Certa vez, não sei ao certo se era de manhã, ou de tarde, ou de noite, mas tenho certeza que era no tempo em que o homem entendia a fala dos animais, que tudo aconteceu.

                        Estavam conversando alegremente, dona raposa e dona garça, à beira de um grande rio amazônico:

                        -- Vou te convidar para um almoço – gazeou a garça – A raposa, assustada pelo inesperado convite, ruivou, surpresa:

                        -- Oh, dona garça, quanto prazer me dará. Só lhe peço que não me ofereça peixe, pois, com essa história de contaminação dos rios com mercúrio e com essa onda do cólera, não coloco minha boca, nem que seja BLT (boca-livre-total), em peixe cru que venha deste rio.

                        Deixa comigo. Amanhã que é domingo, chegue cedo que lhes brindarei com um prazeroso manjar – gazinou a garça.

                        No dia seguinte, dona raposa, ansiosa pela comida, chegou mais cedo que pôde na casa de dona garça.

                        -- É pra já – grasnou dona garça.

                        -- Estou que tou – roncou a raposa, já no interior da casa de dona garça.

                        Dona garça tinha preparado um chibé com a melhor farinha da praça. Colocou cuidadosamente em uma garrafa pet de 2 litros, vazia de refrigerante, para melhor apresentação.

                        -- Venha dona raposa – gazinou dona garça – Amesende-se e delicie-se com esta iguaria.

A raposa olhou, andou um pouco, parou. Rodeou a garrafa, parou de novo. Mais uma olhadela e pensou: “Como é que eu vou colocar a minha boca nesta garrafa?” Enquanto isso, dona garça introduziu seu longo e fino bico na vasilha e tomou todo o chibé, para a decepção da raposa, tida e havida como um dos bichos mais astutos de toda a floresta. Pé ante pé, a raposa saiu, não sem antes falar, ao ouvido de dona garça: -- Se preocupe, não. Um dia desses vou lhe devolver esta gozação – E foi se embora.

                        Dito e feito. Passado o verão amazônico, já no início das águas, encontraram-se novamente dona garça e dona raposa na beira do grande rio. A raposa, como tinha prometido à amiga, convidou-a para um almoço em sua casa.

                        -- Só não me ofereça peixe, pois, com essa história de contaminação dos rios pelo mercúrio e com esta onda do cólera, não coloco meu bico nem que seja BLT (bico-livre-total) em peixe cru, que venha deste rio – gazeou dona garça, do alto de suas longas e finas pernas. Dona raposa, de pronto concordou: -- Não tema, que isto eu não farei – uivou dona raposa, tirando alguma dúvida de dona garça quanto a isso. Marcados dia, hora e lugar, despediram-se.

                        Chegado o grande dia que, por coincidência também era um domingo, dona garça aterrissou à porta da casa de dona raposa, ainda quando o sol se espreguiçava lá no horizonte.

                        Sobre uma laje de pedra lisa, que ornava a sala de sua casa, derramou 2 litros de um chibé cheiroso e gostoso que fizera. Convidou dona garça para servir-se. Esta, coitada, olhou para o líquido derramado, deu vários passos ao redor e desesperadamente tentou, sôfrega, capturar o chibé. A raposa aproximou-se da mesa improvisada, lambeu compassadamente o almoço e uivou triunfante. O som ecoou por toda a floresta. Tinha, assim, devolvido, finalmente, a gozação à dona garça.

                        Esta história, mostra que cada bicho na Natureza possui uma adaptação anatômica para o hábito alimentar que a evolução biológica desenvolveu através da seleção natural. Esta história, foi inspirada em outra, que me foi contada pelo meu grande e querido pai.