1. UNIÃO ESTÁVEL

Nesse primeiro capítulo é posto a evolução por qual passou a união estável, mostrando que antes da inovadora Constituição Brasileira de 1988, essa forma de união entre casais não era aceita. Aceitava-se apenas o casamento como forma de constituir família. No entanto, com a nova Constituição Brasileira veio a mudança, onde a união estável passou a ser conhecida como entidade familiar, além disso houve sua proteção legislativa, porém não tão satisfatória, pois o legislador não deu a importância devida ao tema. Traz também o conceito de união estável e os requisitos necessários para que ela exista, os quais serão expostos ao longo do texto, mostrando também os deveres que os companheiros têm um com o outro; mencionando, por fim, o conceito tradicional de família e sua evolução legislativa.

  1.1- Histórico de União Estável                       

É importante destacar que antes da Constituição Federal Brasileira de 1988 somente o casamento era aceito como instituição familiar. A união estável, por sua vez, não tinha a proteção necessária, ocorria, então, o que era denominado de descaso. Observando-se que, a família constituída pelo casamento era chamada de legítima e a entidade familiar construída a partir da união estável, dava-se o nome de ilegítima, por ser formada fora do casamento. Além disso a união livre, união de fato, recebia o nome de  concubinato. Concubinos eram aqueles que mantinham a vida marital sem serem casados, os que se casavam sem o reconhecimento legal, estrangeiros que celebrassem validamente um casamento não reconhecido pelas leis brasileiras e mesmo aqueles que permaneciam casados, mesmo posteriormente à decretação de nulidade do casamento, não atendendo as condições para ser putativo.

O Código Civil Brasileiro de 1916 não trazia nenhuma regulamentação para o concubinato. Carlos Roberto Gonçalves cita em seu livro o pensamento de Silvio Rodrigues (2010, p.580): onde de o Código civil revogado só fazia menção de alguma proteção quando em seu art. 363, I permitia o investigante da paternidade a vitória na demanda se provasse que ao tempo de sua concepção sua mãe estava concubina com o pretendido pai.

E, aos poucos, foram sendo reconhecidos os direitos dos concubinos pela legislação previdenciária e também pela Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo de nº 380, que dizia: “Comprovada a existência da sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”

Esse termo ‘esforço comum’ acabou por fazer com que o Superior Tribunal de Justiça diferenciasse a mera concubina da companheira, passando, assim, as restrições existentes no Código Civil de 1916, serem somente para o concubinato adulterino, que era quando o homem era casado e vivia com sua esposa e ao, mesmo tempo, mantinha uma concubina.

Passou, então, o concubinato a ser a convivência do homem com a esposa e com uma outra mulher fora de casa e união de fato quando o mesmo se afastava da esposa, podendo desfazer a sociedade conjugal para viver com a outra mulher.

 Com o surgimento do novo ordenamento jurídico brasileiro, deu-se uma maior amplitude ao conceito de família, abrangendo a união estável como entidade familiar. Conforme prevê o parágrafo 3º do art. 226 da Constituição Federal de 1988: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a União Estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

A partir de então começou a ser regulamentada, protegida e reconhecida a União estável como meio de constituir família.

Com a edição da Constituição Federal Brasileira de 1988, surgiram leis para regulamentar os direitos dos companheiros. Como, por exemplo, a Lei nº 8.971 de 1994 que regulamenta os direitos dos companheiros a sucessão e aos alimentos e a Lei nº 9.278 de 1996 que regulamenta o art. 226, §3º da Constituição Federal Brasileira, além do novo Código Civil  de 2002.

A Lei nº 8.971 de 29 de dezembro de 1994 não traz em seu texto o expresso conceito de união estável, mas, sim, requisitos, critérios para o reconhecimento de tal entidade familiar, ao instituir o direito dos alimentos dos companheiros.  De acordo com seu artigo primeiro e parágrafo único, quando diz:

A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na lei nº 5.478 de 25 de julho de 1968, enquanto não construir nova união e desde que prove a necessidade.

Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.

 

Nessa lei para caracterizar-se a união estável os companheiros devem ser solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos, devem viver a mais de 5 anos juntos e ter filhos em comum.

E por colocar esse prazo de cinco anos, e não deixar que o juiz determine o tempo, em cada caso concreto, é que a critica a essa lei diz que ela deixa a desejar, pois não é só o tempo que define uma relação.

Os artigos 2º e 3º trazem o direito à sucessão, quando afirmam que: “Art. 2º- As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições: o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns; o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança.” Com essa lei, percebe-se que o tratamento dado à união de fato, começou a ser tratada com a proteção necessária.

