Uma perspectiva jurídica sobre os direitos das crianças e dos adolescentes

Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado

Livro II

Parte Especial

Título I

DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO

Capítulo I

DISPOSIÇÕES GERAIS

 

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, dar-se-á início a parte especial do Estatuto que institui mecanismos para garantir, fazer valer, tornar eficaz, o mandamento do art. 227 da Constituição Federal. Por esta razão, o artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente discorre que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e ainda, ações não governamentais, com o apoio de entidades e ONGs que executam na promoção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.

            Em outras palavras, o dispositivo supramencionado estabelece a importância das organizações não governamentais e a legitimidade de sua atuação em prol da defesa dos direitos da criança e do adolescente, que se articulará em pé de igualdade com as iniciativas governamentais. Com isso, a nova política que dimana do Estatuto, como norma geral federal, tem seu fundamento na Constituição Federal e realiza novo Direito através das linhas de ação e das diretrizes a seguir comentadas.

            Com efeito, a política de atendimento, que abrange a promoção, prevenção, proteção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, é viabilizada através de uma multiplicidade de ações especificas e complementar na área das políticas sociais básicas, serviços de prevenção, assistência supletiva, proteção jurídico-social e defesa dos direitos.

            Para tanto, a prestação de serviços direcionados às crianças e aos adolescentes se fará em níveis federal, estadual e municipal, cada um obtendo suas respectivas particularidades para a garantia dos direitos inerentes a este grupo social. Isto é, as organizações governamentais e as entidades não governamentais que assumem a responsabilidade pelo oferecimento destes serviços estão revestidas de características diferentes: a iniciativa poderá ser de origem governamental ou não governamental, comunitária ou particular; a motivação e ou razão de seus integrantes pode ter caráter profissional, religioso ou militante; a sua forma de atuação pode ser diferente, bem como suas potencialidades e limitações.

            A articulação interinstitucional exige o reconhecimento destas divergências e a habilidade de conjuga-las positivamente, através do desenvolvimento de ações convergentes, complementares ou conjuntas, em função do atendimento às necessidades da criança e do adolescente, entendido pelo Estatuto como sujeitos de direitos, ao serviço dos quais as instituições públicas, comunitárias e particulares devem-se colocar.

            Posto isso, observa-se, também, a extrema importância da responsabilidade cabível à União para formulação de normas gerais e de organização da política de atendimento. Sendo assim, a efetivação direta concerne aos estados e municípios, que devem, com êxito, colocar as normas e políticas sociais adequadas em prática.  

 

  1. Linhas de ação da política de atendimento

O Estatuto da Criança e do Adolescente institui, juridicamente, o que ele denomina de linhas de ação de política de atendimento. Isto é, são políticas sociais reconhecidas como necessárias ao desenvolvimento do menor, e, ainda, os direitos da criança e do adolescente são garantidos mediante conjunto de ações da sociedade e do Estado, divididas em grandes linhas.

            Por esta razão, o artigo 87 do ECA elenca as ações de atendimento em sete incisos, destinadas ao público infanto-juvenil. Na linha da frente, tem-se as políticas sociais básicas, estas são exigíveis com base no art. 227 da própria Constituição Federal, considerada direito de todos os cidadãos e dever do Estado garantir, como a saúde, educação, moradia, segurança, saneamento básico entre outros direitos fundamentais à existência digna do ser humano.

            Ademais, dentre outras políticas, pode-se apreciar os programas de assistência social, com caráter supletivo, devida a quem dela necessitar. Todo cidadão que, por qualquer motivo, fortuito ou não, vier a necessitar da proteção e amparo do Estado tem direito de ter à sua disposição mecanismos para fazer valer-se de tal direito.

Em paralelo, com o apoio da família e da comunidade, as crianças e os adolescentes contam com a implementação de serviços especiais voltados a prevenir e atender vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão, contando com a sua condição peculiar como pessoas em desenvolvimento.

Também, exige-se a presença de serviços de identificação e localização dos pais, responsáveis, crianças e adolescentes desaparecidos, destinados a erradicar o grande número de casos e as consequências danosas às pessoas e à organização social, e, principalmente, a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar.

Porquanto, não basta o ordenamento fixar normas, deve-se estabelecer mecanismos concretos para se fazer valer do Direito Positivo, compreendendo atenções e orientações direcionadas à promoção e o respeito aos direitos da criança e do adolescente, e, por conseguinte, o desenvolvimento adequado destes.

Desta forma, o não oferecimento ou a oferta irregular destes serviços públicos ofendem o atendimento dos direitos previstos em lei, cabendo uma ação administrativa para corrigir a ausência ou insuficiência detectada, e, se for o caso, valer-se-á de ação judicial pública para  suprimir o direito violado.

 

1.1. A criança ou adolescente portador de deficiência

Além disso, há de mencionar as políticas e programas de caráter supletivo, para aqueles que delas necessitem, como as pessoas portadoras de deficiência. 

O mesmo artigo da Carta Magna (art. 227, II) estabelece a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, de modo a facilitar-lhes o acesso aos bens e serviços coletivos, objetivando a erradicação do preconceito, da discriminação e obstáculos arquitetônicos.

