RESUMO

O presente trabalho tem como escopo a análise do déficit habitacional brasileiro e a sua construção histórica, assim como suas consequências e possíveis soluções dentro do aparato legal vigente. Também será visto no decorrer do trabalho o direito à moradia e seu caráter fundamental, o qual é constitucionalmente previsto no artigo VI da Constituição Federal de 1988. A partir daí será estudado a posse coletiva como uma das possíveis alternativas para mitigar o problema da crise habitacional brasileira, e também como um meio apto à efetivação desse Direito Social, o qual é de extrema importância para a consolidação de uma vida digna.

Palavras-chave: Déficit Habitacional. Moradia. Posse Coletiva.

1 INTRODUÇÃO

O censo demográfico de 2010 aponta que o Brasil apresenta um déficit habitacional de 6,490 milhões de unidades, o correspondente a 12,1% do total de domicílios no país, e cerca de 70% deste está localizado nas regiões Sudeste e Nordeste.  A região Sul é a que apresenta o menor déficit habitacional relativo do país (8,7%), nos três estados da região, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul o déficit habitacional é inferior a 10% (MPPR, 2014).

Com tais dados, é incontestável que este problema está vinculado a uma série de fatores históricos, diretamente ligados à ausência do Estado em gerir as demandas habitacionais. Em consequência disso, o aumento da desigualdade social e o acesso a serviços essenciais como a educação e saúde são comprometidos, aumentando assim a marginalização social.

 Em sua maioria, os indivíduos que não possuem moradia são marginalizados pelo Estado, e em decorrência disso ocupam propriedades, como prédios e casas abandonadas ou grandes terrenos periféricos, construindo assim comunidades (NASCIMENTO; BRAGA, 2009).  

Portanto é possível afirmar que não há efetivação jurídica das normas e, em decorrência da falta do Estado no que condiz a prover moradias, surgem novos movimentos e relações sociais. As ações desses movimentos tentam construir um espaço justo a eles, mesmo que possam gerar conflitos com o Estado ou com os indivíduos privados (MOTA, 2008, p. 18).

Analisando tal problema, entende-se que se trata de sujeitos coletivos, pois pautam o mesmo direito, sendo necessário buscar não somente a luta social como parâmetro de conquista, mas também ver as possibilidades legais para regularizar e garantir tal direito.

2 O DÉFICIT HABITACIONAL BRASILEIRO

O déficit habitacional é conceituado como a deficiência no estoque de moradias. Tal problema atinge principalmente os setores com menor renda, no qual se evidencia um problema com caráter extremamente histórico (IDESP, 2013? p. 9).

Partindo deste referencial, se destaca como um ponto relevante da crise habitacional brasileira o fim do séc. XIX, que é marcado pelo aumento da produção de produtos primários, pela abolição da escravidão e pelo aumento do fluxo imigratório para o Brasil. Conforme o início desse problema, o Estado se fez ausente na solução dessas demandas sociais, agravando a situação ao desenvolver programas econômicos que desestimulavam a produção agrícola. Em decorrência disso, o êxodo rural a partir dos anos 30 tornou-se mais intenso, criando aglomerados urbanos nas regiões periféricas das grandes cidades brasileiras, os quais conhecemos como favelas (BOTELHO, 2014, p. 6).

Alexandre Matias e Claudionor Mendonça dos Santos afirmam:

O fenômeno da urbanização, caracterizado pelo crescimento desordenado das cidades, surgiu no Rio de Janeiro, por volta de 1930, com o aparecimento tímido das primeiras favelas, sendo facilmente observada a sua aceleração, pois a topografia local obrigou um crescimento linear da cidade. Em São Paulo, o fenômeno iniciou através da ocupação de prédios antigos e de espaços ociosos onde numerosas famílias passaram a se abrigar no lugar que outrora fora ocupado por uma única família, por repartição pública ou até mesmo em terminal rodoviário (MATIAS; SANTOS, 2009).

