UMA CRÍTICA ROUSSEAUNIANA ÀS CIÊNCIAS E ÀS ARTES COMO CORRUPTORAS DA SOCIEDADE DA ÉPOCA

Saulo Barbosa Santiago dos Santos1

RESUMO

Neste estudo apresentaremos uma breve introdução histórica sobre como surgiu o discurso de Rousseau. Através de uma prática teórica, será argumentado os fatores que propiciaram o pensador a se contrapor contra todo um pensamento positivista (no sentido comteano) que acreditava que tantos as ciências como as artes contribuíam para o progresso da sociedade, com isso, tentaremos concluir que, para Rousseau, as ciências e as artes são culpadas pela corrupção da sociedade.

Palavras-chave: Rousseau; ciências; artes; corrupção.

ABSTRACT

In this study we present a brief historical introduction on how the speech came from Rousseau. Through a theoretical practice, it will be argued the factors that led to the thinker to counteract against an entire positivist thinking (in the sense Comtean) who believed that as many sciences as the arts contributed to the progress of society, therefore, we will try to conclude that, for Rousseau, the sciences and the arts are blamed for the corruption of society.

Keywords: Rousseau; science; arts; corruption.

INTRODUÇÃO

        Entre os séculos XIV e XVI, surge na Europa -principalmente na Itália- o movimento denominado como Renascimento Cultural. O Renascimento enfatizava a racionalidade e a cientificidade sem a interferência da religião. Nesse contexto, surge o movimento Iluminista. Tal termo surgiu pelo fato que tantos os filósofos como os economistas se auto-intitulavam como propagadores da luz e do conhecimento.

        Em 1750, a Academia de Dijon propõe, com premiações para a melhor resposta, um tema a ser discutido: O restabelecimento das ciências e das artes terá contribuído para aprimorar os costumes? Os acadêmicos esperavam respostas positivas e ratificantes no que concerne às ciências e às artes, mas houve exceções e a principal delas, e que recebeu a premiação foi o discurso feito por Jean-Jacques Rousseau.

        Para o filósofo, tal aperfeiçoamento não existiu porque tanto as ciências como as artes agrediram a moral do homem. De fato, tal resposta não era esperada, logo em seu prefácio No prefácio sobre seu discurso sobre as ciências e as artes, Rousseau aplica duas observações. Ele informa que seu discurso não é de caráter metafísico, a outra observação, é que ele não tem a mínima intenção de agradar qualquer pessoa, sejam os letrados (homens das ciências), sejam os homens da moda (os iluministas).

        O objetivo desse texto não é somente demonstrar as argumentações rousseauniana que contrariam a importância das ciências e das artes como aprimoradoras do costumes, mas também o contrário, que elas são capazes de corromper o homem.

 

AS CIÊNCIAS E AS ARTES COMO CORRUPTORAS DAS VIRTUDES

 

        O problema central do discurso é responder que tanto as ciências como as artes são corruptoras da sociedade, para o filósofo, as ciências e as artes são usadas como formas políticas, isto é, como meio de controlar e dominar a sociedade com que ele chama de “povos policiados”. Santos destaca que o sentido que se faz às ciências e às artes está relacionado com as invenções humanas, ou seja,

 

feitas segundo certos procedimentos metodológicos, que se contrapões à natureza ou ao modo natural. Neste sentido, Rousseau parece referir-se às ciências e às artes como uma invenção intelectual, que exige uma habilidade, mental e prática, para criar uma coisa nova, ou seja, artificial. (SANTOS, 2012, p. 103)

 

        O autor do discurso define “povos policiados” como “escravos felizes” porque seus costumes não possuem uma identidade, isto é, inexiste um caráter próprio de cada um, as pessoas não agem de acordo com suas vontades, mas sim com os ditames sociais, assim, para o pensador

 

Não há mais amizades sinceras não há mais estima real; não há mais confiança fundada. As suspeitas, as desconfianças, os temores, a frieza, a reserva, o ódio, a traição, hão de ocultar-se sempre sob o véu uniforme e pérfido da polidez sob essa urbanidade tão louvada, que devemos às luzes do nosso século. (ROUSSEAU, 1978, p. 336)

 

        De acordo com o discurso abordado, as ciências e as artes são nascidas do luxo e do vício, para tanto, ele afirma que tanto as artes como as ciências nasceram dos vícios haja vista

 

A astronomia nasceu da superstição; a retórica, da ambição, do ódio, da adulação, da mentira; a geometria, da ganância; a física, da curiosidade vã; e todas elas, mesmo a ética, do orgulho humano. As artes e as ciências devem portanto o seu nascimento aos nossos vícios, e nós deveríamos duvidar menos das suas vantagens se elas tivessem tido origem nas nossas virtudes. (...) Quantos perigos! Quantos caminhos equivocados na investigação das ciências? Por meio de quantos erros, milhares de vezes mais perigosos do que a verdade é útil, não é preciso abrir caminho a fim de alcançá-la? O problema é patente; pois a falsidade admite um número infinito de combinações; mas a verdade possui apenas um modo de ser. (ROUSSEAU, 1978, p. 343)

