Keiliane paiva de carvalho[1]

RESUMO

O presente trabalho está inserido na Linguística de Texto, tendo como objetivos analisar, identificar e interpretar as ocorrências anafóricas nos textos dos alunos, assim como demonstrar que o fenômeno anafórico é um mecanismo que facilita a coesão e a continuidade temática na construção textual. Para tanto, analisamos as produções dos alunos do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública no município de Ibiapina - CE. O referencial teórico adotado teve como base estudo sobre texto e coesão em KOCH e FÁVERO (1998), KOCH E ELIAS (2006), KOCH (2011), MARCUSCHI (2008) e sobre as anáforas, os estudos realizados por FIGUEIREDO (2003). Nas análises das produções dos alunos, verificamos que a maioria se utilizou da anáfora do tipo pronominal, além de termos constatado que o recurso anafórico deve ser realizado de maneira adequada para uma melhor articulação no texto, deixando-o coesivo e com progressão, e que o uso desse recurso, de forma repetida, apesar de contribuir para a coesão prejudica a informatividade.

PALAVRAS -CHAVE: Anáforas. Coesão.  Continuidade. Progressão temática.

 

ABSTRACT

The article is inserted in the Linguistic of Text, with the objectives to analyz, to identify and to interpret the anaphoric in the texts of the students, as well as to demonstrate that the anaphoric phenomenon is a mechanism that makes esay the cohesion and thematic continuity in the textual construction. Therefore, we analyze the productions of the students of the 3rd year of high school in a public school from Ibiapina-CE. The theoretical framework adopted was based on a study on text and cohesion in KOCH and FÁVERO (1998), KOCH and ELIAS (2006), KOCH (2011), MARCHUSCHI (2008), and on anaphora, studies by FIGUEIREDO (2003). In the analyzes of the students' productions, we verified that the majority used the pronominal type anaphora, also it had verified that the anaphoric resource must be performed in a suitable way for a better articulation in the text, making it cohesive and progression, and that the use of this resource repeatedly, while contributing to cohesion, undermines the informativeness.

 

KEYWORDS: Anaphora. Cohesion. Continuity. Thematic progression.

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

A presente pesquisa está inserida no âmbito da Linguística Textual e se volta para o estudo da produção escrita, propondo facilitar a compreensão dos mecanismos de coesão textual, usando a anáfora como elemento de referência. Os questionamentos que podemos ressaltar como problemáticas são: De que forma os alunos do 3º ano do Ensino Médio de uma escola pública escrevem? Escrevem com clareza? Com organização de ideias?

O atual ensino de língua necessita de novos caminhos a serem trilhados a respeito de práticas educacionais que deem resultados. É necessário que o ensino de produção textual transforme os alunos passivos em seres agentivos, sendo preciso trabalhar, em sala de aula, o texto de forma funcional e não de maneira mecânica. Dessa forma, o professor deve ter a missão de incentivar o aluno a ser capaz de interagir, de forma reflexiva, com o texto. É importante que o estudante compreenda as relações dos elementos linguísticos, entendendo as funções que os elementos referenciais exercem no interior do texto para que a atividade da escrita aconteça de forma mais prática, interessante, relevante e cativante.

Por meio de estudos teóricos e análise de textos produzidos por alunos do 3º ano de uma escola pública no município de Ibiapina, estado do Ceará, demonstramos  a contribuição dos elementos anafóricos como facilitadores da coesão e progressão temática, em que  o aluno esteja voltado em como fazer a adequação dos termos anafóricos em seus textos e que estes deixem de ser repetitivos, redundantes, circulares e passem a ser mais articulados, interpretados semanticamente pelo seu sentido próprio, relacionando-os a outros elementos necessários a sua interpretação situacional (extratextual) ou textual, conforme Fávero & Koch (1983, p. 38).

