UMA CONCEPÇÃO FILOSÓFICA SOBRE A (IN)EXISTÊNCIA DA LUTA DOS DEUSES DO BEM E DO MAL

Certamente, desde que os homens perceberam que existem forças ou poderes divergentes no tempo e no espaço da vida da humanidade, de forma que eventos se alternam na ordem universal, indesejáveis até, se sucedendo sem submeterem aos limites, controles e imposições humanas, eles fantasiaram (ou criaram) seres ou deuses antagônicos que se embatem dia e noite, promovendo uma disputa entre o bem o mal, conforme as estruturas mentais e ideológicas dos seguidores desta ou daquela doutrina religiosa. Sobretudo aquelas ordens que nominaram e formataram seus deuses, como foi o caso da mitologia grega e da romana, que para cada elemento ou força da natureza tinha um deus(a), bom o mau. Ideias estas que milhares de anos depois fertilizam o imaginário popular. O que favorece a casta dos sacerdotes que sempre terão clientes, isto é, fiéis, para fazerem suas doações e seguindo seus dogmas (dos pastores com seus rebanhos) tendo em troca da proteção e da recompensa de um deus do bem, ainda neste mundo material, e após o fim da vida, um paraíso como herança. Mas o que foi fantasiado pelos povos mais primitivos, como gregos, egípcios, romanos, persas, assírios etc. acerca de deuses e deusas é verdade?  Até que ponto os antigos misturaram mitologias, fantasias e ideologias em controvérsia com as verdades universais que o passar do tempo e a santa Natureza acabaram provando o erro e a ilusão dos nossos antepassados, como gregos e romanos, por exemplo?

Observando algumas ideias sedimentadas por parte da Grécia, em relação aos deuses hipotéticos e imaginários do olimpo, que serviram de inspiração e formação da igreja católica, descobriremos que o povo grego imaginou (ainda que fosse apenas ilusão) que existia um deus para a água, um para o fogo, um para a terra, uma deusa da guerra, uma deusa da beleza, uma da justiça, um deus para o mal e o inferno (que chamavam de hades) e um deus para o bem e o céu (o olimpo), deuses estes que viviam em constante combate. Os romanos, imitando os gregos, também criaram deuses, deusas e semideuses[1] à vontade, um para cada coisa ou fenômeno da Natureza, condição esta que vai recair na cultura dos hebreus que da mesma forma um dia foram politeístas, em virtude das ideologias e fantasias do mitraísmo e do maniqueísmo, antigas ideais e costumes praticadas pelos povos mesopotâmicos. Um exemplo disto foi a imaginação da Pérsia onde a sociedade fantasiou que havia um deus do mal, chamado Arimã e um deus do bem, de nome Mazda, que estavam sempre lutando entre si pelas almas terrenas. De forma que um dia Masda iria enviar um messias (seu filho) para lutar contra Arimã neste mundo nosso - ao que parece, centenas de anos depois o cristianismo[2] surgiu com a mesma cultura e doutrina, o qual se impôs pelo uso da força e da violência das fogueiras, das guilhotinas, como ideologia religiosa dominante aos ocidentais.

Assim nos ensina um renomado historiador deste País, em um livro raro, antigo e valioso, pelo seu conteúdo, para aqueles que apreciam o saber:

um dos aspectos mais interessantes da cultura persa é o zoroastrismo ou masdeísmo, religião fundada por Zoroastro ou Zaratustra. Zoroastro teria feito seus primeiros adeptos em Bactriana, pregando a supremacia absoluta de um deus do bem, Masda ou Ormuzd, o criador do mundo, que personificava a retidão, a puraza e a luz. Empenhado em superar Masda haveria uma divindade maléfica, Arimã, representada por uma serpente e ajudada por uma infinidade de devas ou demônios. (...) Admitia vinda de um messias, Saoshyant, gerado por uma virgem e um juízo final após a derrota definitiva de Arimã (SOUTO MAIOR, 1981, p. 48-49).