 

  1. Diretrizes da política de atendimento

Estabelecidas e expressas formalmente as normas gerais para que se criem no país as linhas de ação de uma política de atendimento de direitos, supõe-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente, por possuir natureza jurídica, dispõe ser um diploma legal que intenta sobre realidades dinâmicas, a serem progressivamente construídas sob orientação dessas normas gerais federais.

Para que, então, em seu dinamismo, as linhas de ação sejam progressivamente criadas, aperfeiçoadas e exigidas no cotidiano da aplicação fática do Direito, o art. 88 do ECA regula sobre as diretrizes da política de atendimento de direitos a serem doravante exigíveis das autoridades constituídas.

            A municipalização, descrita no inciso primeiro do artigo 88, significa que a União e o Estado devem abrir mão de uma parcela do poder a fim de que os Munícipios possam assumir poderes até então privativos daqueles para atuar e executar efetivamente o atendimento de direitos.

Por sua vez, o ato normativo supracitado reforça sobre o atendimento que deve ser prestado pelos municípios, objetivando assegurar os direitos que recorrem às crianças e adolescentes, destinado a todos que, eventualmente ou não, dela necessitem. Com isso, as demais diretrizes detalham como essa exigibilidade se dará em termos factuais.

Mas, antes, o Estatuto parte de dois princípios: (a) o da participação – pelo qual o cidadão tem em suas mãos o poder constitucional de cobrar, pela via administrativa ou pela via judicial, que as políticas públicas cumpram com o seu dever; e (b) o da exigibilidade – essa cobrança, por essas duas vias, torna exigível que a autoridade em situação irregular corrija o rumo dessa política, seja pela via do caso a caso, seja através de medidas de ordem geral que alterem o rumo subsequente da política falha ou inexistente.

Continuando, o mesmo artigo disserta sobre como a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional, visando a participação popular paritária, bem como a formação e manutenção de programas específicos, de modo a pensar sempre no desvio da norma e prever mecanismos fáticos para sua correção. Com o mesmo grau de exigibilidade, isso é feito exatamente para atender àqueles casos que fatalmente escaparão ao mais completo atendimento possível dos direitos da criança e do adolescente no âmbito das políticas públicas.

Além disso, não havia, pois, como a norma geral que disciplina a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente no Brasil abstrair-se dos recursos necessários à consecução de seus fins sociais. Assim sendo, os recursos recolhidos ao fundo destinar-se-ão aos aspectos prioritário ou emergenciais que, em casos de desvios da norma, devem sempre contar com possível suporte financeiro.

Estes conselhos, chamados de Conselhos dos Direitos, um em cada um dos níveis municipal, estadual e federal, são a instância em que a população, através de organizações representativas, participará, oficialmente, da elaboração de políticas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente e, também, do controle das ações em todos os níveis (municipal, estadual e federal).

            Além do mais, faz-se mister dentro deste artigo a integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, com intuito de agilizar o atendimento inicial à menores a quem se atribua autoria de ato infracional, para que se reduzam as oportunidades de violação de direitos; no entanto, esta política não exige a integração de serviços no mesmo local, sendo assim, preferencial e, cabendo aos órgãos envolvidos decidirem sobre a sua conveniência e oportunidade. Também, a associação operacional, por sua vez, se dará por meio da economia de meios, modos e formas de cumprir o roteiro previsto pelo Estatuto: apreensão do acusado; apresentação à autoridade policial; liberação aos pais ou apresentação ao MP; apresentação à autoridade judiciaria; encaminhamento a entidade de atendimento, seja em programas de acolhimento familiar ou institucional.

            A integração operacional a que alude o inc. V, se propõe ao estreitamento e fortalecimento de relações de peças atenuantes nesse verdadeiro mosaico de defesa do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes. Neste, a proposta do legislador é a agilização, com isto significando a ruptura da burocracia e a observância rigorosa do preceito da absoluta prioridade previsto no artigo 227 da Magna Carta e artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente. O desejo do legislador é que a inserção de crianças e adolescentes em programas de acolhimento familiar ou institucional seja transitório e episódico, assegurando aos destinatários a garantia mais rápida possível do seu retorno à família de origem ou sua colocação em família substituta.

            Desse modo, exprime-se tamanha importância ao dispositivo supracitado, que envolve, como um todo, a vida das crianças e adolescentes, possibilitando a efetiva melhoria das condições de atendimento ao público infanto-juvenil uma vez que, quando as decisões são tomadas com a participação dos diversos segmentos da sociedade e de representantes do Poder Público, a solidariedade e a adesão interinstitucional são fortalecidas, conferindo uma maior legitimidade à decisão tomada.

 

  1. A relevância pública dos Conselhos

Os Conselhos de Direito são órgãos exercem ilustre função político-administrativa, reunindo em si poderes que buscam a descentralização preconizada na Lei Maior e no Estatuto.

Seus membros levam consigo a representação das entidades governamentais e não governamentais. No caso destas, exercem, democraticamente, a participação da população por meio de organizações representativas.