 

1. O conceito de coesão e o seu aspecto referencial.

 

No trabalho em questão, direcionamos a compreensão da coesão, que é o processo responsável pela clareza das informações de um texto e ligação de componentes linguísticos. Halliday e Hasan (1973) apud Koch e Fávero (1998, p. 38) explicam a coesão como sendo:

“Um conceito semântico que se refere às relações de sentido que se estabelece entre os enunciados que compõe o texto, de modo que, a interpretação de um elemento dependa da interpretação de outro. Ainda para esses autores os principais fatores de coesão textual são: a referência, substituição, a elipse, a conjunção (conexão) e a coesão lexical.”

 

Marscuschi (2008, p. 99) afirma que os processos de coesão dão conta da sequência [superficial] do texto (seja por recursos conectivos ou referenciais), pois não são simplesmente princípios sintáticos, mas constituem padrões formais da língua, os quais transmitem conhecimentos, atribuindo significância, ou seja, sentido às palavras do texto. Em relação aos mecanismos coesivos na construção da textualidade, Koch (2013) propõe a existência de duas grandes modalidades de coesão: a coesão remissiva ou referencial e a coesão sequencial.

Partimos, então, do pressuposto de que os fenômenos de referenciação serão determinantes para um bom desenvolvimento na produção textual dos alunos. Tomemos, então, como objeto de análise do presente trabalho, a coesão remissiva ou referencial. De acordo com Marcuschi (2008, p.109), as formas remissas dizem respeito ao fato de uma forma textual remeter a outra, incluindo todas as anáforas. Segundo Figueiredo (2003), “o processo pelo qual se estabelece a ligação entre anáfora e o antecedente é chamado de retomada”. Assim sendo,

 

“A retomada é a operação responsável pela manutenção e, foco, no modelo de discurso, de objetos previamente introduzidos, dando origem às cadeias referenciais ou coesivas, que são responsáveis pela progressão referencial no texto”. (KOCH e ELIAS, 2013, p. 131)

 

 Quando a remissão estiver relacionada à situação de comunicação ou o referente está fora do texto, dizemos que a referência é extratextual ou situacional; é endofórica quando o referente se encontra expresso no interior do texto, e se preceder um elemento, temos a anáfora, se vem após ele, catáfora. Conforme podemos ver nos exemplos a seguir:

(1) “A gente era pequena naquele tempo. E aquele era um tempo em que ainda se apregoava nas ruas. Não em todas as ruas, mas naquela onde vivíamos. Naquela rua, que tinha por nome a data de um santo, o tempo passava mais lentamente do que no resto da cidade de Porto Alegre.” (Trecho inicial de uma crônica, postada no site http://revistagloborural.globo.com, por Letícia Wierzchowski).

(2) No Brasil, o problema é este: a corrupção.

(3) A violência está cada vez mais presente no Brasil. Esse problema precisa ser combatido por medidas eficazes.

No exemplo (1), notem que as expressões destacadas não estão referidas no texto em si, mas a algo exterior a ele, pois o tempo referido não é qualquer tempo, é um tempo específico, assim como a rua não é qualquer rua, o que acontece é a retomada de uma memória daquela rua, naquele determinado tempo, percebemos então que as referências estão fora do texto, elas estão dentro de um contexto, por isso dizemos que há uma relação exofórica.

Já nos exemplos (2) e (3), as retomadas são explícitas no interior do texto, de forma correferencial, dizemos que essas relações são endofóricas. Sendo assim observadas: no segundo exemplo o referente, “corrupção”, está localizado posterior ao pronome “este”, o que desencadeia uma relação catafórica. No que concerne ao terceiro exemplo, o referente, “violência” é retomado pelo pronome “esse” de forma anafórica, pois o referente antecede o pronome.

Esses mecanismos de retomadas evidenciam uma relação por referências e encadeiam um sentido, estabelecendo a chamada coesão referencial. “A coesão referencial é aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outros elementos nela presentes ou inferíveis a partir do universo textual.” (KOCH, 2013, p. 31)

 Desta feita, ao fazer um “resgate” de algum elemento no texto, facilita-se o processo de coesão, contribuindo com a ativação dos referentes e, consequentemente, do processo de construção do sentido no texto.

Sobre a atividade referencial, podemos dizer que participa tanto na produção quanto na interpretação do texto. A partir disso, temos a referenciação como algo que vai além da retomada, incluindo elementos inferenciais, conhecimento de mundo, ou seja, realização do modo discursivo.

