Uma perspectiva jurídica sobre os direitos das crianças e dos adolescentes

Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado

Título II

Dos Direitos Fundamentais

  1. Do Direito à Vida e à Saúde

O direito à vida e à saúde são direitos sociais, que visam garantir aos cidadãos o exercício e o usufruto de direitos fundamentais em condições de igualdade, incumbindo, em especial, a criança e ao adolescente, que possuem absoluta prioridade, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

  1. Políticas sociais públicas

As políticas sociais públicas são os mecanismos executados pelo Poder Público objetivando aniquilar ou reduzir o espectro da fome, da pobreza e da injustiça social, a fim de promover o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, constituindo em objetivos fundamentais como dispõe a República Federativa do Brasil. Assim, podem ser entendidas como o conjunto de ações desencadeadas pelo Estado, nas esferas federal, estadual e municipal, que devem reservar parte de seu orçamento na consecução desses objetivos, com vistas ao atendimento do bem coletivo. Podem ser desenvolvidas em parcerias com ONGs (organizações não governamentais) e, como se verifica, com a iniciativa privada (parceria público-privada; incentivos fiscais etc.).

  1. Legislação específica 

O art. 5º da Constituição Federal garante a todos a inviolabilidade do direito à vida e, a posteriori, o art. 6º dispõe dos direitos sociais, sendo um deles à saúde. Nesse sentido, com a aplicação efetiva desses dispositivos, milhões de crianças e adolescentes poderiam ter seus direitos garantidos, de modo a assegurar condições plenas de vida. No entanto, torna-se necessária a mobilização de toda sociedade, onde cada instituição, cada família, cada pessoa, assuma esse objetivo como uma prioridade a ser realizada a partir da participação de cada um. Somente a realização plena desses artigos assegurará a condição de uma sociedade digna, democrática e humana.

Ademais, as normas do Estatuto da Criança e do Adolescente tencionam à proteção de direitos fundamentais da criança e do adolescente, adotando-se a doutrina da proteção. Nesse ponto, o Estatuto da Criança e do Adolescente cria mecanismos de amparo e proteção à criança e ao adolescente, garantindo-lhes instrumentos efetivos de defesa. Inicialmente, o direito ao gozo de todos os direitos fundamentais da pessoa humana está elencado no art. 3º, e a todos incube o dever de prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente (art. 70).  

  1. Do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade

 

O direito à liberdade, ao respeito, à dignidade, é direito básico inerente de qualquer ser humano. Como objetivos fundamentais da República Federativa, propõe-se construir uma sociedade livre, justa, e solidária, garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, assim como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade (art. 3º). A Constituição, assim, tutela o menor ao considera-lo sujeito de direitos, preservando-lhes, à criança e ao adolescente, tratamento de respeito e no que pese a sua dignidade, impondo-lhe absoluta prioridade, zelando pela proteção de sua, dita preceitos que o Estatuto da Criança e do Adolescente explicita, que o Código Penal protege, penalizando os que ousam violá-los.

Segundo a Lei 8.069/90, previsto no art. 15, toda criança e todo adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos pela Constituição e por outros dispositivos legais.

No entanto, o dispositivo em comento, é carregado de utopia, mas que também inspiram normas programáticas de natureza constitucional. Mas, é importante que se ressalve ser indispensável que os princípios, ainda que deturpe da fática realidade, estejam expressos em lei, e que esta, mesmo que não possuam aplicabilidade imediata, seja um dos fatores de mutação, de transformação da sociedade, marcada pelo desprezo ao respeito, à liberdade e à dignidade. A lei, portanto, existe para ser aplicada, sem dúvida, mas há de ressaltar a existência de um conteúdo pedagógico, que será abordado mais a frente.

  1. O que é liberdade?

A liberdade, antes de mais nada, é a faculdade que um indivíduo possui de fazer ou não fazer algo, envolve um direito de escolha entre duas ou mais alternativas. Atualmente, há dispositivos que assegurem o direito à liberdade, isto é, o indivíduo é livre para fazer tudo o que a lei não proíbe;

O direito à liberdade da criança e do adolescente compreende o direito de ir e vir, seja em espaços públicos ou comunitários; compreende o direito à liberdade de opinião, manifestação do pensamento, de consciência e de religião; direito de brincar, praticar atividades esportivas, de se divertir; participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; participar da vida política; buscar refúgio, auxílio e orientação (art. 16, inc. I a VII).