Desta forma, a estrutura habitacional brasileira somente se agravou por todo o século XX, sendo assim Denise Nascimento e Raquel Braga complementam:

A história mostra-nos que não é mais possível sustentar o entendimento do déficit habitacional como resultado estatístico do reduzido ou do precário estoque demoradias versus o aumento populacional urbano. Informações publicadas sobre a produção habitacional no século XX possibilita-nos afirmar que os mecanismos públicos e privados estabelecidos para o enfrentamento do déficit habitacional vem se ancorando: (1) na predeterminação do modo de morar dos trabalhadores; (2) na mercantilização da casa própria; (3) no controle da expansão da cidade; (4) na racionalização do espaço mínimo; (5) na produtividade lucrativa da indústria da construção civil; e (6) na negação aos trabalhadores de baixa renda do acesso à terra, aos serviços urbanos e ao crédito (NASCIMENTO; BRAGA, 2009).

No atual contexto, a cidade irregular/informal pós-moderna (ou hipermoderna, como preferem alguns) apresenta estatísticas preocupantes para o Poder Público, em especial para os órgãos que são competentes para promover políticas habitacionais, não apenas os municipais, mas principalmente eles, razão pela qual merece discussão os limites e possibilidades do caráter prestacional ou positivo do direito à moradia, cuja garantia de eficácia é questão complexa do ponto de vista operacional, financeiro e urbanístico (BOHRER; CABISTANI, 2006).

Contudo, analisando realidade habitacional no Brasil, não é que falte residências, pois há mais residências do que famílias que necessitam de uma casa, logo, tal realidade é fruto de uma política habitacional fraca no decorrer da história do Estado brasileiro, e principalmente pela influência do poder econômico e da especulação imobiliária. O dado é de 6.273.000 famílias para 7.351.000 residências vazia, isso torna claro que é necessário que se repense o significado de moradia (BOULOS, 2012).

Portanto, não se desconhece que a luta pelo espaço urbano, além das famigeradas ocupações e invasões, materializa-se nos processos de favelização, encortiçamentoe periferização, onde prevalece a irregularidade e a ilegalidade do acesso à terra. A habitação é processo que tem como base de sua lucratividade a apropriação dos benefícios gerados pela extrema diferenciação do espaço urbano em termo de equipamentos, serviços e amenidades, diferenças que são reproduzidas e aprofundadas pelo processo de produção. Percebe-se, pois, que a realidade social não admite mais um conceito de moradia que não venha informado por elementos da realidade (em especial, da realidade regional e local) vez que o direito posto em causa não logrará qualquer efetividade se não for inserido e contextualizado nas práticas de produção habitacional levadas a efeito pelos gestores dessa política pública (BOHRER; CABISTANI, 2006).

Logo, o crescimento desordenado das cidades brasileiras, fruto da falta de planejamento e da precária gestão urbanística, resultou em sérios transtornos sociais, econômicos e ambientais. A contenção desses problemas é mais dispendiosa do que uma política pública em nível preventivo, necessária a uma estruturação urbana. Todavia o poder público se habituou a agir apenas quando da ocorrência de tragédias ambientais. A inércia do poder público, portanto, gera um prejuízo insondável, tanto no aspecto material como no imaterial. Como consequência, as desigualdades sociais produzem a marginalização de grupos sociais com baixo poder aquisitivo, fato que dificulta cada vez mais a efetivação do direito a uma moradia digna. Mediante esses fatores e colocando o Estado como um dos principais responsáveis desta crise,é compreensível que se existam inúmeras ocupações e invasões de propriedades que não são utilizadas, tornando-se legítimas. Tal conjuntura demonstra uma segregação social no meio urbano. Logo, a solução para o problema da desigualdade social não se limita apenas ao âmbito político-administrativo e econômico, mas deve também se concentrar na educação social (formação cidadã)(RANGEL; SILVA, 2011).