E o artigo terceiro da citada lei, diz: “Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.” Os direitos dos companheiros começaram a nivelar-se com os direitos dos cônjuges.

Essa Lei é considerada por muitos doutrinadores falha, pois a redação é tida como defeituosa, e, como já citado, pelo fato do prazo de cinco anos de convivência determinado em lei e não pelo juiz.

A Lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996 traz o conceito do que é a união estável, contudo, diferente da lei anterior, não cita a quantidade de tempo que as pessoas precisam conviver uma com a outra, a fim de ser conhecida a relação de companheirismo. Para essa lei basta que seja duradoura, pública e continua com o intuito de formar família. Essa ideia muito adotada pelos doutrinadores, inclusive pelo Código Civil de 2002, vem explicitada no artigo primeiro daquela lei.

A lei acima supracitada busca contemplar a entidade familiar instituída pela união estável, não delimitando somente o conceito, mas, também, direitos e deveres dos companheiros, questões patrimoniais, como o regime de bens, a hipótese de dissolução da união estável e a conversão de união estável em casamento. Deixando explicito que essa matéria será regulada pelas Varas de Família, sendo assegurado o segredo de justiça.

O Código Civil de 1916 protegia apenas o casamento, deixando de fora a proteção da família, tida como ilegítima. O concubinato, antiga nomenclatura para as uniões havidas fora do casamento, era mencionado poucas vezes e com a intenção de proteger a família legítima.

O Código Civil Brasileiro de 2002, apesar de não ter sido claro ao contemplar as normas que regulam essa união, trouxe cinco artigos dedicados ao assunto. Sendo regulado especificamente dos artigos 1.723 ao 1.727, no qual vem regulando o conceito de união estável, na relação entre os companheiros, deve haver lealdade, respeito, assistência um com o outro e com os filhos, regula o bem patrimonial, determina quando a união estável não poderá ser constituída, que são nos casos de ocorrer os impedimentos para o casamento, define também que é possível a conversão para casamento.

Apesar das normas e leis não darem a devida atenção a esse modelo de entidade familiar, o legislador parou de omitir a existência dessa realidade na sociedade, tornando uma forma de família, o que a maioria das pessoas repudiavam.

 

1.2 – Conceito de união estável

O Código Civil traz em seu art.1723, caput e parágrafos primeiro e segundo, a definição de União Estável e quando ela pode ou não pode ocorrer:

 Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

§1º A união estável não se constituirá se ocorrer os impedimentos do art.1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

§2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.

O artigo não faz referência, mas é necessária a coabitação, que é a vida em comum sobre o mesmo teto. Porém já existem entendimentos de que por força maior, excepcionalmente, em caso de transferência por causa do trabalho ou por contingência pessoal ou familiar, os companheiros possam viver em tetos diferentes. Contudo os companheiros necessitam encontrar-se frequentemente.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 226, §3º, também reconhece a união estável como entidade familiar: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

Esse artigo é importante, pois, antes dele, a relação familiar fora do casamento era tida como concubinato impuro e, com a sua criação, passou a denominar-se de união estável.

1.2.1- Requisitos para a união estável

É característica desse tipo de entidade familiar a ausência de formalidades para sua constituição, não precisando, portanto, da solenidade ou do procedimento de habilitação, como deve acontecer, necessariamente, no casamento. Como afirma o autor Roberto Gonçalves.

 Mas a união estável não é constituída tão logo que um homem e uma mulher se juntam para morar sobre o mesmo teto. Há a necessidade de alguns requisitos para que realmente seja caracterizada essa união, denominada união estável, como se verificará nos sub tópicos a seguir.

 

1.2.1.1 – Convivência “more uxório”

Como já citado, o artigo 1.723 do Código Civil não trata de um dos requisitos necessários para que haja união estável, que é a coabitação, vida em comum sobre o mesmo teto. 

 É possível que ocorra o não atendimento dessa característica por motivos profissionais ou contingência familiar ou pessoal, quando o casal necessita morar em cidades ou locais diferentes, porém quando ocorrer casos assim, é preciso haver entre companheiros os encontros frequentes, a mútua assistência e vida social comum, como mostra Gonçalves.

 O importante é que a união tenha estabilidade, que haja aparência de casamento, pois nos dias atuais é comum existirem muitos companheiros e companheiras que vivem em locais distintos. E esse fato não afasta de imediato a união estável, visto que continuam cumprindo os outros requisitos necessários.

 1.2.1.2- Objetivo de construir família ou “Afecttio maritalis”

É importante que haja não só o afeto, mas o propósito de construir, constituir uma família. Esse requisito requer a efetiva construção da família, não bastando apenas o objetivo de constituí-la. Pois se assim fosse, como citado por Gonçalves, o namoro ou noivado, seriam equiparados a união estável.   

