Vou me mudar para o passado. Lá a leitura é o alimento, o alento, o sustento da alma. O aprender fazendo, era um recado para o sucesso. Esse recado, quando bem dado era uma lição; quando compreendido, um passaporte para a reprodução de novos saberes, de novos fazeres, de novos seres. Seres felizes com o que sabem, com o que fazem...

Lá, não é não; as pessoas vivem, a partir da convivência; lutam, a partir das lutas; fazem, a partir do que aprendem vendo as pessoas fazendo. Para  delinear um eixo capaz de nos conduzir ao melhor destino, primeiro temos que “sentir” como as coisas acontecem ao nosso entorno e de que forma as pessoas agem: “ a vida é muito curta para que aprendamos tudo com as nossas próprias experiências. Espelhemo-nos no cotidiano dos outros”. Enquanto crianças, os nossos outros são os nossos gestores, os nossos promotores, os nossos mantenedores, os nossos genitores, os nossos pais e irmãos mais velhos que estudaram as mesmas lições.

Se me mudar para o passado, vou rever a experiência daquele pai que, com muitos esforços educava os seus três filhos, com mãos carinhosamente firmes, ele exercia o papel de pai e de mãe daqueles novos seres que na simplicidade de crianças da zona rural, poucas perspectivas vislumbravam. Eram, do seu jeito, felizes. O pai, atento a todos os passos dos filhos, vivia preocupado com o que viria a ser desses meninos no futuro, quando o ciclo natural da vida os deixasse sozinhos para enfrentar o mundo que, em quaisquer tempos, é rigoroso, impiedoso e, até cruel com aqueles que não tragam no seu currículo, ferramentas que garantam um enfrentamento seguro para as questões criadas pelo homem ou pela natureza.

Ele procurou e encontrou um eixo que despertasse o interesse dos seus filhos. Todas as lições que ele poderia passar, o fazia de forma simples e clara.  Um dia disse: “- Estejam preparados para o futuro desconhecido, e quando ele chegar, nada temam, mas resolvam tudo. Não peguem o que tanto fiz e troquem por um tanto faz. Quando vocês completarem 12 anos, eu revelarei um grande segredo. Esse segredo fará  uma grande diferença na vida de vocês. Até porque, dizia ele, a vida é assim, ainda bem que é assim.

A criança mais velha se dedicava, com esmero, observando todos os passos e lições do pai, como se com isso acelerasse a corrida para os 12 anos, quando lhe seria revelado o grande segredo. Chegando o dia, o pai convidou o seu primogênito a um recanto da propriedade, onde eles pudessem conversar, sem que os outros dois filhos ouvissem a revelação do tal segredo. Ali, sentados em grandes pedras, o pai impôs, como condição para a esperada revelação, que o irmão sob nenhuma hipótese revelasse o grave mistério para os seus irmãos. Afinal se fosse antecipado aos menores, a regra do silêncio estaria quebrada. Ele pretendia que todos vivessem sua infância, na espera desse grande feito. Compenetrado, se achando adulto, a ponto de receber a chave do sucesso de sua vida adulta, garantiu ao pai que seria mais um guardião do grande segredo pra os seus irmãos, seguindo as lições do seu pai.

“-VACA NÃO DÁ LEITE”. Diante dessa frase, o garoto imaginou: tanto mistério, para me dizer essa bobagem? Claro que ele apenas pensou. Na sua relação com o pai, que sempre foi muito firme e correto, aos seus olhos, não lhe seria permitido julgar ingênua a revelação tão esperada. No máximo ele perguntou ao pai, por que tanto mistério, em torno de uma frase tão simples. O pai contextualizou e foi taxativo: há um senso comum a respeito dessa máxima. Se você, meu filho, refletir sobre o seu sentido, de fato, a vaca não nos dá o leite. Ela precisa existir. Não é fácil obter uma vaca leiteira. É necessário se trabalhar, e muito, para se conseguir comprar uma vaca leiteira.

Primeiro, você tem que trabalhar e muito. Adquirida, bem cuidada e alimentada, é possível que ela possua leite. Mas ela não te dá o seu leite. É preciso muita dedicação, prender o filhote às suas pernas , com muita técnica, começar a tirar o leite, lentamente. Mas todos esses passos são resultados de muitas lições, muito aprendizado, muita experiência, muita atenção.  Ficou lição: a vida não nos dá nada. Ela tira o que se tem, se a pessoa não dispuser de meios, conhecimentos e habilidades.