Ainda Koch e Elias (2013, p.124) explicam que as formas referenciais são consideradas discursivas porque:

“As formas de referenciação são escolhas do sujeito em interação com outros sujeitos, em função de um querer-dizer. Os objetos de discurso não se confundem com a realidade extralinguística, eles se (re)constroem no próprio processo de interação.”

Portanto, a atividade de referenciação é vista de forma discursiva, pois contribui para a produção de sentido, ocasionada pela interação dos sujeitos, levando em consideração, sobretudo, suas bagagens de mundo. A referenciação é apontada por Mondada e Dubois (1995) apud Marcuschi (2008, p. 142) como sendo:

 “Um processo realizado no discurso e resultante da construção de referentes, de tal modo que a noção de referência passa a ter um uso diverso daquele que se lhe atribui na literatura semântica em geral. Referir não é uma atividade de “etiquetar” um mundo preexistente extensionalmente designado, mas sim uma atividade discursiva (criativa), de tal modo que os referentes passam a ser objetos-de-discurso.”

 

Tal como postula Mondada (1994, p.17) apud Marcuschi (2008, p.140):

“A noção de objetos de discurso interessa ter em conta a imbricação das práticas cognitivas e sociais nas operações de referenciação, onde a referência é construída pela atividade enunciativa e orientada em primeiro lugar para a dimensão intersubjetiva no seio da qual ela é negociada, instaurada, modificada, ratificada”.

 

Assim, a remissão (anafórica ou catafórica), como anteriormente mencionada, é um fator importante na sinalização do texto, ou seja, na organização dos argumentos que o autor propõe no decorrer do texto, seja estabelecendo ligação entre os tópicos, seja finalizando a informação de um tópico, passando para um novo assunto. Assim, dizemos que a retomada é responsável pela progressão textual. Nesta, Marcuschi (2008, p.141) define como sendo a introdução, identificação, preservação, continuidade e retomada de referentes textuais, correspondendo às estratégias de designação destes e formando o que se denomina de cadeia referencial.

 

2.O processo e os tipos de anáforas.

 

O termo anáfora tem sua definição seguindo o valor etimológico da palavra, que traduzida do grego “anapheirein”, quer dizer “repetir”, “lembrar” ou “trazer de volta”. Com isso, podemos dizer que um termo anafórico quer “revelar” um foco já conhecido. Figueiredo (2003, p.268) sugere que anáfora equivale, pois, a abordar o seu processamento no quadro da compreensão e da produção textual.

 

Ao falar que as anáforas estabelecem uma relação de memória, enfatizamos que isso decorre devido ao termo anafórico situar a interpretação como um acréscimo de um novo referente, dando continuidade aos termos no decorrer do texto. Quanto às anáforas, para Figueiredo (2003):

“Convém no essencial considerar que a anáfora faz parte do processo de criação de uma cadeia referencial no interior de um texto. A sucessão de sintagmas nominais, primeiro indefinido e depois definido, ou demonstrativo, marca bem a diferença das operações subjacentes a este processo, reforçando a identificação do laço anafórico entre as unidades lexicais, que podem ser por repetição, substituição, nominalização ou associação.” (FIGUEIREDO, 2003, p.232).

 

Podemos destacar, conforme Figueiredo (2003) e outros autores, que as anáforas podem ocorrer de vários modos, podendo ser caracterizada como: anáfora fiel; anáfora infiel; anáfora por pronominalização; anáfora por nominalização e anáfora associativa.

Anáfora fiel - também chamada de anáfora correferencial por repetição, requer a retomada de um antecedente mediante o uso do pronome demonstrativo/definido.  Neste tipo de relação pode estabelecer a troca desses pronomes sem dificuldade. Vejamos no exemplo:

(6)” Chega um rapaz e senta-se ao meu lado. Só depois vejo que o/este rapaz é cego.”  