Os romanos, povo de senadores injustos, generais perversos e corruptos e massas ignorantes não sabiam bem a quem ou o que seguir. Ora eram pagãos, ora acreditavam nos deuses gregos, ora nas mitologias que dominavam a região do crescente fértil ou a mesopotâmia. Daí resultando numa salada de deuses e deusas que, às vezes, até disputavam entre si, semelhantes aos mortais. Igual aos conflitos e disputas humanas, por poder, por riquezas, por títulos, pela fama etc.. Passou-se o tempo e a humanidade aprendeu que nunca existiram Zeus, Hades (seu irmão do mal, que tinha o domínio das profundezas da terra), Atenas, Afrodite, Era (na mitologia grega, esposa do supremo Zeus), nem Júpiter, Netuno, Diana, Dionísio, Eros etc. etc., mitologia romana. Nem os deuses das mitologias egípcia e fenícia, de modo que tudo não passava de quimera e mais quimeras que se transmitiam pela tradição dos ancestrais. Tudo não passava de invenção da mente dos antigos povos – dos mais velhos – procurando, sem sucesso, entender os fenômenos e forças da Natureza e eventos da vida da humanidade não compreendidos pela mentalidade limitada dos seres humanos, que nunca saberão da infinitude do Universo e de Deus, o Criador Supremo. Na antiga civilização egípcia Horus, Isis e Osiris eram os deuses supremos que formava uma santíssima trindade e, hoje, porém, o Egito é um país adepto do islamismo – ou outras doutrinas modernas, como induísmo, por exemplo – de modo que o que um dia se propagou nunca correspondeu à verdade sobre um ser Supremo e Criador de todas as forças, seres e poderes, do núcleo da Terra até os confins do Universo. Sabe-se no presente que nenhum do deus do passado foi DEUS, SEM FIM, nem jamais será. Tudo e todos não passarão de fantasias e dogmas transmitidos, à força, dos mais antigos para os mais velhos.

Séculos após séculos, depois de incontáveis gerações, os hebreus – alguns mais iluminados –, que foram escravos de romanos, gregos, egípcios, babilônicos e outros impérios, percebiam que as crenças destes, seus rituais e deuses não passavam de utopias, que não tinha nada haver com uma verdadeira ordem e criação universais que submetia a tudo e a todos, dos faraós do Egito aos imperadores romanos, dos deuses fictícios aos seres humanos. Sem cessar, como o advento das enfermidades e da morte para todos, entre outros eventos indesejáveis, mas inevitáveis, como a queda de ídolos, a lepra para reis, príncipes, imperadores e generais, a perda de riquezas e a decadência do poder, bem como a morte de seus descendentes.

Daí, os hebreus fundaram o antigo judaísmo – com a luta de Judá Ben Hur -, após opor-se ao politeísmo romano, já que os descendentes de Judá só acreditam em um Deus que detêm todo o poder universal, de modo que não se divide em um deus pai, um deus filho e um deus espírito santo, o que já é um politeísmo camuflado. Depois vem o cristianismo, copiando ideais do judaísmo mas, diferente deste, alegando que o messias dos cristãos era Yechua (Jesus), o qual iria lutar contra demônios ou coisas que o valha e proteger os cristãos, desde que puros, além de contar com os mais diversos santos católicos da igreja romana (ex-papas nomeados santos). Mais adiante, por volta de 622 d. c. vem mais uma doutrina religiosa que não tem Jesus como profeta – muito menos como salvador da humanidade – e que acredita em um profeta iluminado que é Maomé e não admite a divindade de qualquer outro ser de uma dimensão celestial, tendo como divino apenas ao Criador Eterno (que em árabe é Allá).

Mas, desta forma, fantasias sucederão a fantasias, então como buscar, encontrar e entender, em parte, o DEUS de toda CRIAÇÃO ORIGINAL? Como os chineses e outros povos e monges vivem há milênios sem precisarem de um sistema de crenças e cultos de santos, anjos, deuses, deusas, santas, semideuses – como Hércules, Teseu e Aquiles na mitologia grega? Como explicar o porquê que o Taoísmo, uma das mais antigas e admiráveis doutrinas filosóficas da China Antiga não precisa recorrer a tantas invenções ou formatações de ideais para demonstrar e saber da presença e existência de um SER SOBERANO, que é o Único, sem pares nem opositores, uma vez que foi Ele quem criou a tudo e a todos que vivem e se movem – ou não – no insondável, indizível e imensurável Universo. Até que ponto os mitos, engodos e quimeras dos povos antigos conduziram a humanidade, até o dias atuais, sem que esta descobrisse ao certo o que é verdade e quais são as mentiras ou ilusões? De fato existe um deus do bem pelejando contra um deus do mal, sem cessar, em planos transcendentais, até uma batalha final? Caso isto fosse verdade então podemos concluir que o deus do bem não é todo poderoso, pois ele deveria apenas vencer o deus do mal, sem ser preciso lutar com este, já que viver com pelejas, disputas e guerras é, cremos, uma condição da natureza humana, e não divina, porque um SER ONIPOTENTE tudo pode, logo não precisa lutar e apenas vencer; sem ser preciso pelejar. Não seria de bom senso perceber que DEUS, SEM FIM, não se presta a contendas e disputas, por isto se tratar de ambições, desejos, inspirações humanas?

