturais europeus. Propunha a destruição do passado e a exaltação do futuro, da técnica, da raça, da velocidade. Neste ponto glorificavam o ritmo da vida moderna, da era das máquinas, da velocidade, da eletricidade, do automóvel, do avião.
Na escultura e na pintura os futuristas buscaram representar o movimento dos objetos e seres no espaço.
Na literatura o efeito se dá através de uma técnica conhecida entre os futuristas como: “palavras em liberdade”. Com isto eles destruíram a sintaxe, acabavam com os adjetivos, aumentavam os substantivos.
Entre as características do futurismo temos: pregam a velocidade, a era da máquina, a destruição da sintaxe, a imaginação sem fio, palavras soltas, sem conexão, vida moderna, valorização do anti-racionalismo e outras.
ODE TRIUNFAL
Álvaro de Campos
À dolorosa luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica
tenho febre e escrevo
escrevo rangendo os dentes, fera para a beleza disto,
para a beleza disto totalmente desconhecida dos antigos.
Ó rodas, ó engrenagens, r-r-r-r-r-r eterno!
Forte espasmo retido dos maquinismos em fúria!
Em fúria fora e dentro de mim,
por todos os meus nervos dissecados fora,
por todas as pupilas fora de tudo com que eu sinto!
Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
de vos ouvir demasiadamente de perto,
e arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
de expressão de todas as minhas sensações,
com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas.
EXPRESSIONISMO:
O movimento expressionista surgiu em 1910 na Alemanha e trouxe uma grande herança da arte no final do séc. XIX. Sua grande aplicação, no entanto, só ocorreu no começo do século XX.
O expressionismo está mais ligado à pintura e teve sua base com o norueguês Edvar Much com o quadro: “O grito”. Na Alemanha o estilo foi abafado por ser considerado subversivo para os jovens, pois seu objetivo era expressar as emoções do mundo interior do ser humano, usando uma distorção violenta, cores fortes e traços exagerados. O expressionismo expressa o mundo interior do poeta, por isso as imagens saem distorcidas.
Eles também procuram mostrar o sofrimento humano, seus problemas, sua angústia. A caricatura procura mostrar a fealdade humana.
O Expressionismo vai até 1933 quando começa o seu declínio.
As inovações expressionistas em destaque são: a composição abstrata pode ser tão eficiente quando as composições facilmente identificáveis; o poder expressivo das cores, formas, pinceladas, escala, textura e tamanho reveste a criação, levando o artista a desprender-se do tema e revelar a sua visão dele.
Entre suas características destacamos: linguagem fragmentada, frases nominais; liberdade de forma; combate à fome, à inércia, a dar valor ao mundo burguês; distância do tema para expressar as emoções pessoais a respeito; linguagem metafórica e deturpada.; desconexão de idéias; imagem distorcida do interior do Eu.
NOTURNO
João Cabral de M.Neto
O mar sopra sinos
os sinos secavam as flores
as flores eram cabeças de santos.
Minha memória cheia de palavras
meus pensamentos procurando fantasmas
encontrar em meus pesadelos atrasados de muitas noites.
De madrugada, meus pensamentos soltos
voaram como telegramas
E as janelas acesas toda a noite
o retrato da morte
fez esforços desesperados para fugir.
DADAÍSMO:
O movimento Dadaísta surgiu em plena I guerra mundial. Um grupo de refugiados em Zurique na Suíça inicia o mais complicado movimento de vanguarda que conhecemos – o Dadaísmo.
Como vivia-se um clima de instabilidade e revolta, o movimento Dadá viria responder tudo aquilo com gozação, gargalhadas, deboche, ilogismo, irreverência e agressividade àquela civilização animalizada e decadente que se envolvera com a guerra. Se o mundo estava um verdadeiro caos, como é que iria ter uma arte bonitinha, bem trabalhada, bem elaborada? Para quê? Ser destruída com bombas e canhões? Uma arte é infinita e eterna, mas se tudo estava bagunçado e se acabando... Era inútil fazer arte, por isso os dadaístas fizeram uma arte anarquista, recitando poesia, música e danças incompreensíveis na época pela platéia.
Negando o passado, o presente e o futuro, o Dadaísmo é a total falta de perspectiva diante da guerra, daí ser contra as teorias, as ordenações lógicas, pouco importando com o público leitor.
E a palavra Dadaísmo de onde surgiu? Surgiu ao acaso. Eles abriram o dicionário ao acaso e deram com esta palavra. Tristan Tzara explica como encontrou o vocábulo:
“Encontrei o nome casualmente ao meter uma espátula num tomo fechado do Petit Larousse e lendo logo ao abrir o livro, a primeira linha que me saltou à vista: DADA. Em francês Dada é diminutivo infantil de cavalo (cheval).”
Tristan Tzara (1887-1963) poeta romeno foi o idealizador do Dadaísmo o qual propunha o fim de qualquer consumo estético em relação à arte por meio do uso da ironia, da invenção e da anarquia.
Marcel Duchamp (1887-1968) prendeu uma roda de bicicleta em uma banqueta e criou o “ready-made” roda de bicicleta, um dos símbolos do movimento dadaísta nas artes plásticas. Essa antiarte é a mesma representada pelo ready-made do pente e sua intenção é criticar o mercantilismo na arte.
O Dadaísmo, apesar de ser contra a arte, acabou se tornando num dos grandes movimentos da arte do séc. XX, dando origem, inclusivo ao Surrealismo mais tarde.
Entre as principais características desta literatura temos: movimento antiarte, anarquia, escrita automática (o que se pensa escreve), associação de idéias, invenção de palavras.