A relevância pública dos Conselhos dispensa remuneração. Isto significa e se perfaz em atitude benéfica, pois somente as pessoas realmente interessadas na solução dos problemas afetos à criança e ao adolescente se encarregam desse encargo. Ser membro, aqui, significa, portanto, a priorização absoluta da luta em favor da criança e do adolescente, não se importando, como tal, com o rendimento obtido por meio de tais conquistas.

No entanto, deve-se, também, se atentar para que as cadeiras dos Conselhos não sejam ocupadas por pessoas que queiram tirar proveito apenas do reconhecimento ao cargo de interesse público relevante.

 

  1. Distinção entre entidade governamental e não governamental e a função social dos artigos 90, 91, 92, 93 e 94. 

Em primeira análise, há de reconhecer que as entidades governamentais ou não governamentais possuem características diferentes, mas que almejam em uma só finalidade: a proteção dos direitos da criança e do adolescente.

Primordialmente, as entidades podem ser classificadas em governamentais e não governamentais, sendo as primeiras criadas e mantidas pelo Poder Público e, as segundas, por particulares, ainda que incentivadas e auxiliadas pelo Estado. E estas ultimas, somente poderão funcionar depois de registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, comunicando no mais tardar o registro ao Conselho Tutelar e à autoridade judiciaria da respectiva localidade.

Todavia, será negado o registro a entidades não governamentais que não ofereçam instalações adequadas de habitualidade, higiene, salubridade e segurança às crianças e adolescentes; ainda, pela irregularidade na constituição da entidade; que não apresente planos compatíveis com os princípios do ECA e pessoas que não gozam de idoneidade e, por fim, pela falta de cumprimento das resoluções e deliberações expedidas pelos Conselhos.

O registro terá validade máxima de 4 anos, cabendo ao Conselho Municipal reavaliar o cabimento da renovação.

Ademais, as entidades supramencionadas são responsáveis pela manutenção das próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e socioeducativos destinados a crianças e adolescentes, de modo a atender tanto os que se encontram em situação de direitos violados ou ameaçados ou as que abrigam menores infratores, podendo lhes aplicar medidas de proteção (orientação e apoio sociofamiliar, apoio socioeducativo em meio aberto, colocação familiar e abrigo) e medidas socioeducativas (liberdade assistida, a semiliberdade e a internação).

            Por sua vez, as entidades abrigadoras de crianças e adolescentes, principais entidades que atuam junto à Vara da Infância e Juventude, juntamente com a entidade governamental, devem obedecer os seguintes princípios: preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração familiar; colocação em família substituta no caso de impossibilidade dos genitores; tratamento individual; não separação dos irmãos; desenvolvimento de atividades educacionais; participação da sociedade e na sociedade e preparação para o desligamento.

            Por outro lado, se tratando das entidades que desenvolvem programas de internação, dispõe o artigo 94 às garantias asseguradas ao adolescente infrator, aplicando-se no que couber às organizações de acolho institucional ou acolho familiar de crianças e adolescentes em situação irregular. Referem-se os incisos a direitos básicos garantidos aos menores infratores, como a não restrição de direitos, a oferta de atendimento personalizado, a preservação da identidade bem como a promoção de ambientes que não firam a dignidade da pessoa humana, a oferta de vestuário adequados à faixa etária e alimentação saudável, a prestação de atendimento médicos, a possibilidade de escolarização e profissionalização, a garantia do direito ao esporte e ao lazer, a liberdade de escolha religiosa, a tentativa de restabelecimento dos vínculos familiares, oferecimento de instalações físicas adequadas e informação periódica sobre a situação processual entre outros direitos.

 

  1. Considerações finais 

Portanto, a falta de obediência das obrigações constituirá, novamente, o desrespeito e a violação aos direitos da criança e do adolescente. Por esta razão, será constada por meio de fiscalização do Judiciário, do Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares, aferindo-se as condições de atendimento de acordo com as regras dos artigos mencionados, de modo a zelar pelo efetivo respeito às normas e princípios aplicáveis à modalidade de atendimento prestado e pela qualidade e eficácia das atividades desenvolvidas.

Considerando que na lei nenhuma palavra deve ser considerada supérflua e a sua interpretação deve se ater ao espírito do legislador que a concebeu, conclui-se que ambos os dispositivos mencionados estão intimamente ligados à Doutrina da Proteção Integral, consagrada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

Sendo uma legislação que tem seus fundamentos na Doutrina da Proteção Integral da criança e do adolescente, a organicidade de seu todo depende do funcionando de suas partes, não havendo funções mais ou menos importantes. Sendo uma lei concebida democraticamente pela sociedade, também pode e deve ser pensada como um instrumento de educação desta mesma sociedade, evoluindo ambos, no sentido da garantia, na prática, destas mesmas conquistas.

  1. Jane Gomes de Castro: Graduada em Biologia e Pedagogia: Especialista em Ecoturismo e Educação Ambiental.
  2. Adriana Peres de Barros: Graduada em Pedagogia: Especialista em Educação Infantil e Alfabetização; Psicopedagogia Institucional.