Uma conversa com Joãozinho

Na sala em que estuda o Joãozinho, aquele pestinha que inferniza a vida de muitos professores, o diretor precisou fazer um comunicado. E começou falando sobre a importância dos nossos governantes, da necessidade de lideranças políticas que sempre estejam dispostos a fazer tudo para que a sociedade se torne, cada vez mais, um espaço bom para se viver, onde todos os membros dessa sociedade tenham condições de realizar seus sonhos. E para descontrair, perguntou se alguém, ali, gostaria de ser prefeito da cidade. Disse que para isso deveriam estudar bastante para ter mais condições para realizar as obras que trouxessem grandes benefícios para o povo.

Lá pelas tantas, depois de ter infernizado a vida dos colegas, o Joãozinho direcionou suas baterias sobre o diretor.

Numa parada para respiração, interferiu a fala do diretor, perguntando. "Mas seu diretor, se os políticos tem essa função, por que eles não a cumprem?"

"É porque – responde o diretor – antes de serem políticos e cumprir com sua obrigação, eles são seres humanos. E como seres humanos que são, nem sempre fazem aquilo que deve ser feito, mas seguem os instintos. E os instintos representam a face animal que o homem possui".

E o pestinha: "Mas diretor, se eles assumem a responsabilidade de representar a sociedade, não deveriam renunciar sua animalidade e ficar só com o lado bom?"

"É como eu disse, Joãozinho. Eles deveriam, mas nem sempre é isso que acontece, pois somos assim: por mais que queiramos fazer o bem, por vezes somos levados a fazer maldades..."

"É verdade, seu diretor, que os governos devem fazer obras que beneficiem o povão, sem meter a mão?"

"Isso são modos de falar, Joãozinho? Mas é verdade, sim. Todo gestor publico ou todo legislador já recebe para isso. Portanto se houver desvio de dinheiro público isso se caracteriza como crime"

"Então tem muito criminoso mandando em nós, né seu diretor?"

"É verdade. Quer dizer... alguns de nossos representantes se desviam da lei e das suas responsabilidades. Mas contra isso existem as leis. E se algum deles descumpre a lei, deve ser penalizado"

"Pena que a lei só apanhe ladrãozinho, né, seu diretor. Meu pai disse que os ladrões que se elegem com os votos prejudicam a todos e com o dinheiro que roubam de nós, compram até as leis"

"Também não é assim, Joãozinho. Existem políticos honestos..."

"Mas o pai disse que eles não se elegem, pois não tem dinheiro prá comprar eleitores pra gostar deles..."

"Seu pai anda muito revoltado, menino. Os eleitores é que devem fazer boas escolhas. E assim evitaremos os políticos desonestos..."

"Os desonestos e os burros, né seu diretor? Pois se eles fossem honestos e inteligentes todo mundo ia gostar deles. E depois, nas outras eleições, todo mundo ia votar neles outra vez. Mas meu pai disse que não é assim que acontece. O pai disse que eles roubam e são violentos contra o povo. Por isso em vez de serem admirados, são odiados".

"É isso que seu pai pensa dos políticos, Joãozinho?'

"Meu pai e todo mundo, seu diretor. O pai disse que quem é esperto sabe que é isso que acontece. Mas tem muita gente que não sabe disso e por isso continua votando nos bandidos"

"Exatamente por isso é que vocês devem estudar bastante. Aprenderem para não serem enganados pelos maus políticos e para serem os político honestos que o Brasil precisa"

"Ih! Seu diretor. Isso vai ser difícil. Meu pai disse que nenhum trabalhador trabalha bem e bem disposto, se não tem bom salário. E os professores não ganham bem. Por isso, seu diretor, a gente não será nada disso que o senhor ta querendo. E sabe por quê? Porque os políticos não se preocupam com a escola, nem com os professores nem com nada que tem na escola. Por isso é que nossa escola quase não tem nada"

"Mas estão acontecendo muitos investimentos na educação. Reformas, material didático, e muitas outras coisas"

"Meu pai disse que fazem isso porque disso podem desviar dinheiro. E não dão melhores salários para os professores por que daí não dá pra desviar o dinheiro. E se derem bons salários para os professores eles vão trabalhar bem e daí vão ensinar os alunos. E daí eles vão descobrir tudo isso"

Não pude ver como continuou a conversa, pois tive que sair para atender ao telefone. Mas soube, depois, que o diretor saiu da sala um tanto furioso, pois não conseguiu convencer o Joãozinho. E ai pensei: ainda bem que tem alguns alunos como o Joãozinho.

Pena que nem todos os estudantes sejam assim e também não sejam todas as autoridades que se preocupem com a educação. Pena que nem todos se dediquem a estudar ou a melhorar o sistema escolar, procurando alternativas e melhorias.

Mas a escola ainda pode ser um espaço para o aprendizado e para pensar em transformações...

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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