Infelizmente, ou felizmente, nem tudo que o espírito humano deseja ocorre conforme as paixões, buscas ou ambições terrenas, desta forma levando a humanidade, apenas uma porção dela, a imaginar e deduzir que para o que é bom há uma divindade realizando, assim como para o que ruim – aos que tem seus desejos frustrados ou contrariados – tem-se uma divindade má. Se assim for, talvez esta uma das maiores controvérsias da História da Humanidade. É claro que não são todos os povos que pensam assim, nem nunca será.

Na sabedoria oriental, de centenas de anos anteriores ao cristianismo, as civilizações perceberam que o Universo era regido por forças diferentes, ou opostas, mas não adversárias ou inimigas. Já sabiam os monges e populações da China, da Mongólia, do Nepal, do Tibé, do Himaláia etc. que o fogo e a água são vitais; a luz e a escuridão têm serventia; a humidade e o seco são prestativos; o amor e o ódio – contra a coisa certa e na medida certa – pode nos servir; a vida e a morte têm lugar e utilidade certa no Universo; a guerra e a paz têm inúmeras servidões. Todas estas forças, seres ou poderes têm uma contribuição para a lógica universal e natural (desde que manifestados, buscados ou usados com sensatez e equilíbrio, sem demasias), conforme as necessidades humanas ou as manifestações da Natureza, ainda que não percebidas por muitos. A água que hidrata, deixa úmido e vivifica também é a mesma água que açoita, afoga, arrasta, destrói, como força da natureza, tudo que encontrar em seu caminho, nos dias de tempestades. O fogo que nos aquece, produz a luz que nos ilumina na escuridão, amolece nossos alimentos, proporciona a produção do vapor etc. é o mesmo fogo que causa incêndios mortais, destruição e carbonização de homens, animais e vegetais, sem exceção. Da mesma forma, a linda luz do Sol, ou outra fonte de luz artificial, que nos ilumina as ações e o caminho, quando concentradas, como a luz do maçarico ou do laser, no causa a cegueira. Certamente é a paz uma condição espiritual das mais desejáveis para os seres humanos, porém muitas vezes é a guerra quem serve de travessia para se alcançar a paz, como foi o caso dos combates ocorridos na Revolução Francesa, a qual fez decair por terra a violência, a exploração e os abusos da nobreza e dos sacerdotes (católicos), do Estado e da igreja. Quando a Alemanha invadiu, prendeu, torturou e matou judeus, poloneses, comunistas, socialistas, ciganos etc., foi graças à guerra que o Exército Russo promoveu contra os nazistas, que a Europa e Ásia puderam ver a queda do Exército alemão, o fim do extermínio de milhões de seres humanos e paz dos países ameaçados pelos países do eixo (Alemanha, Japão e Itália), daí uma demonstração que a guerra também tem sua utilidade. Na mesma linha de raciocínio, enfatizamos que a vida é uma dádiva, contudo será que se as pessoas nascessem sem que ninguém falecesse, desde o princípio da raça humana a Terra ainda tinha espaço para os bilhões, ou trilhões, de seres humanos? Será que ainda haveria terras para construir, plantar, criar rebanhos, edificar instituições gigantescas? Teríamos água potável para toda a humanidade se ninguém tivesse morrido até os dias atuais, ou a raça humana faltosa deste elemento vital já teria sido extinta por falta de água? E assim, sucessivamente, logicamente, naturalmente, vão se dando com tantas outras forças, elementos e fenômenos do Universo, que a vontade humana muitas vezes não compreende, nem apreende, nem pode modificar.