PARA FAZER UM POEMA
Tristan Tzara
Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar ao seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse atrito
e meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
Copie conscienciosamente na ordem que
elas são tiradas do saco.
O poema se parecerá com você.
E ei-lo escritor infinitamente e de uma sensibilidade graciosa,
ainda que incompreendido do público.
SURREALISMO:
O último movimento das vanguardas foi o Surrealismo lançado por André Breton em 1924.
Foi um movimento iniciado no período entre guerras, criado sobre as cinzas da primeira guerra e sobre a experiência acumulada de todos os outros movimentos. Suas origens estão mais próximas do Expressionismo, pois busca o homem primitivo, da libertação, do inconsciente, da valorização do sonho. Temos um Salvador Dali como o mais extraordinário surrealista. Ele sofreu as influências de Freud em suas obras.
André Breton divulga seu Manifesto do Surrealismo - automatismo psíquico pelo qual alguém se propõe a exprimir, seja verbalmente, seja por escrito, seja por qualquer outra maneira, o funcionamento real do pensamento. Muitos pintores aderiram a estas propostas, pois estavam ligadas ao subconsciente e à psicanálise.
O automatismo artístico propõe extravasar a criação do subconsciente, sem interferência da razão ou do pensamento. É a expressão total do mundo interior ( sonhos, alucinações, imaginação).
Para alcançar seus objetivos os surrealistas acreditavam ser necessária a mudança total da sociedade capitalista, acabando com a estrutura de classes sociais. Alguns de seus membros, inclusive, passaram a ter ligações com o comunismo, o que dividiu o grupo.
As últimas exposições Surrealistas aconteceram em Paris na década de 50.
Entre as suas características temos: automatismo psíquico; sem ordem lógica; improvisação; imagens deturpadas; inconsciente, intuição; sonhos, alucinações, imaginação; devaneio, impacto do inusitado.
OS ANJOS MORTOS
Leônidas Porto Sobrinho
Buscai-os, buscai-os
na insônia dos encantamentos esquecidos,
nos regueiros interrompidos pelo silêncio do lixo.
Não longe dos charcos incapazes de guardar
uma nuvem,
uns olhos perdidos,
um anel rompido
ou uma estrela pisoteada.
Porque eu os vi:
nesses escombros momentâneos que aparecem nas neblinas.
Porque eu os toquei:
no desterro de um tijolo defunto,
vindo ao nada desde uma torre ou um carro.
Nunca mais além das chaminés que se derrubam
nem dessas folhas tenazes que se gravam nos sapatos.
Em tudo isto.
Mas nestes estilhaços vagabundos que se consomem sem fogo,
nessas ausências fundidas que sofrem os móveis desvencilhados,
não a muita distância dos nomes e signos que se deixam esfriar nas paredes.
Buscai-os, buscai-os:
debaixo da gota de cera que sepulta a palavra de um livro
ou a assinatura de um desses cantos de cartas que o pó traz rodando.
Perto do casco perdido de uma garrafa,
de uma sola extraviada na neve,
de uma navalha abandonada na borda de um precipício.
CUBISMO:
O Cubismo desenvolveu-se a partir das experiências desenvolvidas na pintura por Pablo Picasso e de Georges Braque que valorizavam as formas geométricas ( Cones, esferas, quadrados, triângulos, cilindros, etc.) ao revelar um objeto em seus múltiplos ângulos. A proposta cubista centrava-se na liberdade que o artista deveria ter para decompor e recompor a realidade a partir de elementos geométricos.
O Cubismo nega a objetividade e a linearidade da arte realista e renascentista. Para o pintor cubista, o espectador é que deve recompor os planos e ângulos para obter uma visão do todo, de face e de perfil.
O trabalho mais importante de Picasso, foi a tela cubista Les Demoiselles d’Avignon de 1907 que foi a primeira obra cubista que conhecemos. Nesta tela fica patente a superposição de planos com o perfil e a vista de frente. A tela mostra uma série de ângulos. Os cubistas abandonavam, portanto, a perspectiva clássica e buscavam a visão sucessiva de diferentes ângulos.
Guilhaume Apollinaire publica os Caligramas em 1918, onde explorou as possibilidades figurativas do verso, abolindo as fronteiras que havia entre a poesia e a pintura. O texto poético ganha especial dimensão gráfica no espaço em branco. O poema “A apunhalada” mostra bem esta característica.
Entre as principais características destacaremos: a valorização das formas geométricas, principalmente os ângulos; interpenetração dos ângulos; imagens distorcidas; decomposição da realidade; negação da objetividade; descontinuidade cronológica.
A POMBA APUNHLADA
E O JATO D’ÁGUA
Guilhaume Apollinaire
Doces figuras apunhaladas
caros lábios em flor
Mia Mareye
Yette Lorie
Annie e você Marie
onde estão
vocês ó
meninas
Mas
junto a um
jato de água que
chora e que suplica
esta pomba se extasia
Todas as recordações de outrora?
Onde estão Raynal Billy Dalize
Os meus amigos foram para a guerra
os seus nomes se melancolizam
Como os passos numa igreja
E os seus olhares na água parada
Onde estão Crémnitz que se alistou
Morrem melancolicamente
Pode ser que já estejam mortos
Onde estão Braque e Max Jacob
Minha alma está cheia de lembranças
Derain de olhos cinzentos como a autora
O jato de água chora sobre a minha pena
Os que partiram para a guerra ao norte
se batem agora
a noite cai o sangrento mar
Jardins onde sangra abundantemente a
loura rosa flor guerreira.