O imperativo "pense, mas obedeça" pode, numa primeira vista, transmitir uma contradição entre a libertação intelectual tão pregada pelo Iluminismo e a negação do direito à resistência, na filosofia política de Immanuel Kant. Entretanto, mesmo de forma ambígua, o autor fundamenta a obediência às leis numa longa construção teórica acerca da Moral como base da individualidade, das interações sociais e da constituição da sociedade política, e como fundamento para um horizonte histórico progressista. E portanto, sua Ética, entendida como um corpo de instituições simbólicas que estruturam a sociabilidade, se funde com o seu pensamento moral.

Este se baseia nas ideias de Liberdade e Dignidade Humana, as quais ele chegou a partir de uma crítica - influenciado pelo Criticismo de David Hume - à Razão Teórica. A começar pela tripartição dos juízos, o filósofo alemão argumenta que a construção do conhecimento científico se dá pela articulação entre intuição e experiência, e portanto, não apenas através do fenômeno perceptivo, mas ativamente pelo despender de todo o ser racional. O mundo que conhecemos é o mundo que percebemos e entendemos, segundo as formas puras de intuição (espaço e tempo) e categorias (necessidade e causalidade). E, esta transição do mundo como dado para o espontâneo conduz a uma precedência da ação sobre a contemplação, da razão prática sobre a teórica, da liberdade sobre a natureza.

A impossibilidade de conhecer o mundo como ele objetivamente é torna ilusória qualquer distinção entre os homens baseada na posse do conhecimento metafísico (nisto Kant foi muito influenciado por Jean-Jacques Rousseau). A razão prática é democrática, na medida em que permite que todos os homens igualmente cheguem à verdade que ele considera ser a mais profunda, que é a Moral. Esta, em oposição as teias das causalidades naturais, expressa a liberdade natural e radical dos homens para se esclarecerem, e não aceita outra lei senão a imposta por si mesma.

A única coisa boa no mundo é a boa vontade, ou boa intenção; aquela que independe da realização ou não de seus fins. E o homem moral deve agir segundo esta boa vontade. Dever que implica ação não por coerção, mas por respeito em si a autoridade que o instituiu. Desta maneira, se é da liberdade de legislar que vem a lei, o homem moral a obedece em respeito a própria liberdade, e portanto, de boa vontade. Esta é uma das muitas implicações políticas de sua ética, que pode talvez, parcialmente, clarificar a questão da obediência à lei injusta: o homem moral a obedece de boa vontade dada a autoridade da legislação, não por sua força coercitiva, mas por respeito ao fim em si da lei que é salvaguardar a sociabilidade. Logo, os homens, também não podem ser discriminados quanto a moralidade, tendo em vista que todos são morais, mesmo em diferentes graus, e todos têm a liberdade para agir com boa vontade; portanto, todos os homens são iguais. Outro empreendimento político de Kant é de defender que, a humilhação, a exploração e o despotismo de uns sobre os outros são uma ofensa à liberdade e igualdade do homem.

Mesmo que alguns homens não cumpram com o seu dever moral, não se tornam indignos de desfrutar dos direitos que são concernentes a humanidade. Ser humano é ser digno; e a moralidade implica que todos devem ser considerados iguais e respeitáveis por serem humanos, em si. Logo, nenhum homem pode ser tratado - nem por si mesmo - como um meio, mas somente como um fim em si mesmo. 

O que tem suas implicações não somente na ação individual e na interação entre os homens, mas sobretudo na liberdade do governante legislar e conduzir a sociedade política. Visando solucionar este impasse entre os egos, Kant elabora o Imperativo Categórico, um princípio universal para regulamento das ações: questionar, antes de agir, se a máxima que orienta a ação pode se converter numa lei universal que guiará as ações de todos os homens, sem causar dano. Observa-se que, primeiramente, há uma rejeição à orientação da ação segundo interesses utilitaristas; depois, expressa a autonomia de uma vontade que estabelece sua lei a si; por fim, o entrelaçamento dos fins dos homens. Um adendo à questão da obediência à lei injusta, é que aplicando o princípio da universalidade, a desobediência levará à anarquia.

Portanto, o dever aponta para a ordem e a comunidade. Com a moral estruturando as relações sociais em laços de reciprocidade, elas se adequam; as instituições são aperfeiçoadas: o esclarecimento se dá paralelamente à queda do despotismo, ao surgimento de lideranças políticas que livremente, conhecendo as necessidades de seus súditos, legislam leis segundo a boa vontade; com a universalização da nova moral, as tensões entre as sociedades somem, progredindo em direção à paz perpétua.

Conclui-se que em Kant a transformação moral pelo esclarecimento, levará a formação dos cidadãos cosmopolitas. É com otimismo que ele vê a disseminação dos ideais "Liberté, Égalité, Fraternité" da Revolução Francesa, embora pondere que estavam muito distantes da república das repúblicas.