Esta crônica é apenas uma simulação do que poderia ter acontecido, ou poderá acontecer durante uma trágica viagem aérea, em circunstâncias idênticas às do vôo 447 da Air France no Brasil, há alguns meses. É fruto de imaginação e "qualquer semelhança é mera coincidência".
  • UM VÔO SEM VOLTA

    Vôo internacional. São vinte e tres horas e todos bem acomodados aguardam uma noite tranqüila para aquela longa viagem. Alguns já dormem. De repente todos os problemas e tantos sonhos se reduzem a nada, e o tempo passa a correr vertiginosamente a partir das seguidas mensagens transmitidas nervosamente em várias línguas, pela tripulação. São instruções extremas passadas rapidamente aos passageiros, enquanto máscaras de oxigênio caem do teto, e em instantes as luzes se apagam.
    Alguém tenta dizer a quem está a seu lado: eu te amo, mas nunca tive coragem de te dizer isto! Um casal jovem se abraça fortemente e trocam o beijo mais longo de suas vidas, fugindo daquela realidade cruel, enquanto crianças se agarram histericamente aos pais. A voz sufocada de um senhor grisalho, sentindo-se como Jonas no barco, tenta se redimir confessando crimes cometidos e pede perdão aos céus naqueles últimos instantes. Em prantos alguém faz uma promessa dizendo que se desfaria de todos os seus bens em favor dos pobres, se conseguisse se salvar. Mulheres rezam freneticamente. Um ancião chorando, como se pudesse ser ouvido pede perdão a uma mulher que se encontra distante, por ter lhe causado tanto mal, e cada um na sua língua invoca o deus em quem confia. Indiferente a tudo, uma senhora tranquilamente sentada, com os olhos fechados e um leve sorriso nos lábios, canta baixinho: "mais perto quero estar meu Deus de ti". Nesses últimos momentos, todas aquelas vidas são revolvidas velozmente na memória de cada um, quando tudo ficou para trás e sentindo se aproximar o momento final. Em instantes, aquelas vidas se transformam exatamente em nada diante do vazio da desesperança e do caos, envolvidos pela completa escuridão a bordo da gigantesca aeronave que tremula desordenadamente entre a bruma espessa e gelada que paira sobre um negro oceano. Ouve-se um grande estrondo, e unidos pelo mesmo trágico destino, todos mergulham para sempre naquelas águas profundas. Ao amanhecer, nada mais existia naquele lugar na impassível superfície do mar, como se nada tivesse acontecido.

Junia - 2009