Se não houver o intuito de constituir família por ambas as partes, mesmo ocorrendo encontros frequentes, companheirismo em festas e viagens, não configura união estável. Assim como a união não pode permanecer em segredo, em sigilo, pois essa conduta não caracteriza união estável.

1.2.1.3 – Diversidade de sexos

A união estável só pode advir de relacionamento entre pessoas de sexos distintos, já que esse modo de entidade familiar assemelha-se ao casamento. E o casamento só pode ocorrer entre um homem e uma mulher. Entendimento este disposto em lei, como exemplo, o §3º do art. 226 da Constituição Federal Brasileira de 1988.

A diversidade de sexo, por ser um requisito natural ao casamento, acaba tornando a união entre pessoas do mesmo sexo, ato inexistente. Mas como já é sabido e será analisado adiante, a união estável homoafetiva já está legalizada, por decisão do Supremo Tribunal Federal na data de 5 de maio de 2011.

1.2.1.4 - Notoriedade

A união estável requer que a convivência entre os companheiros seja pública. Eles necessitam se apresentar à sociedade como companheiros, tem que tornar de conhecimento da sociedade seu relacionamento. Não podendo, portanto, sua união ficar às escuras, permanecendo em sigilo, segredo, sem que o grupo social saiba de sua existência.

 1.2.1.5 – Estabilidade ou duração prolongada

O Código Civil de 2002 não colocou prazo pra essa relação duradoura. Portanto, vai depender do juiz analisar, em cada caso, se perdurou por tempo suficiente para o reconhecimento da estabilidade da família.

Em seu livro, Carlos Roberto Gonçalves traz uma citação interessante de Zeno Veloso, onde afirma:

O que não se marcou foi um prazo mínimo, um lapso de tempo rígido, a partir do qual se configura a união estável, no geral dos casos. Mas há um prazo implícito, sem dúvida, a ser verificado diante de cada situação concreta. Como poderá um relacionamento afetivo ser público, contínuo e duradouro se não for prolongado, se não tiver algum tempo, o tempo que seja razoável para indicar que está constituída uma entidade familiar? (2010, p. 595)

 Essa citação é interessante, uma vez que esse requisito de união estável duradoura acaba por ser explicada pelos requisitos da publicidade da relação e da união entre os companheiros ser continua. A junção desses três requisitos necessários levam ao entendimento de que é preciso uma união prolongada.

 1.2.1.6- Continuidade

 Além dos requisitos já enumerados, tem que existir a continuidade, ou seja, não pode ocorrer interrupções que configure quebra na vida em comum. Se isso acontecer estará rompendo uma das características principais desse tipo de união.

É natural que haja desentendimentos em namoros, em noivados, em casamentos, em companheirismo e desse desentendimento gerar uma ruptura. Porém, essas rupturas, às vezes, são seguidas de reconciliação, não quebrando a vida em comum. Mas caso essa ruptura se estenda no tempo, haverá a quebra da vida em comum. Nesses casos, assim como o requisito da duração prolongada, o juiz irá analisar o caso concreto, suas características e circunstâncias e decidir se há união estável.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2010, p.596) “no casamento o vínculo é conjugal, já na união estável é um fato jurídico, uma conduta, um comportamento. A sua solidez é atestada pelo caráter contínuo do relacionamento.” 

O autor afirma a necessidade da continuidade do relacionamento para que ele seja reconhecido como tal, sendo uma de suas principais características.

 1.2.1.7 – Inexistência de impedimentos matrimoniais

Esse requisito está previsto nos §§ 1º e 2º do art. 1.723.

O parágrafo primeiro trata das causas de impedimento do casamento que também se aplicam à união estável, ou seja, não poderá existir a constituição de união estável nos casos elencados no art. 1.521, do Código Civil, onde:

Art. 1.521. Não podem casar:

I- os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;

II- os afins em linha reta;

III- o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;

IV- os irmão, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;

V- o adotado com o filho do adotante;

VI- as pessoas casadas

VII- o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Pelo §1º do art. 1.723, o inciso VI, do artigo que trata sobre os impedimentos, não configura impedimento para a união estável. Consta nesse inciso: “no caso de a pessoa se achar separada de fato ou judicialmente.”

As causas suspensivas, aplicadas ao casamento, não impedem a constituição da união estável. Isso está posto no § 2º do art. 1723, do Código Civil.