Vislumbrando estas realidades imperativas da natureza os orientais, os citados acima, passaram a entender que só temos, na verdade, um único ser detentor de TODO PODER, que arquitetou e construiu a tudo, ordenou o Universo, atribui poderes a Natureza Mãe etc. e deu origem à vida, contudo com o propósito – desconhecido pela razão humana – findá-la em um espaço de tempo. Sem haver um ser maligno para está guerreando com o SER SOBERANO, uma vez que só existe ele de TODO PODEROSO, sem ascendentes nem descendentes, maléficos ou benéficos. Ele, SUPREMO, geraria todas as forças e poderes, consoante a necessidade, entretanto com justiça e equilíbrio divinos, qualidades estas inapreensíveis pela razão dos seres humanos, pois são finitos e como tais não podem compreender um ser infinito e intangível. Há uma passagem no Antigo Testamento, livro de Isaias, cap. 45; 5-7, que nos parece ilustrar bem esta concepção oriental do CRIADOR ETERNO, que tem poderes para originar a todos os outros poderes, quando diz:

Eu sou Javé, e não existe outro; fora de mim não existe deus algum. Eu armei você, ainda que você não me conheça, para que fiquem sabendo desde o nascer do sol até o poente, que fora de mim não existe nenhum outro. Eu sou Javé, e não existe outro: eu formo a luz e crio as trevas; sou o autor da paz e crio a guerra. Eu, Javé, faço todas essas coisas. (Lv. de Isaias, Antigo Testamento).

Esta afirmativa, de inspiração divina – já que alegam que toda narrativa bíblica tem origem na Providência Divina – deveria ser suficiente para refutar qualquer imposição das ideias que impõem a atividade e presença de dois deuses que vivem guerreando sem cessar, um bom e outro ruim.

Analisando por uma visão filosófica e, porque não, teológica, determinadas ideias dos antigos podemos inferir que, possivelmente, a invenção de dois deuses que estão sempre se debatendo deva-se ao fato de ser declarado que “no princípio da criação Deus tenha separado a luz da escuridão, tendo Ele visto de a luz era boa”. Mas tal afirmativa gera controvérsias. No livro de Gêneses capítulo 1, versículo 3-5 está registrado: Então Deus disse: “Que exista luz. E a luz começou a existir. Deus viu que a luz era boa. E Deus separou a luz das trevas: à luz Deus chamou de “dia”, e às trevas chamou de “noite””. Esta narrativa bíblica põe por água abaixo o princípio da onisciência divina, uma vez que Deus só foi perceber que a luz era boa quando Ele a fez na do trecho que diz: “Deus viu que a luz era boa”. Isto vai implicar dizer que Deus não sabia que a luz era boa antes de gera-la. Ele não sabia da bondade da luz antes dela existir. Outra visão sobre esta redação da Bíblia é que Deus teria separado a luz da escuridão, mas no texto bíblico o CRIADOR SUPREMO – aquele que realmente é onisciente – Ele não diz que a escuridão, a noite, ou “trevas”, é ruim. Tal imputação, certamente, foi feita pelos homens primitivos. Naturalmente as coisas diferentes se separam como fogo e água, doce e amargo, o forte e o fraco, belo e feio, o salgado do aguado, luz e escuridão, a dor do prazer, a doença da saúde, o verão e o inverno, o princípio e o fim, a vida e a morte, a bondade da maldade se divorciam etc.. Porém isto não significa que estes fenômenos humanos, forças da natureza e elementos universais possuam um Deus diferente regendo tais poderes e formas da natureza e Divinas.

Muitos não se apercebam que da mesma forma que o dia e a luz têm suas benesses, a noite com a escuridão natural dela também tem. É durante a noite que a maior parte dos animais repousam, sobretudo os seres humanos, após seus dias de trabalho. Na escuridão da noite muitas formas de vida se caçam, pescam, alimentam-se, copulam, reproduzem, fazendo a vida prosperar e se realizar. É o caso das corujas, da cobra-cega, dos lobos, das raposas, dos morcegos, de alguns roedores, de alguns incestos e o próprio ser humano, com suas várias atividades noturnas. Então a noite ou a escuridão não é má. Os seres humanos, usando a noite como um véu negro, é quem procura se ocultar nas sombras para promoverem malefícios como roubo, furto, estupros, assassinatos, danos, incêndios, sabotagens e outras ruínas para uma parta da humanidade. A escuridão é neutra, inofensiva, como a arma que não dispara e a riqueza que não faz mal, tornando-se ferramentas bastante usadas pelos seres humanos perniciosos que podem utilizá-las uns para o bem e outros para o mal, como um carro que alguns usam para atropelar e matar seu semelhante, outros para socorrer seu próximo. Daí, os males que acontecem durante “as trevas” não tem origem no escuro, na ausência da luz, e sim no ardil, na malícia e na maldade da raça humana, apenas uma parte dela. Quem demonizou a noite, os morcegos, o sexo, a sabedoria da filosofia chamada de pagã, os curandeiros e curandeiras da Idade Medieva, as plantas medicinais, as forças da natureza entre outras coisas, certamente, ou possivelmente, do SUPREMO CRIADOR pouco contemplou, compreendeu e apreendeu.

