Utilização de vitrines agroecológicas para intercâmbio de conhecimentos com agricultores familiares em Sergipe
Publicado em 18 de dezembro de 2009 por Ivan Brscan
*
Amaury da Silva dos Santos,
*Humberto
Rolemberg Fontes,
*Fernando Fleury Curado e
*Joézio Luiz dos Anjos
A
Embrapa
Tabuleiros Costeiros possui um Campo Experimental que se localiza no
município
de Itaporanga D’Ajuda (Sergipe), denominado Reserva do Caju. Trata-se
de uma
antiga fazenda produtora de coco, que foi adquirida para desenvolver
pesquisas com
aquela cultura, onde se encontra
atualmente o banco ativo de germoplasma do coqueiro. Ocupa
aproximadamente
No
entorno da
Reserva do Caju, as áreas são ocupadas por comunidades de pescadores
artesanais,
agricultores familiares tradicionais e de assentamentos rurais,
fazendas com
predomínio do cultivo do coqueiro e criação de camarões. Com o objetivo
de
estimular o diálogo de saberes e intercâmbio técnico-científico das
comunidades
do entorno da reserva, com técnicos e estudantes e outros agentes de
desenvolvimento foram instaladas vitrines agroecológicas, como forma de
viabilizar o desenvolvimento da região.
Realizou-se
inicialmente
o diagnóstico dos sistemas de produção no assentamento Darcy Ribeiro,
localizado no entorno da Reserva onde foram identificados sistemas
diversificados,
predominando o policultivo, ou seja, o cultivo de várias culturas em um
mesmo
ambiente de forma sincronizada segundo uma racionalidade que considera
a
combinação entre as plantas, as condições do solo e o aproveitamento do
espaço
de produção.
Após o
conhecimento
dos sistemas de produção dos agricultores assentados e que, em grande
medida,
se reproduzem nas demais comunidades locais, optou-se pela replicação
da lógica
produtiva destes agricultores na Reserva do Caju. Neste sentido,
buscou-se a
associação dos saberes dos agricultores aos conhecimentos gerados pela
pesquisa, inicialmente na forma de uma vitrine tecnológica para
observações e
fonte para intercâmbio com agricultores, técnicos e estudantes.
A
conformação dessa vitrine também possibilitará a identificação de eixos
de
pesquisa em Agroecologia fundamentados nas experiências dos
agricultores
familiares desta região.
A
vitrine de
policultivo foi instalada em uma área bem representativa à encontrada
nos
assentamentos rurais da região, ou seja, solo com textura arenosa
classificado
como Neossolo Quartzarênico, caracterizado pelos baixos níveis de
fertilidade e
de matéria orgânica, além de pouca disponibilidade de água,
principalmente no
verão, que nesta região corresponde ao período seco do ano.
Iniciou-se
com o
plantio de coqueiros (Cocos nucifera
L.) em espaçamento 10x10m em quadrado, objetivando maior espaço entre
linhas e
plantas, onde seriam inseridas outras culturas. Os coqueiros (híbrido
de
coqueiro gigante e anão) foram plantados em berços com 60 x 60 x
Nas
linhas de
plantio dos coqueiros, optou-se pelo plantio de mudas de gliricídia (Gliricidia sepium (Jacq.) Steud) que
serviriam para adubação verde e fonte biomassa para cobertura do solo.
Essas
plantas foram adubadas com esterco e hiperfosfato de gafsa. Entre as
linhas de
coqueiro semeou-se no primeiro ano feijão-de-porco (Canavalia ensiformis DC.) e mandioca (Manihot esculenta
Crantz.). O feijão-de-porco foi cortado no início
da floração e depositado na superfície do solo, servindo de cobertura
morta
para a mandioca. No início das chuvas de 2009, iniciou-se o plantio das
culturas anuais: milho (Zea mays L.),
feijão de corda (Vigna
unguiculata (L.) Walp.) e mandioca.
Compostagem
e Vermicompostagem
No
processo de produção
do composto, são utilizadas camadas sucessivas contendo biomassa
vegetal
(capim, cana-de-açúcar, glirícidia, etc.), esterco bovino ou ovino,
hiperfosfato de gafsa e calcário. Após a montagem, cada camada é
umedecida com
água e biofertilizante líquido (Biogel). O uso do biogeo serve como
inóculo para
favorecer o processo de decomposição. O Biogeo é um produto de outra
vitrine
que será descrito posteriormente.
Em
15-20 dias o
composto é revirado, ou seja, as camadas mais inferiores vêm para a
parte de
cima e vice-versa. Este processo é feito visando a aeração e
uniformidade da
decomposição dos resíduos orgânicos. Este processo é repetido a cada 15
dias
até o momento que apresente textura parecida com borra de café e com
cheiro de
terra, a partir de 90 dias de sua implantação.