 1.2.1.8 – Relação monogâmica

Não se admite que uma pessoa casada, não separada de fato, constitua união estável. Assim como não é permitido uma pessoa que esteja em união estável constituir outra, uma vez que o vinculo entre os companheiros tem que ser único, por causa do caráter monogâmico da relação.       

Não é possível a existência de união estável simultânea, porém é aceitável as uniões sucessivas.

Trata-se de união estável putativa, aquela em que um dos conviventes de boa- fé não sabe que seu companheiro é casado ou que ele esteja ao mesmo tempo em uma outra união estável.

Carlos Roberto Gonçalves traz em seu livro uma citação de Euclides de Oliveira, no qual ele afirma ser possível a união putativa, quando:

Pode haver união estável putativa quando o partícipe de segunda união não saiba da existência de impedimento decorrente da anterior e simultânea união do seu companheiro; para o companheiro de boa-fé subsistirão os direitos da união que lhe parecia estável, desde que duradoura, contínua, pública e com o propósito de constituição de família, enquanto não reconhecida ou declarada sua invalidade em face de uma união mais antiga e que ainda permaneça. (2010, p.599)

Para esse doutrinador, a união putativa somente é possível no caso em que um dos companheiros não saiba da existência da outra relação. E os direitos a esse companheiro de boa-fé, desde que atendida os requisitos, serão garantidos.       

 1.2.2 – Deveres dos companheiros

 Os deveres dos companheiros vêm expressos no art. 1.724 do Código Civil de 2002, que afirma, “as relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.”

Assim como no casamento, a fidelidade é exigida na união estável. Ela está implícita na lealdade e no respeito. O respeito a que o dispositivo se refere, além de levar a consideração a individualidade do outro, tem que ser observado também os direitos da personalidade, como honra e dignidade. Outra característica igual ao casamento é a assistência, que deve ser recíproca dos companheiros, assim como o sustento, que é a orientação moral e educacional, e guarda e educação dos filhos.

Os direitos dos companheiros engloba os alimentos, assunto disposto no art. 1.694 do Código Civil de 2002: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive parar atender às necessidades de sua educação.”

O companheiro além da partilha dos bens terá direito aos alimentos, desde que comprovado sua necessidade e as possibilidades do parceiro.

Em relação ao regime de bens o art. 1.725 do Código Civil de 2002 defende que: “Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.” Ou seja, título oneroso adquirido na constância da união estável pertencem a ambos, devendo ser compartilhado.

E as hipóteses de sucessão hereditária deve-se observar o art. 1.790, e incisos, do Código Civil, que mostra quando ocorrerá a sucessão do companheiro:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I- se concorrer com filhos comuns,terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II- se concorrer com descendente só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III- se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; não havendo parentes sucessíveis, terá direito á totalidade da herança.

Como o próprio caput do artigo já menciona, os companheiros só participarão da sucessão do outro em relação aos bens adquiridos durante a união estável, e bens onerosos.

Sendo assim, a união estável, passou a ser reconhecida como entidade familiar. Uma situação que há tempos existia na sociedade, de uma forma discriminada, passou a ser regulada e vista como forma de constituir família.

 1.3 – Família: Evolução e conceito tradicional atual

Para Marianna Chaves (2011, p.83), família “é uma instituição que se molda sob a influência de concepções religiosas, políticas, sociais e morais de cada período histórico.” A família está em constante mudança e se adapta a realidade de cada época. A formação da família antecede até mesmo a formação do Estado.

A família é o resultado das transformações sociais, como afirma Maria Berenice Dias:

A entidade familiar, apesar do que muitos dizem, não se mostra em decadência. Ao contrário, é o resultado das transformações sociais. Houve a repersonalização das relações familiares na busca do atendimento aos interesses mais valiosos das pessoas humanas: afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor. Ao Estado, inclusive nas suas funções legislativas e jurisprudenciais, foi imposto o dever jurídico constitucional de implementar medidas necessárias e indispensáveis para a constituição e desenvolvimento das famílias. (2007, p.34)

É possível notar que o conceito de família muda ao longo do tempo, acompanha a evolução, as transformações da sociedade. Antigamente as pessoas se uniam com o intuito de procriar; hoje, para ser considerada família, é preciso a existência do afeto, do amor, do aparo mútuo entre os coniventes, não precisando necessariamente da procriação.

Na primeira Constituição brasileira de 1824, não há qualquer menção importante em relação à família, apenas que só era possível o casamento religioso. Essa primeira constituição não aceitava outras formas de união, somente o casamento religioso, meio pelo qual as pessoas constituíam família. Seguiu pelo mesmo caminho a Constituição brasileira de 1891.