Na visão do monismo teológico e filosófico só há um SER SOBERANO capaz e suficiente para gerar todas as forças, formas, seres e poderes, ainda que opostos, porém servíveis aos propósitos universais, mesmo que não compreendidos e apreendidos pela lógica e razão humanas, logo o surgimento das ideologias que acreditam haver uma divindade para cada coisa, o que é um equívoco, certamente. Este foi o caso da mitologia grega, que criou deuses, semideuses, monstros e demônios dos mais terríveis possíveis.

Na obra de Homero, “A odisseia”, pura mitologia, Odisseu ou Ulisses, precisou ir até o “porteiro do inferno” – no tártaro, região sombria dos condenados[3]– para que este, o porteiro, ensinasse qual o caminho para Odisseu voltar para sua amável esposa, seu reino, seu filho e a ilha de Ítaca, da qual se perdeu nos mares de Posêidon, em virtude de tê-lo ofendido. Interessante é que mesmo como mortal, apenas um homem, Odisseu vai até os domínios do mal, sem ser santo, anjo, semideus ou qualquer outra coisa. Assim é a mitologia grega – e outras mitologias, como a suméria: cheia de anjos, monstros, demônios e equivalentes. O minotauro, a medusa, o leão de Neméia, Cilas, Caribdes, lobo de várias cabeças (Cérbero, o guardião da entrada do inferno ou hades), monstros marinhos, ciclopes etc. são criações dos mitos gregos.  Semelhantemente, na Idade Média, a imaginação humana criou lobisomes, vampiros, zumbis, homens que se transformavam em morcegos, morcegos que se transformavam em demônios e vice-versa, na sombra da noite, daí demonizaram a escuridão com todos os seus elementos e fenômenos naturais, como se a cor escura ou o negro da noite fosse sinônimo de malefício. Não perceberam os criadores de dadas seitas ou religiões que o próprio Universo é escuro, desde o princípio, existindo apenas alguns pontos de luz aqui e ali, como nosso sistema sola. E, sendo DEUS onipresente, Ele está tanto presente na luz do dia como na escuridão da noite, sem cessar, já que tudo foi, e é, criação dele. Inclusive, pela escrita do primeiro livro do Antigo Testamento (Gen. 1:1-2), a escuridão já se fazia presente antes da luz. A questão é que as narrativas dos livros tidos, ou ditos, como sagrados vez ou outra está se contradizendo aqui e ali, como, por exemplo, uma ou outra ordem religiosa dizer que deus sabe de tudo pois é onisciente, porém deus sabe das consequências ou efeito das coisas quando acontece, e não antes dele mandar que se realize. Como se vê no livro de Gêneses, cap. 1: 9-10 a seguinte narrativa: “Deus disse: “Que as águas que estão debaixo do céu se ajuntem num só lugar e apareça o chão seco”. E assim se fez. E Deus chamou o chão seco de “terra”, e ao conjunto das águas de “mar”. E Deus viu que era bom.” Este texto –  igual a outros que estão postos no Antigo Testamento, sobres os quais não nos cabe debater aqui –  nos leva a filosofar e perceber que esse deus dos antigos povos (sem querer ofender a ninguém) só vai saber das coisas quando elas acontecem, desse modo acabando com o Princípio da Onisciência Divina. Muito embora, sem dúvida, exista um DEUS, um SOBERANO SER, que sabe de tudo, inclusive o que está por vir, o qual jamais será sondado, conhecido e compreendido em sua totalidade e infinitude.

Vale ressaltar que, no Ocidente, desde as nações mais antigas os homens mais ilustres e inteligentes procuraram sondar, conhecer e apreender o princípio motor de todas as coisas da natureza, o gerador de todas as forças universais ou a causa primeira de todas as forças, começando pelos filósofos da natureza, contudo o Deus da Criação, SEM FIM, nunca se deu a conhecer, em sua plenitude e totalidade por ninguém, desde então. Inferência esta que teólogos, filósofos, antropólogos e filólogos, exotéricos, místicos e magos, videntes e visionários, assim tantos outros seres humanos, de bom senso, admitem ser verdadeira, uma vez que a grandeza, o conteúdo, o poder e a sabedoria da Providência Divina, que são infinitos, não se comporta na finita humanidade, pois é limitada, mensurada, quantificada, enfim, tem fim; crer-se assim até os dias de hoje.

