Para tratar do tema do presente artigo é importante mencionar que os sindicatos surgiram para buscar melhores condições para a classe e fazer uma voz forte que fosse atendida pelos empresários e empregadores. O empregado individualmente é a parte fraca de uma relação de emprego, o chamado hipossuficiente e dificilmente irá pedir aumento de salário, redução de jornada ou qualquer outro direito trabalhista a seu empregador por medo de represálias e até de perder seu emprego.

     Sendo assim, o sindicato que representa os operários, dentre outras funções, possui a principal que é a reivindicação de melhores condições de trabalho e como o sindicato é uma pessoa jurídica, um ente representativo de toda uma categoria ou grupo de trabalhadores, isso não irá respingar de forma negativa em um empregado individualmente falando. Mas afinal, como surge um sindicato, e quantos sindicatos podem ser criados? Existe algum limitador que restringe a criação de vários sindicatos? Para responder esse problema de pesquisa, faz-se necessário lembrar do princípio da liberdade sindical e observar o que diz a Constituição Federal de 1988.

     Ora, pelo princípio da liberdade sindical, o Estado não poderá interferir na criação e na organização de um sindicato, no seu estatuto, na diretoria, no número de membros, etc. Tal princípio vai ao encontro do que reza o artigo 8º, caput e inciso I da Constituição Federal: “É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;”.

     A Constituição Federal é clara no sentido que não deverá ocorrer interferência do Estado na organização e fundação dos sindicatos. No entanto, no inciso seguinte do mesmo dispositivo surge uma contradição e um limitador do princípio da liberdade sindical. Veja o que menciona o art. 8°, II da Constituição Federal de 1988: “é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;”.

     Essa vedação em não permitir a criação de mais de uma organização sindical na mesma base territorial vai totalmente contrária ao princípio da liberdade sindical tão estudada e mencionada em obras de direito coletivo de autores renomados e insculpida na própria Constituição Federal. Assim, surge a nomenclatura unicidade sindical, que nada mais que é a interferência do Estado na criação dos sindicatos, ou em outras palavras, a proibição na criação de mais de um sindicato na mesma base territorial representativa de determinada categoria profissional ou econômica.

     Seguindo essa mesma linha de raciocínio o Professor Gilberto Sturmer aduz que “há, como já referido, flagrante contradição nas regras constitucionais que tratam do sistema sindical. Se o caput e o inciso I do artigo 8º da Constituição Federal de 1988 falam em livre associação e vedação de interferência e intervenção nas atividades sindicais, o inciso II, por sua vez, encerra direta intervenção e ausência de liberdade no sindicalismo, ao impor o sistema da unicidade sindical em qualquer grau, na mesma base territorial, que não será inferior à área de um município. Da mesma forma, ficam as unidades da federação (Estados) limitadas a uma federação da mesma categoria e, a União, limitada a uma confederação da mesma categoria. Conforme já referido anteriormente, tal sistema fere de morte o princípio da liberdade sindical. A questão não é a existência fática de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial, mas sim a proibição legal de haver mais de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial. Caso os interessados assim optem, poderá haver apenas um sindicato da mesma categoria, na mesma base territorial”. (STURMER, 2007.)

     Sabendo que a Constituição Federal adota a liberdade sindical e ao mesmo tempo apresenta o critério ou modelo da unicidade sindical resta esclarecer o que exatamente significa essa vedação de mais de um sindicato de determinada categoria em uma mesma base territorial, compreendida essa base territorial não podendo ser inferior à área de um Município. Como bem ilustra de forma exemplificativa Luciano Martinez, se no Município de Recife fosse criado o Sindicato dos Padeiros do Município de Recife, não seria possível outro sindicato de padeiros nessa mesma base territorial, ou seja, em Recife. No entanto, o autor menciona que nesse caso, seria plenamente possível um outro Sindicato de Padeiros do Município de Olinda, Município próximo a Recife. A regra nesse caso, não estaria sendo desrespeitada. (MARTINEZ, 2021.)

     O autor ainda lembra que não devemos confundir unicidade sindical com unidade sindical, pois “a primeira, consoante mencionado, traduz o sistema pelo qual se impõe a presença de uma única entidade sindical dentro de determinada base territorial; a segunda revela, por conta de maturidade e de livre opção sindical, uma única entidade representando todos os trabalhadores de determinado segmento ou categoria em todo o território nacional. Assim, mesmo num modelo de unicidade sindical, podem ser evidenciados, pelo consenso dos integrantes, sindicatos nacionais, por exemplo, o Sindicato Nacional dos Aeronautas ou o Sindicato Nacional dos Aeroviários”. (MARTINEZ, 2021.)

     A unicidade sindical, portanto, é uma vedação imposta pelo Estado através da Carta Constitucional em que não existe a possibilidade de mais de um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial, que não pode ser inferior à área de um Município. Como visto, não pode ter em um mesmo Município mais de um sindicato, não é permitido em um determinado Município ter 4 sindicatos, por exemplo, representando a mesma categoria, um em cada bairro. Teríamos o Sindicato dos Pedreiros do Bairro Boa Vista e o Sindicato dos Pedreiros do Bairro São Geraldo, etc., ambos em Porto Alegre, isso não é permitido. Talvez a intenção do legislador para limitar o princípio da liberdade sindical seja justamente para fortalecer os sindicatos existentes.

     Nesse diapasão, Sergio Pinto Martins complementa que “afirma-se que o sindicato único seria mais forte. Se houvesse vários sindicatos, não existiria unidade de representação e não teriam poder de pressão sobre o empregador. Os sindicatos são fracos porque são muitos, eles podem se unir espontaneamente a um sindicato forte e formar, pela vontade das partes, um único sindicato”. (MARTINS, 2018.) O autor segue o raciocínio dizendo que “os sindicatos devem ser criados por profissão ou por atividade do empregador, porém livremente. A tendência seria, num primeiro momento, a criação de muitos sindicatos. Posteriormente, as pessoas iriam perceber que muitos sindicatos não tem poder de pressão e iriam começar a se agrupar, pois sozinhos não teriam condições de reivindicar melhores condições de trabalho”. (MARTINS, 2018.)

     O autor encerra o assunto de forma brilhante ao dissertar o seguinte: “as pessoas iriam se filiar aos sindicatos em razão do serviço prestado pela agremiação e das conquistas que pode trazer para elas. Não importa se é o sindicato dos bancários, dos metalúrgicos, dos catadores de conchas, etc. Interessa a agremiação conseguir novas e melhores condições de trabalho para os trabalhadores. Afirmam que isso seria uma confusão. Entretanto, a pessoa tem o direito de se filiar ao sindicato que quiser e de o eleger para representá-la. Somente sindicatos fortes, representativos e que conseguem melhores condições de trabalho para os trabalhadores é que seriam os escolhidos. Sindicatos fracos desapareceriam com o tempo”. (MARTINS, 2018.)

     Por fim, o sistema ou modalidade adotado no Brasil da unicidade sindical é o oposto de modelo chamado de pluralidade sindical, onde nesse último, se permite a existência de mais de um sindicato na mesma base territorial representando a mesma categoria e que é adotado em diversos países. Na Alemanha por exemplo, temos a unidade prática dos sindicatos que resulta da experiência histórica do sindicalismo e não de determinação legal como ocorre em nosso país. (DELGADO, 2019.)

 

Referências

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2019.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2018.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

STURMER, Gilberto. A liberdade sindical na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e sua relação com a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007.