Anáfora infiel - também conhecida como anáfora indireta, é aquela segundo Figueiredo (2003, p. 239), “Tem a função textual de portadora de informação suplementar, ao contrário da anáfora fiel que não traz ou traz pouca informação nova. Daí a sua importância, não só como instrumento de coesão textual, mas, sobretudo, como dispositivo que contribui para assegurar o texto e sua progressão”. Por exemplo:

(7) “Um advogado morre e pede, em seu testamento, que cada um de seus três sócios jogue 50 reais dentro de seu túmulo na hora do enterro. O primeiro pensa muito, tira uma nota de 50 reais da carteira e a joga na cova. O segundo reluta bastante, mas também joga uma nota de 50 reais. O terceiro recolhe as duas notas de 50 e joga um cheque de 150 reais na cova”. (piada, Coleção 50 piadas- profissões, de Donaldo Buchweitz, apud CAVALCANTE, 2011, p. 62)

As anáforas chamadas infiéis ou indiretas, como o exposto acima, caracterizam-se por não terem como antecedente um termo explícito, mas sim um elemento de relação ancorado ao termo implícito. Conforme Cavalcante (2011), no exemplo exposto, temos como anafóricos indiretos, “um cheque de 150”.  Assim, podemos notar que as anáforas indiretas permitem fazer uma relação de referenciação, por inferência cultural.

Semelhantes às anáforas indiretas temos, as anáforas encapsuladoras, estas não são correferenciais, assim como, não retomam parcialmente nenhum objeto específico, o que a difere das anáforas indiretas. As anáforas encapsuladoras se caracterizam pela menção a um objeto de discurso ainda não citados no contexto, mas remetem a informações ali difusas. Como podemos ver no exemplo abaixo:

“Na continuação da série de reportagens sobre a seca no semi-árido brasileiro, ontem, O POVO constatou a desarticulação da representação política das áreas abrangidas pelo fenômeno e sua consequência: a descontinuidade dos programas destinados a enfrentá-lo. O quadro apresentado demonstra a falta de abrangência dos que, pela lógica deveriam ser os mais diretamente interessados na sua solução.” (JoEd, editorial)

Temos no exemplo acima como uma anáfora encapsuladora a expressão, “o quadro apresentado”, em que esta resume a descrição feita previamente no contexto, de modo que não remete a nada exposto anteriormente ou posteriormente. 

Anáfora por nominalização - M. Vilela (1994, p.97) apud Figueiredo (2003, p.240) chama o fenômeno de nominalização de conversão, sendo esta entendida como processo de passagem de qualquer classe para o substantivo, implicando todas as categorias gramaticais, com maior peso nas formas verbais e adjetivais. Nesta abordagem, tem-se novas atribuições por meio do sintagma nominal expresso por uma proposição. Como podemos ver no exemplo:

(8) “A operação se passou bem. O operado e o cirurgião até mesmo brincaram juntos.” (KLEIBER, 2001, p. 324, apud CAVALCANTE, 2011, p. 68)

Conforme Cavalcante (2011) explica, o referente sublinhado é só recuperável pela identificação de dependência valencial entre o predicado “operação” e os argumentos “operado” e “cirurgião”.

Anáfora associativa- conforme Koch e Elias (2013, p. 128), “a anáfora associativa introduz um referente novo no texto, por meio da exploração de relações meronímicas, ou seja, todas aquelas em que um dos elementos da relação pode ser considerado, de alguma forma, ingrediente do outro.”

Neste tipo de relação, a retomada não é feita na introdução do termo lexical em si, mas devido ao conteúdo implícito, a introdução é baseada no conhecimento de mundo, por exemplo:

(9) “A: Maria pretende casar no final do ano

B: e o que é que ele faz?” (MARSCUSCHI, 2005, p. 67, apud CAVALCANTE, 2011, p. 69)

No exemplo citado, percebemos a partir do conhecimento de mundo, que um casamento heterossexual envolve duas pessoas, o noivo e a noiva, com isso fica claro que o pronome “ele” se refere ao noivo de Maria.