A
vermicompostagem,
técnica de produção de adubo orgânico com a contribuição das minhocas,
principalmente Eisenia. fétida e Eudrilus
eugeniae, introduzidas no
sistema após a fase termófila do
processo de compostagem, tendo como o intuito agilizar a transformação
de
resíduos orgânicos em húmus mais rico em substâncias de crescimento e
com
potencial de maior disponibilização de nutrientes. Na área, existem
três minhocários
que são formados por canteiros de alvenaria com dimensões de 10,0 X
1,0m onde
são mantidas minhocas e resíduos orgânicos - esterco de curral e restos
vegetais, como manga, gliricídia, caju, entre outros. O espaço é
utilizado para
discussão e troca de experiências com o público – agricultores,
professores,
alunos etc – sobre a importância ambiental da reciclagem dos resíduos
orgânicos
das propriedades, escolas, municípios e domésticos. O público é
estimulado a construir
em suas propriedades, ou mesmo residências, estruturas adaptadas às
suas
condições.
Em
ambas as
vitrines destaca-se na discussão, a importância do aproveitamento dos
resíduos
produzidos na propriedade, estimulando que façam seus compostos com o
que está
disponível, uma vez que o que está implantado na vitrine é apenas um
modelo,
mas cada um pode produzir o seu próprio desenho.
Biofertilizantes
líquidos
Existem
diferentes
tipos de biofertilizantes, podendo ser aeróbicos ou anaeróbicos. Na
Reserva do
Caju há dois modelos, conforme descrito a seguir.
O
Biogeo utilizado
na vitrine é um biofertilizante aeróbico rico em nutrientes para as
plantas, e também
pode ser útil no controle de pragas e doenças. É produzido numa caixa
d’água ou
qualquer outro recipiente disponível, onde são adicionados à água
esterco
bovino (ou outros), farinha de rochas, tortas, leveduras, xisto,
cinzas, etc,
ou seja, restos de matéria orgânica disponíveis. Este conjunto de
materiais com
água é arejado constantemente para que predominem no sistema
microrganismos
aeróbicos.
O
biofertilizante
líquido anaeróbico é constituído por um recipiente (bombona) onde são
distribuídos 40% de esterco e outros 40% de água. A bombona é
totalmente
vedada, e há uma conexão com um tubo que se ligará a um outro
recipiente com
água, que tem o objetivo de liberação de ar da bombona. Assim como o
Biogeo,
este biofertilizante pode ser usado tanto como biofertilizante como no
combate a
pragas e doenças.
Nessa
vitrine são
mantidas coleções com linhas de plantios de diferentes espécies
utilizadas como
adubo verde, onde são estimulados os debates e troca de experiências
sobre essa
prática, principalmente a fixação biológica de nitrogênio, a
conservação do
solo com plantas de cobertura e reciclagem de nutrientes. Atualmente a
vitrine
conta com as seguintes plantas: gliricídia, feijão de porco, guandu,
mucuna
preta, feijão caupi e crotalária.
Também
utilizamos
como vitrines três áreas de SAFs anteriormente montadas, para discussão
do uso
dessa ferramenta nas pequenas propriedades, adaptando a cada realidade,
tendo
como foco o quintal produtivo.
Visitas
a Remanescentes de Mata Atlântica
Na
Reserva do Caju
ocorre o projeto Embrapa Escola que tem por foco a recepção de
estudantes de
ensino médio e fundamental para a discussão de sistemas ecológicos da
mata,
importância de espécies e de sua preservação.
Desde
que as vitrines foram montadas, a Reserva do Caju tem sido alvo de
visitas freqüentes, incentivando o estabelecimento de novas vitrines,
assim
como a potencialização daquelas já existentes.
Durante
pouco mais de um ano ocorreram visitas de
agricultores, professores, estudantes
e membros das comunidades do entorno de vários municípios do Estado de
Sergipe,
sempre recebidos por membros do grupo temático de agricultura familiar
da
Embrapa com apresentações e discussões por meio de metodologias
participativas,
um diferencial didático aos “dias de
campo” tradicionais. Os agricultores do Assentamento Darcy Ribeiro
foram os
primeiros a visitar as vitrines, ainda no seu início. Ainda assim eles
conseguiram se enxergar dentro do processo e ao mesmo tempo se
colocando para
novos projetos. Existe um diálogo freqüentes entre todos, buscando a
interação constante
entre as vitrines apresentadas com a realidade dos agricultores. Os
agricultores são “provocados” a mostrarem suas experiências,
identificando
nesses momentos vários agricultores-experimentadores e suas idéias, as
quais
poderão ser utilizadas na montagem de novas vitrines e ações de
pesquisa
orientadas pelas demandas identificadas junto aos grupos, uma vez que
se
entende que é um processo dinâmico.