 

        Para o renascentista, as virtudes humanas foram corrompidas pelos vícios dos povos policiados, pois, não mais demonstram quem são, vive-se por aparências antes que os homens criassem um tipo de linguagem refinada, costumes com intuito de agradar os outros, esses eram mais verdadeiros, apesar de serem rústicos, os homens antes de serem corrompidos eram mais honestos um com os outros, desenvolviam seus conhecimentos somente com o intuito de atingir suas necessidades, possuíam virtudes e não se importavam para aparências e muito menos com formas de comportamento, isto é, antes que a arte polisse nossas maneiras e ensinasse nossas paixões a falarem a linguagem apurada, nossos costumes eram rústicos, mas naturais, e a diferença dos procedimentos denunciava, à primeira vista, a dos caracteres.

        O genebriano entende que foi o desenvolvimento dos luxos e dos vícios que fez com que o homem saísse do seu Estado de Natureza para o Estado Social. Estado de Natureza, de acordo com Rousseau, é quando homem possui rusticidade, vigor, naturalidade e transparência, adjetivos esses que não se encontram no homem no Estado Social, que é o homem civilizado que o filósofo critica. Rousseau entende que quando o homem entra no Estado Social, seus valores morais e virtudes são corrompidos pelo ócio e o vício, assim,

 

podemos perceber no nascedouro do pensamento de Rousseau um de seus múltiplos paradoxos: a relação entre a sociabilidade primitiva, sempre favorável à manutenção do estado de natureza, e a intervenção das artes que introduz a corrupção por meio da ociosidade, da vaidade. (SANTOS, p. 103)

 

        Essa desigualdade entre o homem no Estado de Natureza e do Estado Social, não é algo que se passou a existir naturalmente, mas sim sobre a força de homens corruptos que tinham como intenção o desenvolvimento de um estado social, assim, derrubando o homem natural como também trocando as virtudes pelas aparências. As consequências dessa desigualdade são drásticas e que não atingem somente aos homens, elas deturpam a realidade através das aparências, essas aparências abastecem os vícios, com isso, fortalecendo ainda mais a arte de agradar e a polidez, dessa forma,

 

transformam-se numa espécie de segunda natureza, que não ousa mais parecer aquilo que é, que já não é mais possível conhecer o íntimo dos outros, que cada face é, necessariamente, mentirosa e que a vida em sociedade é o reino da hipocrisia (MENEZES, 2005, p. 57)

 

        O renascentista possuía uma grande aversão ao luxo e aos vícios, pois são supérfluas e sem utilidade, que nasce da ociosidade e da vaidade dos homens, que têm como principal característica a exaltação do amor próprio, rompendo assim, laços com a coletividade. Este não age de acordo como ele quer, mas sim como a sociedade exige, ou seja, perde-se a identidade em favor dos costumes.

        Para o filósofo, quando as aparências são resumidas pela polidez, as pessoas tendem a serem falsas, o tratamento entre as pessoas dependerá do quanto ambas têm algo a oferecer, se não houver, será fadado à marginalização social, assim,

 

quando buscas mais sutis e um gosto mais fino reduziram a princípios a arte de agradar, reina entre nossos costumes uma uniformidade desprezível e enganosa, e pare que todos os espíritos se fundiram num mesmo molde: incessantemente a polidez impõe, o decoro ordena; incessantemente seguem-se os usos e nunca o próprio gênio. (ROUSSEAU, 1978 p. 336)

 

        Rousseau entende o homem como um ser moral que necessita da busca da sua própria natureza, porém, os filósofos da época, ou seja, os iluministas, desvirtuam o escopo das ciências e tentam padronizar uma cultura aos seus moldes. Eis as críticas e os motivos que o crítico faz aos filósofos:

 

Que é filosofia? Qual o conteúdo das obras dos filósofos mais conhecidos? Quais são as lições desses amigos da sabedoria? Ouvindo-os, não os tomaríamos por uma turba de charlatões gritando, cada um para seu lado, numa praça pública: “Vinde a mim, só eu não me engano!” Um pretende não haver corpos e que tudo só existe como representação; o outro, não haver outra substância senão a matéria, nem outro deus senão o mundo. Este avança não haver nem virtudes, nem vícios, e serem quimeras o bem e o mal morai; aquele, que os homens são lobos e podem, com a consciência tranquila, se devoram uns aos outros. Oh! Grandes filósofos, por que não reservais para vossos amigos e filhos esss as lições proveitosas? Teríeis logo a recompensa e não temeríamos encontrar ente os nossos alguns de vossos sectários. (ROUSSEAU, 1978, p. 350)

 