Anáfora por pronominalização - Segundo Marcuschi (2008, p .110), as pronominalizações são casos de substituições mínimas, em que a remissão se baseia em quase nenhuma característica semântica do item substitutivo, pois ele não é referencial em si mesmo e tem apenas uma relação morfossintática como item ou estrutura a que se refere. Vejamos nas seguintes exemplificações:

(10) “O povo descia a ladeira em procissão para a igreja. Eles suavam no calor intenso.” (MARCUSCHI, 2008, p. 115)

(11) “Pedro pescou um peixe. Ele era grande”

No exemplo (10), o pronome “eles” não retoma um antecedente explícito sintaticamente na superfície do texto, mas cognitivamente entendemos que a expressão “o povo” infere muitas pessoas, contendo assim um plural com uma ideia de masculino, logo o pronome “eles” retoma perfeitamente o referente “o povo”. Estamos diante de uma anáfora pronominal não-correferencial. No exemplo (11), percebemos a substituição do nome “peixe” pelo pronome “ele”, a retomada de forma correferencial e substitutiva.

Diante desses exemplos, pode-se perceber que a pronominalização pode ou não ter um antecedente na superfície textual, dizemos que ela se dá de forma correferencial e não- correferencial.

Em síntese, as anáforas correferenciais são aquelas expressões anafóricas que retomam a uma mesma referência no cotexto. As não correferenciais são expressões anafóricas que não retomam uma mesma referência lexical, tendo mais carga inferencial. É importante ressaltar que as anáforas não-correferenciais carregam um valor informativo maior que as correferenciais, sendo, portanto, contribuintes no processo não só de coesão, mas principalmente de progressão textual, visto isso ser necessário na atenção ao ensino de Língua Portuguesa, especialmente, na produção textual dos alunos.

 

3.As produções textuais dos alunos

 

Extraímos alguns fragmentos selecionados dos textos dos alunos, a fim de demonstrar como se dá o aparecimento do fenômeno anafórico, assim como a coesão:

” Um jovem de 16 anos, sabe muito bem o que é certo e o que é errado e sabe também que a lei está ao seu favor e eles não tem medo de cometer crimes, contra a sociedade”.

Esses jovens devem sim, pagar pelos seus erros e assumir a sua pena que será dada de acordo com o crime que foi praticado, mas os mesmos ao serem presos devem ficar em celas separadas dos outros detentos maiores, para que eles não entrem em facções aumentando cada vez, essa guerra e ...

(ALUNO A)

 

Na produção do aluno A, encontramos 3 (três) ocorrências de anafóricos, todas pronominais, embora colocadas inadequadamente, mas entende-se a intenção do aluno em tentar fazer a referência. No primeiro trecho, o pronome (eles) referindo ao nome “jovem”, porém, não a qualquer jovem, mas sim ao jovem infrator. Esse aluno não se atentou a objetividade dos seus argumentos e acabou comprometendo a eficácia da referência e, de certa forma, da coesão, além do que faltou a habilidade em ser coerente, pois deveria ter o complemento determinando que esses jovens tratados no texto tratam-se de jovens delinquentes. No segundo trecho os pronomes (mesmos) e (eles), foram colocados pelo aluno para referir-se ao termo “esses jovens”, mesmo que esse aluno tenha feito uso da anáfora, não foi de forma adequada, visto que a falta de clareza comprometeu a referência dos termos em ambos os trechos. Fica evidente a dificuldade que esse estudante tem em compreender os processos de referenciação.

Vejamos o trecho a seguir, extraído da produção textual do aluno B:

 “Infelizmente no Brasil, as instituições que acolhem os menores infratores não os ressocializam, assim, esses infratores retomam à sociedade, muitas das vezes, pior do que quando entraram e até mesmo retomando a elas e quando adultos, presos em cadeias comuns.”

“A necessidades imediata de uma reforma política em nosso país é grande embora haja leis que punem esses marginais, elas não estão nem um pouco os intimidando.” (ALUNO B)

 

No trecho acima, averiguamos 2 (duas) ocorrências de anáforas pronominais na produção deste aluno B. No primeiro trecho, o pronome (elas) está ligado “as instituições”, embora se observe que, neste trecho, o estudante não organizou bem seus argumentos, faltando um pouco de esclarecimento do assunto. No segundo trecho também, temos a referenciação ao mesmo pronome (elas) equivalendo ao termo “leis”. Nestes fragmentos, o aluno utilizou, adequadamente, o recurso anafórico, em que as informações expressas foram colocadas de forma explícita, deixando as relações anafóricas bem diretas, o que Cavalcante (2011, p. 60) denomina de correferenciais, ou seja, porque retoma o mesmo objeto do discurso, de forma a situar o leitor para as referências.