Considerado o pai da metafísica, Aristóteles já afirmava que os filósofos foram os primeiros a teologizarem. Isto porque as concepções a respeito de uma inteligência e sabedoria supremas teriam sido refletidas e discutidas pela filosofia, ciência e saber capaz de penetrar a tantos outros saberes, numa época onde nem se quer se ouvia falar em teologia. Também nos disse Aristóteles, que “a filosofia era a mãe de todas as ciências”. E com isto concordamos, mas não trataremos desta afirmação aqui para não nos divorciarmos da temática principal.

Xenófanes de Colofon, Anaximandro de Mileto, Pitágoras de Samos, Anaxímenes de Mileto, Parmênides de Eléia, Heráclito de Éfeso, Empédocles de Agrimento, Anaxágoras de Clazômenes, Demócrito de Abdera, uns nominados de filósofos da natureza, outros denominados pré-socráticos, todos buscaram entender determinadas causas e consequências; ações e reações; princípio e fim de muitas coisas ou eventos naturais e humanos, conhecer o princípio motor de todas as coisas, não obtendo respostas concretas sobre as mais diversas realidades do Universo e da natureza. E das várias afirmações que fizeram o passar do tempo e a evolução das ciências trataram de provar que estavam enganados. Da mesma forma, a teologia e a mitologia cometeram equívocos e construíram quimeras que o tempo e a inteligência humana estão descortinando. Nenhum dos deuses das mitologias dos gregos, romanos, nórdicos, sumérios... nunca existiram, agiram ou tiveram poder, a não ser nas fantasias das mentes dos escribas e sacerdotes do passado. Nem os do bem, nem os do mal. Mesmo que tenhamos seres humanos de grandes bondades, bem como homens de grandes perversidades.

Mas o fato da humanidade ter homens de bem, bons, generosos, de amor e caridade e homens maus, injustos, desumanos, não significa que tenhamos dois deuses com naturezas opostas e adversários a nível universal e transcendental. Esta disputa de duas forças e seres distintos, acreditamos, ocorre nos domínios humanos, pelas mais diversas razões, como, por exemplo,  o grau de evolução emocional, espiritual e mental de cada homem e mulher; herança de características fisiológicas, psicológicas e culturais dos nossos ancestrais;  desenvolvimento moral e educacional transmitidos pelas gerações ascendentes de cada povo, família, “tribo”, população etc. etc. Felizmente, os homens de bem e bons não gostam de seres humanos perversos. Criaturas do CRIADOR SUPREMO, que praticam a justiça, a caridade, a concórdia, a paz etc., não gostam – ou não tem afinidade – com quem promove injustiças, tormentos, crueldades, levando a ruína, a dor e a infelicidade de outros semelhantes seus, ou próximos, todos filhos do SER SOBERANO. Mesmo assim, não temos que concluir que o fato de haver conflitos e “guerras” entre a espécie humana, em virtude da dualidade antagônica dos mortais, existam combates entre um senhor do bem e outro do mal. O dia não peleja contra a noite; a água não tem guerras contra o fogo; a luz não “vive” se digladiando com a escuridão; o doce não peleja com o amargo; a lua não tem querelas com o Sol, o verão nem de debate contra o inverno, o princípio não tem desavenças com o fim... a vida não se embate com a morte, pois simplesmente existem que qual terá suas vez, sem nas lógicas incompreensíveis, muitas vezes pela lógica humana. Forças, saberes e poderes divinos estão postos, são opostos, porém não são adversários mortais, nem nunca foram, a não ser nas conjecturas ou presunções de algumas mitologias, religiões e teologias. Mesmo que as ambições da humanidade – em algumas doutrinas religiosas – aleguem que haja um “inimigo de Deus que veio para matar, roubar e destruir”, os ouvintes desavisados, desorientados, não devem esquecer que a morte é uma causa natural desde o princípio da vida e das criações, pois o coelho inocente e ingênuo; o homem que pensa; a flor que encanta; a estrela que adorna, o leão voraz e feroz que aterroriza as selvas, os frutos que nos alimentam terão como fim a morte ou a decomposição, atendendo a leis divinas e universais. Logo, acontece a morte não pela existência, presença e potência de demônios ou deuses malignos – que alguns dizem que neste mundo estão presentes, lutando por conquistas – e sim por uma ordem e poder imutável submetido à Providência Divina. O que as seitas, religiões e sacerdotes não perceberam, porque não aprenderam e apreenderam, é que tudo, ou quase tudo, está designado ao “fim”, exceto SEM FIM. De modo que inteligência humana não sabe o porquê os homens culpado e os inocentes irão padecer; da mesma forma a bela flor que desabrocha; assim como uma pomba dócil e amável irá se findar; a serpente peçonhenta e ardil terá um fim; a hiena carnívora e o cervo herbívoro irão consumir, tudo se sujeitando – independente de culpa, credo e religião, pois os animais, as flores, os frutos também nascem, murcham, morrem – a uma constante ou eterna renovação, formação, transformação, princípios e fins.