Voltando do passado onde éramos brotos de oliveira, estamos na era da colheita do leite das vacas que não temos, das vacas que não nutrimos, das vacas virtuais, das vacas eletrônicas, das vacas robôs que disponibilizam, nas prateleiras da vida, leite industrializado, com selo de garantia adulterado, com embalagens recicladas, com manuseios duvidosos. Estamos no campo da superficial chamada à atenção de uma sociedade que precisa estar presente ao mundo atual, convivendo por meio de cabos, sensores e aplicativos, mas que precisa rever o que se deixou pelo caminho durante da fse de formação das várias etapas etárias de vida da criança que está sendo preparada para  ser adulta com bases que precisam ser seguras.

“ Não, não pode Uma das tarefas mais difíceis desta vida, por alguma razão ainda não explicada pela ciência, é aprender uma de suas regras mais fáceis. A regra é a seguinte: certas coisas não se fazem.  Porque não se fazem,  por decência, consideração pelos outros e boa educação. Temos um problema; ou se aprende isso antes dos 10 anos de idade, ou não se aprende nunca. A língua inglesa tem uma expressão admirável: “It’s not done”: “Não se faz”. Há todo um universo moral contido nesse “não se faz”. É o que divide, no fundo, a qualidade interior dos seres humanos. Quem sabe naturalmente o que não se deve fazer está no lado do bem. Quem não sabe está no lado escuro da força, J.R. Guzzo  - (https://veja.abril.com.br”)

Diante do que vem sendo registrado em casa, na escola, nas ruas, nos parques, nas feiras, onde quer que se tenha a alegre e honrosa presença de crianças, ali estão igualmente, atitudes que demonstram que as mesmas, independente da classe social a que pertença, estão à frente do tempo no que diz respeito a sentir-se o centro das atenções, cuidados e caprichos. Muitos pais ainda insistem em manter um controle sobre essas atitudes e, não raro, assistem-se a repreensões que indicam quem está no comando da situação.

Ocorre porém, que os pais precisam entender que não há limites geográficos onde seus filhos, aqueles que ainda respeitam a decisão superior, possam viver “protegidos” das crianças “do resto do mundo”, aquelas que estão sendo criadas sem limites, estressadas, fragilizadas, irritadiças, intolerantes e, principalmente, não sabem lidar com a palavra “não”.

Não há de se procurar culpados pelo estado de coisa em que se encontra a condução de formação das crianças do nosso século. O que urge é que se busque identificar qual horizonte é vislumbrado para o amanha de toda uma geração que formada à deriva pode vir a aportar em portos poucos confiáveis.

Não é não.  Muitas vezes, quando não somos capazes de dizer um não, estamos dizendo um sim. Se a criança for treinada a vencer e a perder ela saberá distinguir o ideal a ser feito para se justifiquem tantos aparatos em nome de uma evolução que envolve muito mais do que é certo, ou errado, mas que precisa ser identificado como o melhor que deverá ser feito em favor da formação de um ser humano crítico, analítico e comprometido com o ideal de vencer, de forma positiva, ética e interessante para o conjunto da obra humana. Banalizada, nos últimos tempos, exatamente por falta do cultivo de regras, normas e valores, ou pelo viés com que esses elementos estão sendo tratados, não se tem investido tanto o quanto necessário para uma formação plena.

 Que não seja necessariamente até os 10 aos que uma criança deva aprender as lições e os caminhos que os levarão ao sucesso, mas em quaisquer momentos de sua vida, a disciplina, a orientação, a definição do que deve ser feito, sem explicação, em havendo “negligência” os prejuízos serão irreversíveis. Ora, diante do que a criança não aprendeu, não há o que se cobrar. Ela não poderá dar o que não tem. Se ela não tem, alguém cerceou o seu direito à informação, à oportunidade, ao conhecimento. Essa responsabilidade seria dos pais, primeiros educadores. Por falar nisso, Onde estão sendo formados os pais que educam as crianças e hoje, que serão pais no amanhã?

·Sebastião Maciel Costa