Os trechos extraídos da produção textual dos alunos C e D expõem um caso especial a que os estudiosos chamam de anáfora encapsuladora, isto é, um tipo peculiar de anáfora indireta, porque não retoma nenhum objeto de discurso pontualmente, mas se prende a conteúdos espalhados pelo contexto, conforme Cavalcante (2011, p. 71).

 

 “Um dos argumentos mais usados por quem apoia a maioridade penal é que adolescentes já respondem pelos próprios atos, com base nisso usam o voto eleitoral como exemplo, pois os jovens a partir de 16 anos já podem votar para eleger seu presidente” (ALUNO C)

 

 “Tenho em vista que o caráter psicológico está em desenvolvimento, mentes amadurecidas usam isso a seu favor e acabam influenciando os jovens. Algumas das vezes a única solução que eles tem é roubar, e consequentemente são punidos na cadeia”. (ALUNO D)

 

Nestes fragmentos em que há 3 (três) ocorrências, percebemos a falta de uma argumentação mais explicativa por parte do aluno, entretanto, conseguimos compreender que os pronomes demonstrativos (nisso) e (isso), destacados no primeiro e no segundo trecho, retomam uma oração anterior e posicionam o leitor sobre os argumentos seguintes. O pronome (eles) destacado também no segundo trecho refere-se ao termo “os jovens”. O uso adequado desses elementos de retomada é importante, pois evitam as repetições das palavras, assim como contribui para um novo discurso baseado no assunto já apresentado, deixando as ideias mais claras.

Quanto aos trechos extraídos das produções textuais dos alunos que identificamos pelas letras E e F, destacamos uma ocorrência anafórica para cada trecho.

 

 “Nesse contexto é mais eficiente educar do que punir. Educação de qualidade é uma ferramenta muito mais eficiente para resolver o problema de criminalidade entre os jovens do que investimento em mais prisão para eles”. (ALUNO E)

 

 “Os acontecimentos voltados ao regime prisional para menores infratores, evidenciam claramente os jovens entrando no mundo do crime cada vez mais cedo. Isso se dá pela má administração do país[...]” (ALUNO F)

                                                                                               

Nestes fragmentos citados acima, os estudantes E e F fazem uso dos pronomes para fazer uma retomada de ideia, de forma adequada. É evidente que as relações por anáforas do primeiro trecho são diretas e a do segundo, indiretas, as quais contribuem positivamente para o texto, pois deixam os argumentos bem articulados, de forma coesa e coerente.

Sobre os trechos extraídos de uma produção do aluno identificado pela letra G, apresentamos:

 

As penitenciárias comportam atualmente o dobro de sua capacidade de detentos, elas são fontes de ploriferação de doenças infecciosas e contrariam sua função de ressocialização, pois de acordo com o Conselho Nacional de Justiça(CNJ), 24,4% dos condenados quando voltam ao convívio social cometem outro crime.

 

“Destarte, a redução é um retrocesso histórico, pensar nela como medida eficiente e mera utopia. Ela é apenas o efeito de causa complexas que envolvem o recrescimento do Estado... (ALUNO G)

 

Nos fragmentos citados, o aluno utiliza o pronome pessoal reto de terceira pessoa (elas) no plural para retomar os termos: “penitenciárias” e “a redução”. O aluno fez uso adequado dos elementos anafóricos para um melhor desenvolvimento argumentativo em seu texto. Verificamos nos fragmentos apresentados a ocorrência de duas (2) relações anafóricas realizadas pela pronominalização.

No que diz respeito a uma produção textual realizada pelo aluno identificado pela letra H, extraímos os seguintes trechos:

“Nota-se que com a impunidade dos adolescentes com 16 ou 17 anos, os criminosos adultos podem usar esses adolescentes para cometer vários crimes. Isso aumentaria a quantidade de crimes...”