O texto constitucional brasileiro de 1934, foi o primeiro a se preocupar com a família, além de dar um caráter indissolúvel ao casamento, só podendo ocorrer a dissolução do casamento através da anulação ou desquite.

A Constituição brasileira de 1937, inovou, abordando a igualdade entre os filhos legítimos e naturais. O texto da constituição de 1946 apenas mantém o que já foi definido nas outras constituições, fazendo referência a família legitima, ou seja, aquela constituída pelo casamento, e faz a ressalva do casamento ser indissolúvel, não falando nada sobre a igualdade dos filhos, como imposto na Constituição brasileira anterior. A constituição seguinte manteve o que a de 1946 já regia.

A Constituição Brasileira de 1969 também regia que a família era constituída através do casamento, dispondo ser este indissolúvel. Porém, essa constituição sofreu alteração por força da Emenda Constitucional nº 9, de 29 de junho de 1977, que trouxe o instituto do divórcio, passando a não existir mais a determinação de que o casamento era indissolúvel.

No entanto, a mudança mais notada veio com a Constituição de 1988 que garantiu a igualdade entre cônjuges e também entre os filhos, fez menção ao casamento, determinou que a família é a base da sociedade e instituiu que além, do casamento, passou a considerar a união estável e as famílias monoparentais como entidades familiares, merecendo a proteção especial do Estado, isso vem exposto no art. 226 caput e parágrafos.

É notável que nem todas as entidades foram identificadas no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, a proposta da Constituição Brasileira de 1988 não pode ser vista como taxativa e, sim, como exemplificativa, posto que o texto constitucional mostrou que possui plena consciência da existência de outros modelos de vida familiar, sendo todas as formas de constituir família reconhecidas como entidade familiar. Como menciona Maria Berenice Dias:

Não só nesse limitado universo flagra-se a presença de uma família. Não se pode deixar de ver como família a universalidade dos filhos que não contam com a presença dos pais. Dentro desse espectro mais amplo, não cabe excluir os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantêm entre si relação pontificada pelo afeto a ponto de merecerem a denominação de uniões homoafetivas. Dita flexibilização conceitual vem permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e marginalizados, adquiram visibilidade, o que acaba conduzindo a sociedade à aceitação de todas as formas que as pessoas encontram para buscar felicidade. (2007, p.39-40)

Não existe apenas uma forma de se constituir família, existem várias formas, elas só não eram aceitas pela sociedade, porém como as normas e as leis necessitam acompanhar a evolução e a transformação da sociedade, não dava para fingir que não existiam outras modalidades de famílias. Já que a Constituição visa que todos têm direito a felicidade.

É preciso que o legislador interaja a norma com a realidade social, concretizando o direito vigente e a realidade como afirma Jacqueline Nogueira:

A família é uma estrutura de afetividade, seja qual for a realidade de sua construção, se articulada por pais separados, se formada por pessoas homossexuais, famílias com filhos adotivos, famílias sem pai, sem mão, sem filhos, etc. A família é um lugar subjetivo onde sempre recorremos quando precisamos de referências, apoio e conforto para tratar de questões que a vida nos apresenta. (2001, p.61)  

Pode-se perceber que apesar de não serem todos esses modos de constituição de família, eles todos se constituem no afeto e na busca da felicidade, que são os principais fatores para a existência de uma entidade familiar. Portanto, os modelos expostos pela Constituição Federal de 1988 não deve ser vista como taxativa, como se só existissem além do casamento a união estável e a famílias monoparentais, que são aquelas formadas por um dos pais e seus filhos. E, sim, como exemplificativa, uma vez que a realidade social e a norma devem interagir.

Logo, deve ser impedida a exclusão de qualquer que seja a forma de entidade familiar que atenda aos pressupostos de estabilidade e afetividade.

O Código Civil Brasileiro de 2002 se limitou a copiar os dispositivos do Código civil brasileiro de 1916, mantendo os princípios clássicos da família patriarcal e matrimonializada. O que não deixou de ser um descuido do legislador, pois além de legislar superficialmente sobre a união estável, inexiste a previsão das famílias monoparentais e das homoafetivas.

Pode-se perceber que a afetividade assumiu uma dimensão jurídica quando começou a ser tratada na forma de princípio pela Constituição Federal. Então, toda e qualquer forma de família que tenha como base o afeto merece a proteção do Estado, conforme o regulado no próprio texto constitucional.

O Estado deve garantir a possibilidade de uma convivência familiar digna, contudo não deve intervir na liberdade e no modo em que as pessoas a constituem e a constroem, nem deve intervir na administração da família que só as pessoas dentro do relacionamento podem realizar, seguindo o sentido da vida e, principalmente, do afeto que deve existir.