Porquanto, o direito ao respeito e à dignidade está inclusa, implicitamente, no direito à liberdade. Não bastasse, o respeito alcança diversas dimensões. O direito ao respeito significa o respeito aos direitos da criança e do adolescente, de modo que estes sejam assegurados com plena eficácia, visando à manutenção da integridade física, psíquica e moral; ainda, em condições com vistas a dignidade da pessoa humana, uma vez que a criança e o adolescente são consideradas sujeitos de direitos.

Como princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, juntamente com o direito à vida e à liberdade, são garantias individuais asseguradas pela Constituição Federal (art. 1º, III) e transportadas para o ECA, afirmando ser dever de todos (Estado, Família, Sociedade) velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano (degradante, que impinge sofrimento físico ou mental) violento (violência física), aterrorizante (que impõe medo), vexatório (humilhante) ou constrangedor (que resulta vergonha). A dignidade é um atributo da pessoa, em especial, da pessoa em desenvolvimento: a criança e o adolescente.

  1. Comentários

Tratando desse embate, o art. 18-A do Estatuto da Criança e do Adolescente considera que todas as crianças e adolescentes possuem o direito de ser educadas e cuidadas sem o uso do castigo físico ou tratamento cruel, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos membros da família, pelos responsáveis, pelos agentes públicos ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.

Neste plano, a criança e o adolescente possuem direito à preservação da sua integridade física, psíquica, moral e intelectual. A noção de castigo tem sido ampliada, passando a incluir não só situações de maus-tratos físicos, mas também toda condição atentatória aos direitos fundamentais da criança ou adolescente: a violência psicológica, a violência sexual, a negligência (por ação ou omissão), o abandono etc., que ocorrem na família, em instituições e na comunidade local.

Ou seja, toda conduta ou forma cruel de tratamento que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize a criança ou adolescente fundamentada no argumento pedagógico é vedada pela referida Lei, e o corpo do art. 18-B promete que os pais, professores ou responsáveis ficarão sujeitos às medidas cabíveis aplicada pelo Conselho Tutelar, por meio de providencias terapêuticas, não causando desorganização familiar irreversível, ou por meio de outras providencias legais, que tem como intuito de recuperar a integridade da vítima.

  1. Os responsáveis, quem são?

Além do Estado, a família é outra instituição responsável em garantir o bem-estar da criança e do adolescente, de modo a assegurar tudo o que lhe é necessário a uma vivência digna. No entanto, não sendo o pai e nem a mãe, poderá ser os avós, outro membro do núcleo familiar, os agentes públicos executores de medidas socioeducativas (professor, educador), o tutor, o curador, o guardião legal, ou qualquer pessoa encarregada de cuidar da criança ou do adolescente, devendo também zelar pela criação e educação do menor, suprindo-lhe com regularidade suas necessidades básicas.

  1. Do Direito à Convivência Familiar e Comunitária

Previsto pelo art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, toda criança ou adolescente tem direito de ser criado e educado no seio familiar e, ou em família substituta, desde que assegurada a convivência familiar e comunitária. Isto é, a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade, por isso, pode ser considerado um direito fundamental da criança e do adolescente. A entidade familiar, a qual a criança e o adolescente devem permanecer, dispõe de proteção constitucional, já que o art. 226 da Carta Magna especifica proteção especial da família pelo Estado.

  1. Criação e educação

O dever da família de educar implica no atendimento das necessidades intelectuais e morais da criança e do adolescente, propiciando-lhe a oportunidade de desenvolver-se nesses níveis. Enquanto o encargo de criar abarca a obrigação de garantir o bem-estar físico do filho, proporcionando-lhe sustento, resguardando-se a saúde e garantindo-lhe o necessário para a sua subsistência.

No entanto, os dois conceitos hão de ser confundidos uma vez que criar é também educar, embora educar, em sentido amplo, signifique transmitir e possibilitar conhecimentos, despertando valores e habilidades ao menor a fim de que ele possa enfrentar os desafios do dia a dia.