Com ganância pelo poder e o domínio de tudo, nos mitos gregos, pais e filhos (suas criações) sempre viveram de lutas, como os mortais, onde Urano e derrotado pelo seu filho Cronos; este e desafiado, combatido e vencido por seu filho que é Zeus, o qual é desafiado e luta contra um temível demônio que é Tífon, filho destes anteriores. Nos mitos da Grécia Antiga deuses, semideuses, demônios e monstros estavam sempre em discórdias e embates pela glória e supremacia, semelhantes aos dogmas das doutrinas das religiões que tradição ocidental mentalizou, como, por exemplo, a doutrina do catolicismo, com suas ramificações.

Na terra, a luta não havia terminado. Para se tornar definitivamente o soberano dos deuses e dos homens, Zeus ainda precisava combater um terrível demônio, Tífon, que era o filho mais moço de Gaia. (POUZADOUX, 2001, p. 29).

Pouzadoux, tratando no seu livro apenas sobre os mitos gregos da antiguidade, ainda nos afirma: “Como tinha vencido graças a seus irmãos Hades e Posêidon, Zeus partilhou com eles o domínio do mundo”. Ao que tudo indica, embebidos nos contos e lendas gregos, judaicos, romanos, germânicos, egípcios, babilônicos etc., os povos do Ocidente são muito mais filhos de Zeus (o olimpiano) do que de DEUS, o SER SOBERANO que nunca declina. O único que há, sem pares, sem adversários, sem lutas, sem contos nem ilusões.  

A Filosofia e os filósofos sabem que Sócrates, um dos mais notáveis filósofos antigos, já afirmava a crença em um Deus que emanou todos os poderes e a existência de uma consciência – de origem divina que o alertava sobre o que bom ou não fazer. Esta voz da consciência chamava-se de deimon. De forma que não era preciso haver um deus do mal conduzindo ou empurrando os homens para práticas maléficas.

Sócrates deu a toda sua obra um caráter religioso. Considerava o filosofar como uma missão divina, uma missão que lhe foi confiada pela divindade. Falava de um deimon, de uma voz divina que o aconselhava em todos os momentos decisivos da vida e o impelia a fazer certas coisas e a não fazer outras. Esse deimon foi, mais frequentemente, interpretado como a foz da consciência, autoridade moral que ressoa na intimidade da pessoa. Mas isso é, certamente, mais que um imperativo moral, mais que a simples voz da consciência: é o sentimento daquilo que excede ao homem, é o guia transcendente e divino da conduta humana. O daimon é conceito religioso, não simplesmente moral. Certamente, Sócrates ultrapassara as crenças religiosas antropomórficas dos gregos, que já Xenofonte criticara. (STRENGER, 1988, p. 56).

Pelo visto, somos levados a acreditar que os contos, lendas e criações mentais das batalhas dos deuses de todas as mitologias passaram para as ordens monásticas como se fossem uma verdade real e universal, ainda que nunca tenham sido, pois até mesmo a vida e a morte, o princípio e o fim de todos os viventes – inclusive dos que são inocentes (os coelhos que saltam na primavera, o sanhaçu que canta e encanta, o réptil que rasteja, o leão que rugi e devora, a flor que perfuma, a formiga que trabalha) – são propósitos do SENHOR DA CRIAÇÃO, que está para além e fora de toda religião, uma vez que é insondável e indizível em toda sua potência, grandeza, mistério, magia, encantos e segredos. Basta o homem filosofar e se questionar se é sabido quantos peixes nadam no mar; quantas formas de vida vivem nas profundezas da terra; quantos astros ou corpos estão suspensos no ar.