        Rousseau (1978, p. 340) se utiliza da pessoa de Sócrates para reforçar sua crítica a esses “intelectuais”, para ele, Sócrates deblaterava “contras os gregos artificiosos e sutis que seduziam a virtude e afrouxavam a coragem dos seus concidadãos”. Infere-se disso que, os iluministas exercem as mesmas funções que os “gregos artificiosos e sutis” que tanto Sócrates criticou, assim, de acordo com Rousseau, os iluministas não propagam nenhuma luz e muito menos conhecimento, mas sim vícios e luxos que tanto corrompem a sociedade. Nesta ideia, os sábios não possuem um relação necessária com a moral porque nem sempre a moral está ligado à sabedoria e isso é uma característica de uma homem civilizado. O que se torna um erro para Rousseau. Para o pensador, a moral e a sabedoria deveriam ser duas coisas interligadas, porém, o homem mascara isso dizendo que não há relação, pois, se essa máscara não existir, a moral iria controlar a ciência.

ROUSSEAU, A ÉTICA E A MORAL EM SEU DISCURSO

        Como as ciências e as artes corroboram para a corrupção do homem, então, o homem entra em colapso, e aquelas só fortalecem isso, assim, pode-se entender que os vícios do homem e a desvalorização do uso das virtudes se torna algo mais enfático na sociedade daquela época.

        O que reconhece o homem tal como ele é, são suas ações virtuosas, porém, tais virtudes estão sendo deformadas pelos vícios, ou seja, age-se de acordo com os costumes lapidados pela sociedade. Para Neto, Rousseau entende que os vícios enfraqueceram as virtudes humanas por causa da uniformidade dos costumes, que não permite que tomamos ações que condizem com nossos pensamentos e vontades, assim, acaba-se agindo de forma que mostra o que não somos.

       Concordando com Neto (2012) em relação a Rousseau, sua descrição sobre a importância das virtudes do homem, nos faz entender a importância da ética no homem, quando estes, vivendo uma época em que a razão se sobrepõe como algo mais impostante que o homem tem, esquecem da máxima socrática “conhece-te a ti mesmo”. É a partir dela que, ao buscarmos nossa moralidade humana, podemos construir ações virtuosas, portanto, para o pensador, a moral e a sabedoria deveriam ser duas coisas interligadas, porém, o homem mascara isso dizendo que não há relação, pois, se essa máscara não existir, a moral iria controlar a ciência.

CONCLUSÃO

        Muitos pensam que Rousseau tinha como intuito destruir as artes e acabar com as ciências, em nenhum momento ele se contrapões às ciências e às artes, ao contrário, para ele, elas são frutos da razão e do conhecimento humano, pois, é com elas que

sabemos por que razões os corpos se atraem no vácuo; quais são, nas revoluções as áreas percorridas em tempos iguais; quais as curvas que têm pontos conjugados, pontos de inflexão e de retrocesso; como o homem vê tudo em Deus; como, sem comunicação, se correspondem a alma e o corpo, tal como fariam dois relógios; quais os astros que podem ser habitados; quais os insetos que se reproduzem. (ROUSSEAU, 1978, p. 343)

        De fato, Rousseau não acredita que as ciências e as artes possam ser benéficas para os costumes da sociedade de sua época, pelo contrário, ele considera como algo ruim, capaz de levar vícios e costumes que tende ao homem a sua corrupção, isto é, sair do Estado de Natureza. Rousseau não tem a intenção de atingir suas críticas às ciências e às artes como um todo, para ele, o que faz da ciência e da arte algo perigoso, são seus resultados, pois, concordando com Santos (2012, p.104) “o resultado material do desenvolvimento das ciências e das artes é o avanço da cultura, mas às custas do enfraquecimento da religião, das virtudes naturais puras e consequentemente o avanço do despotismo político”.

        O filósofo não acredita que as ciências e as artes levem algo puro e nobre à sociedade porque as mesmas são movidas por interesses e vícios capazes de deturpar a moralidade humana e que, por isso, sejam tão inúteis ao objetivo do homem: atingir a sabedoria.

REFERÊNCIAS

  • MENEZES, E. Rousseau, a civilização e a máscara. Revista do Mestrado em Educação, v. 10, p. 53-64, 2005.

  • NETO, M. D. A ética no primeiro Discurso de Rousseau. Disponível em: http://www.unicamp.br/~jmarques/gip/AnaisColoquio2005/cd-pag-texto-35.htm. Acessado em: 5 de Janeiro de 2013

  • ROUSSEAU, Jean-Jacques. [1749] Discurso que alcançou o prêmio da academia de dijon, em 1750, sobre a seguinte questão, proposta pela mesma academia: O restabelecimento das ciências e das artes terá contribuído para aprimorar os costumes? In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultura, 1978c. p. 329-352.

  • SANTOS, Antônio Carlos dos. Considerações sobre as ciências e as artes em Rousseau. Argumentos: Revista de Filosofia (Impresso), v. 4, p. 102-107, 2012.

1Graduado em Filosofia e pós-graduando em Ética e Teoria do conhecimento pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e especialista em Didática para o Ensino Superior pela Faculdade Pio Décimo (FPD).