Uma boneca no lixo!


                            Os olhos bem arregalados piscavam, piscavam, a fim de enxergar melhor pra ter certeza de que não estava enganada. Mas era mesmo uma boneca de louça, e das grandes! Então a menina que estava  pendurada junto a janela não teve mais dúvidas. Pulou da cadeira, abriu rapidamente a porta e saiu em desabalada carreira em direção à lata que estava na beira da calçada em frente à casa vizinha, aguardando a chegada do caminhão  do lixo. Não pensou duas vezes. Quase sem acreditar no que via, rapidamente pegou a boneca que estava bem à vista sobre o lixo e correndo feito uma louquinha voltou para a sua casa, batendo a porta atrás de si.

Seu coração batia forte como nunca, cheio de emoção. Era realmente uma linda boneca, daquelas que hoje não existem mais, com cabeça, braços e pernas de louça que se mexiam como se fossem de um bebê de verdade. O tronco tinha enchimento de fibra vegetal onde ficava presa uma mola, que virada a boneca de cabeça pra baixo, emitia um som de choro. E mais: os lindos olhos azuis com cílios enormes,  abriam e fechavam.

A menina nunca tivera uma boneca daquelas, porque custava muito caro. Mas uma triste descoberta fez esmorecer a sua repentina felicidade. É que na empolgação, ela não tinha se dado conta de que por trás da linda face da boneca, havia apenas um buraco vazio. Seu crânio de louça, com alguma pancada havia sido quebrado. Mesmo assim ela não desistiu do brinquedo e ainda delirando de alegria foi mostrar a todos a boneca, que só podia ter sido de Vandeci, a filha da vizinha, que a jogou no lixo por ter se quebrado.

Então sua tia Alba, costureira muito habilidosa, logo encontrou uma solução para a boneca quebrada, que no dia seguinte já estava totalmente restaurada, com uma bola de meia colada dentro da cabeça ôca, que foi coberta com uma bonita cabeleira caindo sobre os ombros, feita com fibras de barriguda, uma espécie de lã vegetal, sabe-se lá aonde ela arranjou isso. E a boneca ficou linda, linda!

Não cabendo em si de tanto contentamento, ainda pôs na boneca o nome de Vandeci, a antiga dona. E à tarde foi se sentar exatamente no batente da porta da rua, exibindo a sua nova e linda boneca loira no colo. Mas não podia ter feito coisa pior. Não demorou muito e lá vinha a tal menina caminhando pela calçada junto com a mãe. Quando a viram, apesar da transformação o reconhecimento foi imediato, já que nem o vestido nem os sapatinhos foram trocados. E a tal menina botou a boca no mundo, gritando:

- Essa menina está com a minha boneca! Essa boneca é minha! Me dá a minha boneca! Você pegou a minha bonequinhaaa!

A menina correu pra dentro de casa apavorada, com o coração aos pulos. Fechou a porta com força, correu para o quarto, enfiou a boneca dentro do guarda-roupa e pôs-se a chorar. Mas logo bateram com insistência à porta da casa. Eram as duas. A mãe  reivindicava direitos sobre a boneca da filha, que ela mesma havia jogado fora. A filha chorava e gritava dizendo que agora queria a boneca, que era dela.

E por mais que a mãe de quem achou a boneca, tenha tentado explicar a outra mãe o que nem havia o que ser explicado, em nome da sensatez e da boa educação e ainda para evitar um mal estar entre vizinhos, lá se foi embora a boneca, nos braços de quem a tinha jogado fora.

A menina ficou triste, muito triste e chorou muito. Dois dias depois ganhou de presente uma boneca nova, maior e mais bonita, mas nunca, nunca mesmo, se esqueceu de Vandeci, sua linda boneca loira, que louca de alegria ela retirou com tanto amor, da lata do lixo.

 

Autora: Júnia - 2007