  1. A responsabilidade da família

Segundo o art. 22 da legislação especial e em paralelo ao art. 1.634 do Código Civil, incumbe aos pais (ou responsáveis) quanto à pessoa dos filhos menores, dirigir-lhes a criação e a educação, o dever de sustento, em sua companhia e guarda. No entanto, o descumprimento das obrigações de sustento sem justa causa, proporcionando à criança e ao adolescente condições mínimas de habitação, higiene etc., de guarda, de educação, fornecendo a escolarização necessária, pode levar à restrição, (como a perda da guarda), suspensão e ainda à destituição do poder familiar – indo contra o objetivo maior do ECA e da Constituição, qual seja a preservação da família.

A perda do poder familiar deve estar de acordo com as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente em combinação com o Código Civil. Assim, incide a decisão de destituição do poder familiar na conduta omissiva do genitor diante de suas obrigações elencadas no artigo 22 do ECA e no artigo 1.634 do CC.

Não é novidade que a instituição familiar é o primeiro contato da criança com o mundo, o primeiro laço, a primeira referência de afeto, de proteção e cuidado. Por isso, a convivência familiar deve ser protegida e estimulada não só pelo Estado, mas também pela sociedade, caso contrário, o desenvolvimento do menor e seus direitos seriam prejudicados.

Além do direito à convivência familiar, o direito à convivência comunitária é tão importante quanto o direito à vida, a saúde, à liberdade, ao respeito e à dignidade. Para tanto, criança e o adolescente possuem o direito fundamental de conviver na comunidade, ou seja, na coletividade, em diversos locais, como o bairro onde residem, a instituição escolar, praças, parques, etc. Isto é crucial para o desenvolvimento deles, pois implica no processo de socialização da criança e do adolescente mediante a interiorização da cultura de determinada organização social em que o indivíduo nasce e cresce. Sobretudo, para que possam aprender a conviver em sociedade.

Posto isto, é possível compreender que o fortalecimento de vínculos sociais, como a participação a uma rede de relações afetivas (família, amigos, etc), é importante para o desenvolvimento da criança e do adolescente.

Portanto, diante da complexidade que envolve o universo familiar, urge a necessidade de mudanças que ensejam a integração de ações que seguem junto às políticas públicas e sociais – além de apontar as necessidades e demandas existentes para a implantação de políticas voltadas a priorizar a proteção integral à criança e ao adolescente –, no sentido de efetivar, de forma ampliada, o direito à convivência familiar, de modo a garantir a preservação da família, e, ainda, assegurar o direito à vivência na comunidade da criança e do adolescente.

  1. Família natural ou família extensa?

Compreende-se por família natural a conjuntura formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes. Por outro lado, família extensa ou ampliada é aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e mantem vínculos afetivos (art. 25 e §, ECA.).

Atualmente, a Constituição Federal de 1988 baseia-se no princípio do pluralismo das entidades familiares, isto é, reconhece a possibilidade de a família ser formada por diversas estruturas e não apenas pelo modelo clássico de união (casamento entre o homem e a mulher objetivando gerar filhos). Hoje há várias entidades familiares, seja família adotiva, seja monoparental (formada pela presença de apenas um dos pais), seja reconstituída (união de um casal, no qual um ou ambos tenham filhos de relacionamento anterior), seja homoafetiva (casal de pessoas pertencentes ao mesmo sexo) entre outras.

Contudo, nenhuma deixa de ter a obrigação de cuidar/educar os filhos. Todas possuem prioridade para manutenção da criança e do adolescente. Deste modo, é necessário que a noção de família seja ampliada e tratada com respeito e sem discriminação. Por fim, a construção de uma relação familiar saudável – seja como for, implica no respeito, no amor, na amizade, e, acima de tudo, a garantia de direitos da criança e do adolescente.

 

  1. Jane Gomes de Castro: Graduada em Biologia; Especialista em Ecoturismo Turismo e Educação Ambiental.
  2. Adriana Peres de Barros: Graduada em Pedagogia; Especialização em Educação Infantil e Alfabetização; Psicopedagogia Instituciona