O que é filosofia, eis uma pergunta que por melhor que seja o próprio questionador, este terá dificuldades em respondê-la. De fato, perguntar o significado da filosofia já é um ato filosófico, todavia, devido aos diferentes modos de fazer filosofia, a resposta àquela pergunta se torna complexa para explicações. Comte-Sponville (2005) afirma que para se achar alguma resposta, deve-se pelo modo aristotélico de pensar, isto é, procurar o "gênero próximo" e a "diferença específica". Ele deixa claro que a etimologia não nos dá uma resposta suficiente, por mais que não se possa negar que philosofia tenha como significado amizade, amor ou busca pela sabedoria, mesmo sabendo que até o século XVIII, filosofia indicava um conjunto de saber estruturalmente racional pois, como o pensador mesmo afirma "nem todo saber, mesmo racional, é filosófico" Comte-Sponville (2005), a exemplo disso podemos citar Sócrates, Diógenes e entre outros. Mas uma coisa todos esses exemplos tem em comum, além de não terem escrito alguma coisa: discurso racional e razoável. Para tanto, o objetivo desse texto é demonstrar a definição de filosofia na ótica do filósofo francês André Comte-Sponville.

     Se pensarmos a filosofia como ato racional e razoável, podemos, então, de acordo com Comte-Sponville, inseri-la no mesmo âmbito das matemáticas, biologia, jornalismos ou de uma investigação policial, além disso, encontrar-se-á problema para especificá-la. Não podemos afirmar que é a busca pela verdade porque vários outros ramos não filosóficos, tais como os investigativos policiais, encontram verdades; não é a busca de alguma verdade que engloba o Todo, tal como Descartes fez porque seria demasiadamente metafísico, assim excluindo a abstração. Para o pensador poderia ser, em partes, pela abstração pois, para ele

Filosofia se faz com palavras, mas com palavras que frequentemente designam ideias gerais, noções, conceitos. Faz-se com raciocínios, mas que tendem a uma verdade necessária ou universal, e não ao estabelecimento de um fato contingente ou de uma verdade singular. Comte-Sponville (2005, p.11)     

     Com a intenção de demonstrar que a abstração também faz parte das características que formam o conceito terminológico de filosofia, ele exemplifica Montaigne e suas ideias ou interrogações gerais, pois, o principal escopo em suas pesquisas é sobre a generalidade da humanidade. Por ser algo generalizado, então podemos incluir seus estudos no âmbito da filosofia. Assim, para o Comte-Sponville (2005), mesmo que tenhamos a intenção de encontrar algo concreto, devemos, por obrigação, abstrair. Se a abstração se faz no corpo do conceito de filosofia, podemos afirma que, além de uma prática razoável e discursiva, a filosofia também pode ser identificada como uma "prática teórica, isto é, indissoluvelmente abstrata, quanto aos seus objetos, e geral, se não universal, quanto aos seus resultados". Portanto, como a generalidade é um dos objetos da filosofia, então, ela não pertence a alguém, como não tem um proprietário, todos a partir da razão e da abstração são capazes de filosofar.

     Na filosofia, quando se faz uma obra com uma ideia geral e simultaneamente singular e universal, gera-se um conceito. Mas não podemos iludir-se com a filosofia em relação à sua capacidade de conceituar pois, não só é possível filosofar sem conceituar, como também, pode-se conceituar sem filosofar, assim, desenvolver conceitos não é a principal tarefa do trabalho filosófico, mas uma parte importante dela. Assim, a filosofia não é somente uma prática teórica, é também conceitual.

     A definição de uma prática discursiva, razoável e conceitual à filosofia ainda não é bastante porque se encontrará, ainda, no mesmo âmbito da matemática ou biologia. Todavia, se partir de uma ponto de vista que a filosofia é uma prática teórica não científica, ou seja, que "uma filosofia não é logicamente demonstrável (à diferença da matemática) e nem empiricamente refutável (à diferença das ciências experimentais) (2005:16), então, ela não só estará submetida somente à razão, mas também à experiencia, tendo como seu escopo o Todo, que é o objeto da metafísica, e o homem, que é objeto da antropologia e ciências do homem, e assim, ter-se-ia uma resposta possível não dogmática sobre a definição da filosofia.

     A determinação da totalidade das coisas sempre foi uma problema para filosofia por mais de 25 séculos, todas as tentativas de fazê-la, fadou-se ao fracasso, assim ocorreu com Kant, que mudou o conceito de metafísica, e com os neopositivistas, que tentaram substituí-la por outra categoria, que é análise lógica. Com isso, para Sponville (2005), "toda metafísica dogmática promete mais do que aquilo que ela pode dar. E toda renúncia à metafísica não dará em nada".

     Sobre o homem e sua essência, desde Sócrates a filosofia procura o princípio que distingue o homem dos outros animais, bem como sua definição, todavia, nos séculos 19 e 20, essa busca deixou de ser somente da filosofia, as ciências humanas, tais como a sociologia, psicologia, a linguística, começou a fazê-la. E isso não é ruim para filosofia pois, são novos modos de refletir o problema. De fato, são muitas definições sobre o homem e há muito o que fazer para se achar uma definição que generalize, enquanto não resolver, será problema da filosofia procurar respostas, portanto, para Comte-Sponville (2005) "Filosofar é pensar de preferência a conhecer, questionar de preferência a explicar. A filosofia não é um saber a mais; é uma reflexão sobre os saberes disponíveis".


REFERÊNCIA

  • COMTE-SPONVILLE, A. A filosofia. Trad. Joana Angélica. São Paulo: Martins Fontes, 2005 ? (Coleção mesmo que o céu não exista)