É uma pena, pois mesmo tendo se passado mais de 3.000 anos da existência dos mitos e ilusões da sociedade grega, a principal matriz da mentalidade ou cultura ocidental, a Europa e as Américas continuam crentes que há uma disputa sem fim entre deuses do bem e do mal, entre homens bons e ruins, da luz contra a escuridão, muito embora este tipo de conflito ocorra nos domínios humanos, já que quem realiza ações benevolentes ou maledicentes, construtivas ou destrutivas, boas ou más são os espíritos humanos. Isto conforme suas paixões, seus valores, suas inclinações, suas virtudes ou seus vícios, ou, ainda, seu conhecimento ou ignorância, enfim seu grau de evolução mental, emocional, moral ou espiritual.

De qualquer forma, hoje - e há muito tempo - os filósofos, os cientistas, os historiadores, os antropólogos e aqueles que pensam um pouco mais sabem que foram os homens quem criaram os deuses conforme a imagem e semelhança dos homens, e não o contrário. Sabemos hoje que a poesia inventou os deuses, seja por meio da "Odisséia" (de Homero), seja através da Teogonia (de Hesíodo), os dois maiores poetas gregos que já existiram, os quais criaram modelos do ser humano e do ser divino; noções do sagrado, do profano e do divino, idealizaram visões de mundo e da criação, idealizações estas que vão servi de "bebedouro" para a religião e algumas teologias ocidentais. E assim as fantasias dos antigos (datadas de 1.600 a 1.100 antes do cristianismo, aproximadamente) acabou se transformando, na mente humana das gerações seguintes, graças à igreja e à religião, em verdades sólidas, mesmo sem serem. O inferno, o demônio, as criaturas infernais e outras ilusões ignaras tornaram-se obras da criação divina, pois Deus teria criado um ser capaz de pelejar com Ele, e causar medo e desespero à sua Criação, na mentalidade das nossas civilizações. Ideia esta que dá para escrevermos, quem sabe, um livro, mas não trataremos disto aqui. 

Certamente, em virtude do processo de evolução, ou involução, da raça humana é mister repensar ou filosofar sobre a criação e o Criador, as palavras com seus significados, os ícones disseminados – sobretudo das mitologias e ideologias greco-romanas, que recaíram sobre o Ocidente – as quimeras sedimentadas, os costumes do antigos etc., a fim de encontrar ou alcançar verdades e valores universais lúcidos, iluminados e salutares para todos, que sirvam para instruir, educar, orientar e libertar os indivíduos, sem opressão, sem pressão, sem prisão desta ou daquela ilusão, a tanto tempo proposta, imposta e enraizada.

Quem sabe quando a Filosofia, a História, a Antropologia e a Filologia forem mais procuradas e estudadas, compreendidas também, pelas massas, ignoradas e “ignaras”, as teologias e alegorias das civilizações mais remotas sejam deixadas no seu devido lugar, e uma renovada, verdadeira e melhor compreensão da vida, do Universo, das criaturas e de Deus, venha a se edificar. E, desta forma, a humanidade venha a viver com mais paz, sem medo, sem desesperos, vem virtude da descoberta que nunca houve um deus do mal, nem haverá, muito poderoso – tanto quanto o Soberano, já que algumas religiões vivem apavoradas de temor, pela crença na existência e presença de um demônio –, esperando para causar dor e sofrimentos eternos às criaturas do SEM FIM, aquele que tudo pode, e sempre poderá, desde então.

Referências Bibliográficas

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[1] De modo analógico as doutrinas do catolicismo, acredita-se, “santificaram” homens e mulheres, já mortos, intitulando-os de santos e santas, atribuindo a eles poderes especiais e capacidade de dialogar ou se comunicar diretamente com DEUS, o único de poder verdadeiro e infalível, como faziam os semideuses no politeísmo das crenças da Antiga Grécia.

[2] Por séculos, a igreja romana prendeu, açoitou, torturou e matou árabes e judeus, sobretudo no advento das chamadas “guerras santas” – que de santidade não teve nada – de forma que cruzados cristãos procuraram impor o deus dos cristãos quase que sem chances de reação para os opositores de outras crenças e doutrinas filosóficas e teológicas, num período de mil anos. Só tendo fim com a vinda – iluminada e grandiosa – da filosofia dos iluministas ingleses e franceses.

[3] É de se observar que no credo da igreja católica, uma parte do enunciado diz que Yechua (...) “desceu à mansão dos mortos e ressuscitou no terceiro dia (...). Odisseu, nos contos da Grécia Antiga, teria descido também até a “mansão dos mortos”, inclusive encontrando o espírito de sua amada mãe que havia se suicidado no mar de Ítaca, após esperar seu filho e rei amado por mais de 10 longos anos, sem sucesso.