 

 “Se muitos jovens são ousados o suficiente para cometer delitos, certamente eles também estão aptos para responder por suas ações, pois sabem o certo e o errado então eles tem a consciência de que suas ações trarão consequências.”

 

“É certo que reduzir a maioridade não resolverá todos os problemas. O que precisamos é de uma maneira de fazer esses jovens terem receio pela criminalidade, fazer eles verem que o crime não compensa e que sempre haverá uma punição.” (ALUNO H)

 

Diante dos fragmentos citados, averiguamos 4 (quatro) ocorrências de retomadas consideradas anafóricas, de forma que temos três ocorrências por pronome pessoal do caso reto plural “eles” referindo ao nome jovens, e uma ocorrência obtida pelo pronome demonstrativo “isso”, o qual retoma o sentido de uma oração anterior. Percebemos nestes trechos extraídos que o aluno, apesar de ter feito uso adequado dos recursos anafóricos, o fez de forma repetitiva, o que deixou seu texto sem uma boa articulação.

Resultados: Nesta pesquisa, objetivamos mostrar de que forma os alunos do 3º Ano do Ensino Médio de uma escola pública no município Ibiapina, estado do Ceará, utilizam os recursos anafóricos em produções textuais. Para isso, apresentamos o tema ‘Redução ou não da maioridade penal’, a fim de que os estudantes discorressem. Constatamos que o uso dos elementos anafóricos foi um recurso bastante utilizado pelos alunos, porém eles fizeram uso dos elementos de forma aleatória , repetitiva, em que alguns cometeram inadequação quanto ao uso de anafóricos, porque não se atentavam em verificar se há ligação do pronome com o referente.

Selecionamos e analisamos 8 (oito). Evidenciamos 16 (dezesseis) ocorrências, nas quais a maioria fez uso do pronome pessoal do caso reto (ele, ela), assim como também do pronome demonstrativo (isso). Portanto, os alunos utilizaram como recurso anafórico a pronominalização para fazer a retomada dos termos referidos.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Consideramos, não obstante, que esta pesquisa proporcionou uma reflexão positiva acerca do estudo e compreensão dos elementos referenciais na prática de textos, influenciando em um ensino mais pautado na leitura, escrita para que a escola junto ao professor torne alunos, culturalmente, competentes ao escrever e compreender um texto em sua língua materna.

É certo um direcionamento dado nesta pesquisa para melhorar o problema da escrita no ensino atual, uma vez que a resolução deste não cabe apenas em uma atividade pronta, mas que tente resolver senão todos, alguns dos obstáculos presentes na educação, no sentido de desenvolver estratégias mais elaboradas, facilitando o ensino e motivando os alunos a serem agentivos no processo de escrita e leitura.

 

REFERÊNCIAS

 

CAVALCANTE, Mônica Magalhães. Referenciação: Sobre coisas ditas e não ditas. Fortaleza: Edições UFC, 2011.

ELIAS, Vanda Maria. Ensino de língua portuguesa: oralidade, escrita e leitura. São Paulo: contexto, 2013.

FÁVERO, Leonor Lopes& KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Linguística textual: Uma introdução.4.ed. São Paulo. Cortez,1998.

FIGUEIREDO, Olívia Maria. A Anáfora nominal em textos de alunos: a língua no discurso. Edição Fundação Calouste Gulbenkian Fundação para a Ciência e Tecnologia. Distribuição Dinalivro, 2003.

GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa Social.6. ed. São Paulo. Atlas, 2008

KOCH, Ingedore Villaça. A coesão textual. 22.ed. São Paulo. Contexto, 2013.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça, & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. 6.ed. São Paulo, Cortez, 1999.

KOCH, Ingedore G. Villaça& ELIAS, Maria Vanda. Ler e compreender os sentidos do texto. 3.ed. São Paulo: Contexto, 2013.

KOCH, G. Villaça. Desvendando os segredos do texto. 7.ed. São Paulo. Cortez, 2011.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise gêneros e compreensão. São Paulo. Parábola Editorial, 2008.

 

[1] Graduanda em letras língua portuguesa, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.