Vandré: tanto pra se fazer e salvar

 

Edson Silva

 

Lembro ter dito em algum artigo que um dos primeiros trabalhos que fiz quando cursava o primeiro ano de Comunicação Social, em 82, na Puc Campinas, foi sobre a música de protesto, com ênfase no trabalho de Geraldo Vandré.  Na oportunidade, nestes golpes de sorte, surgiu em cartaz no Cine do Senac o filme “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”, com a trilha sonora ou parte dela assinada por Vandré. Não lembro se todo o grupo que fez o trabalho foi assistir, pois dividimos as tarefas, mas eu estava lá e com boa parte da nossa “tchurminha”. Confesso que meu interesse era maior nas músicas, pois conseguir alguma coisa sobre Vandré nos anos 80 não era fácil, não havia o desenvolvimento da Internet e mp3 nem pensar. O filme era datado de 65 e em muito lembrava aqueles que meu pai gostava de ver no cinema, que traziam histórias sobre o cangaço nordestino.

 

Os tempos modernos da Internet podem refrescar a memória (com ajuda da Wikipédia) e posso informar que o filme é baseado em um dos contos de Sagarana, livro publicado pelo folclórico João Guimarães Rosa, em 1946. Trata-se obviamente da história de Augusto Matraga, interpretado por Leonardo Villar. Ele era um fazendeiro violento, foi traído pela esposa, acabou emboscado pelos inimigos, massacrado e é dado como morto. Salvo por um casal de negros, Matraga volta-se para a religiosidade, até conhecer Joãozinho Bem Bem, vivido por Jofre Soares, um jagunço famoso, que percebe em Matraga um homem violento, que poderia servir aos propósitos do bando, normalmente saquear e matar famílias inteiras.

 

Daí em diante Matraga vive o conflito entre o desejo e a vingança e sua penitência pelos erros cometidos. Uma das cenas e falas do filme que mais me marcou foi uma ordem dada pelo jagunço Bem Bem de que Matraga deveria chacinar uma família e o personagem título do filme  desafia a ordem do chefe, dizendo que o que ele queria “nem o diabo fazia e nem Deus gostava”.

 

Não me recordo o desfecho, mas tenho quase certeza que é nesta hora que entram os acordes da breve música de Vandré, “ A Hora e a Vez de Augusto Matraga” Ela tem todo um instrumental marcado por sinos, achei uma pequena obra prima e que acaba nos deixando um vazio que mereceria um bis. A música seria gravada em 1966.“Vim aqui só pra dizer/Ninguém há de me calar/Se alguém tem que morrer/Que seja pra melhorar/Tanta vida pra viver/Tanta vida a se acabar/Com tanto pra se fazer/Com tanto pra se salvar/Você que não me entendeu/Não perde por esperar”

 

Edson Silva, 48 anos, é jornalista da assessoria de imprensa da Prefeitura de Sumaré.

 

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