Vila Velha, 25 de junho de 2008.

Uma dança com a morte.
Estar a dançar como se fosse valsa, seus olhos não resistem em perguntar o que seria aquela capa de vampiro, preta por fora e vermelha por dentro, subindo e descendo no girar contínuo da dança que recebeu como boas vindas. Recebeu esta saudação após um segundo de hesitação. Nas fendas dos ornamentos na porta sua boca engoliu a imagem da mulher que transpassava o muro baixo da entrada como se fosse feita de ar. Soltou um som de medo e quis fugir por um instante. Ao ouvir o bater da mão na madeira da porta conteve-se e voltou pelo corredor de entrada, logo abriu a porta recebeu a mulher e sua capa com uma surpreendente tirada para dançar. Ela somente sorria e dizia: _ quem me mandou falou que você me receberia assim! Enquanto rodavam pela sala vazia sua cabeça não parava de perguntar quem teria mandado aquela visita tão única.

Sua garganta secou completamente ao reconhecer sua parceira de dança como a temida dona do tempo, senhora do transporte ao desconhecido, dama do além, não podia ser. Era a própria Morte. Seu rosto não era magro, pelo contrário, era até um pouco rechonchudo, não possuía nenhum manto preto, vestia uma blusa colada sem manga, que realçava suas formas redondinhas, vestida com uma bermuda jeans surrada poderia até passar por uma dona de casa em trabalho diário de faxina. Tudo muito atípico para a dona do tempo. Porém existia aquela capa... a capa dava muito receio, impossível distinguir se era boa ou má, se era bonita ou feia, por incrível que possa parecer, não se sabia se combinava ou não, com o resto do vestuário. Era a capa que a tornava de outro mundo. Não resistiu e perguntou de forma muito serena, porém sem parar a dança, apenas diminuindo o ritmo: _ quem te mandou?

Via os lábios da sua parceira de dança se mover mais não ouvia nada. Não ouvia nem se quer se havia alguma música no ambiente, era uma surdez que o impedia de ouvir a resposta do mandante da senhora do tempo, sua surdez o remetia ao utilizar o sentir. Sentia a resposta como se a estivesse ouvindo, estranho, será que já estava desencarnado? Impossível saber alguma coisa enquanto se está hipnotizado pela capa da morte. Sentia o contra senso de estar recebendo aquela visita inusitada enviado por alguém que ama muito, e que também o ama muito. Uma pessoa tão especial que fez questão de mandar a visita descompromissada de alguém que não pode perder tempo nas suas tarefas, a Morte estava fugindo de suas características em prol do livre arbítrio dos apaixonados, cada qual em uma freqüência de existir, cada qual de um lado do espaço, unidos pelos pensamentos comuns e pelas lembranças também comuns.
A dança vai diminuindo no ritmo em que a música do cantar do galo começa a surgir no silêncio dos rodopios ritmados, agora ouve o som da sua parceira que pergunta: _e aí, vai comigo? Os braços se descolam e finalmente acaba a dança.