Uma viagem iconográfica às origens cristãs
Publicado em 27 de agosto de 2012 por Marcos Paulo da Silva Soares
UMA VIAGEM ICONOGRÁFICA ÀS ORIGENS CRISTÃS
Resenha de As Catacumbas de Roma, de Benjamim Scott. 4ª Edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2005. 176 p.
Marcos Paulo da Silva Soares[i]
Há uma mistura de nostalgia com desapontamento quando as histórias heroicas dos cristãos perseguidos, sacrificados ou enterrados nas catacumbas nas circunvizinhanças de Roma são lembradas. Nostalgia, por ver amor e veneração a Deus tão fervorosos e incentivadores. Desapontamento, por ver tais sentimentos para com Deus tão esquecidos, para não dizer bastante debilitados. É nessa encruzilhada que se situa a obra de Benjamim Scott. A obra é composta de sete capítulos que versam sobre quatro palavras-chave: paganismo, catacumbas, Cristianismo e Romanismo.
Discorrendo inicialmente sobre a natureza do paganismo no mundo clássico romano, o autor afirma que era mais fácil acha um deus do que um homem, tamanha era a sua epidemia naqueles tempos. Isso refletia a ânsia por prestar adoração a algo. Salvo a existência de poucos deuses que personificavam ideais nobres, a grande maioria expressava imoralidade, violência e vícios.
No segundo capítulo, é apresentada uma radiografia mais apurada da total degeneração social que abrangia dos nobres na Cidade Eterna ao escravo na mais longínqua província. A história dos Césares e suas cruéis idiossincracias exemplificam isso: assassinatos de rivais e até parentes, orgias e toda sorte de práticas sexuais condenáveis e atos de loucura. Entre estes últimos, encontram-se os espetáculos sanguinários decorrentes do combate entre homens e animais, entre gladiadores e, por último, da morte dos cristãos. Sobre este assunto detém-se o próximo capítulo.
Scott faz agora uma restauração da História do início do Cristianismo em terras romanas: Judeus e prosélitos romanos estavam presentes na festa de Pentecostes (cf. Atos 2:5) e, provavelmente, os que se converteram após a pregação de Pedro, voltaram para sua pátria conduzindo a mensagem do evangelho. Na época da primeira visita de Paulo a Roma (cf. Atos 28), havia, pelo menos, uma comunidade judaica lá. No meio desta, talvez se encontrassem os primeiros cristãos. Nas proximidades da estrada que Paulo usou para chegar a Roma, seriam futuramente usadas catacumbas para reuniões e enterros dos cristãos romanos. Na última viagem de Paulo à capital imperial, o Apóstolo dos Gentios encontra seu martírio nas primeiras perseguições movidas por Nero. A partir desse acontecimento, as catacumbas confundem-se com a própria história cristã.
O capítulo quatro aborda o moderno interesse pelas catacumbas surgido no século XVI, impulsionado pela controvérsia católica a propósito das relíquias desaparecidas de santos. Uma das primeiras obras sobre esse assunto foi Roma Soterranea, de Bósio. No século XVIII, diversos trabalhos seguem a linha de pensamento deste autor. Junto a essa temática, este capítulo apresenta também a cosmovisão cristã sobre a morte. O testemunho dos epitáfios mostra a serenidade e o sentimento do triunfo com que os primeiros cristãos viam a morte. Atitude que divergia do pensamento pagão sobre esse assunto. Enquanto as catacumbas daqueles apresentam esperança, as destes falam de medo e angústia.
O autor atesta alguns detalhes sobre essas construções no capítulo cinco: A presença de ortografia defeituosa; sintaxe errada; palavras gregas escritas com letras romanas, algumas não possuem nenhum elemento de datação, enquanto outras trazem o nome do cônsul da época; o nome do falecido e um símbolo cristão. Devido à baixa escolaridade dos primeiros cristãos, o uso de pinturas, símbolos ou sinais foram frequentes nas lápides. Estes auxiliavam na compreensão do nome do falecido, outras vezes indicavam sua profissão. Entre os símbolos mais usados estavam: o desenho de pombo e ramos de oliveira indicando a crença na paz e esperança eternas; a figura de uma âncora (a segurança eterna dos salvos, cf. Hebreus 6:19); o navio (simbolizando a entrada dos filhos de Deus nos céus); o sinal do peixe ou as iniciais ICQUS (o vocábulo peixe em grego e também o acróstico de vIhsou/j Cristo.j Qeou/ `Uio.j Sw,ter, ou seja, Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador) e o QUIRÔ (respectivamente as letras gregas C e R), as iniciais do nome de Cristo em grego formando o símbolo .
No sexto capítulo, Ben Scott menciona como o Cristianismo corrompeu-se com a inclusão de práticas pagãs. Atrocidades foram cometidas em nome de Deus, houve conversões à baioneta. Vê-se aqui a descarada e ímpia tentativa de harmonizar os ensinos de Cristo ao paganismo. Pais da Igreja são citados para comprovar que a falta de escrúpulos facilitava a conversão com o favorecimento das festas dedicadas aos deuses greco-romanos e similares entre os povos sob o governo romano. As catacumbas mostram a evolução dessas doutrinas extrabíblicas: a identidade dos dirigentes (sua consagração e bom testemunho) das congregações cristãs confundindo-se com uma quase deificação dos sacerdotes, a verdadeira saudade e tristeza pelos mortos degenerando-se na oração pelos mesmos (Scott atesta a existência de um registro dessa natureza entre essas construções).
No último capítulo, há mais revelações “catacúmbicas” contra o Romanismo: a crença do Purgatório não aparece em nenhuma das catacumbas até hoje encontradas; todavia, a certeza e a segurança a respeito da eternidade para os cristãos, sim. Em seu conjunto, as cenas das catacumbas apresentam relatos bíblicos e a visão de que para os cristãos a sepultura abre somente a porta para a felicidade eterna junto a seu Senhor. Outro erro doutrinário apresentado é a tentativa de representar o Deus eterno em figura de homem corruptível. O desprezo pelo segundo mandamento é visto, por exemplo, na associação feita entre uma das figuras de Júpiter e o Deus da Bíblia.
Assim, como em uma viagem por uma galeria de artes, as gravuras e inscrições catacúmbicas apresentam o retrato do ensino primitivo cristão atestando a similitude entre estas crenças e a ortodoxia das igrejas cristãs históricas oriundas da Reforma. Além de oferecer excelente material para pôr em contraste todo cristianismo baseado em tradições e outras fontes que se julgam superiores às bases presentes nas páginas das Sagradas Escrituras.
[i] Graduado em Letras-Literatura pela Universidade Federal do Ceará, em Fortaleza-Ce, e Bacharel em Teologia com especialização em exegese pelo Seminário Batista do Cariri, Crato-Ce. Leciona, desde 2009, Português, Grego, Hebraico, Antropologia Cultural, Religiões Comparadas, Introdução Bíblica no Centro de Treinamento Eclesiástico & Missões - CETREM, em Juazeiro do Norte-Ce (filiado ao Seminário Teológico Batista do Ceará, em Fortaleza). Ex-estagiário da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - Funcap, e da Secretaria de Educação do Estado do Ceará - SEDUC, em 2011. Atuou como professor de Grego e Português no Seminário Batista do Cariri - SBC, de 2008 a 2011.