Um Suposto Despotismo (Nada) Esclarecido
Por Leôncio de Aguiar Vasconcellos Filho | 25/07/2025 | HistóriaA História é uma ciência que depende, bastante, da conceituação que os nossos iguais atribuem a um, ou a um conjunto de fatos preteritamente ocorridos. A exemplo, foi posteriormente a 1789 que um grupo de estudiosos imputou o cognome "Idade Moderna" à sequência temporal situada entre a Queda de Constantinopla, por meio da tomada dos turcos otomanos, e a Revolução Francesa, acontecida naquele primeiro ano. E foi, também, num hiato depois acontecido que passou-se a ter o costume de nomear os ditadores dos séculos XVIII e XIX de “déspotas esclarecidos”.
Isso porque o século XVIII foi recheado de pensadores, mormente filósofos e políticos, que protagonizaram o Movimento Histórico intitulado “Iluminismo”. Voltaire e Jean- Jacques Rosseau foram os principais estando, curiosamente, em lados opostos do espectro político, mas, ainda assim, “Iluministas”. O francês Voltaire era um grande admirador dos ideais liberais, tendo como principal referência de seu pensamento a já rica Grã-Bretanha, em contraste com uma França pobre, e, ainda, dominada por uma monarquia rural e absolutista. Viria a ser seu compartilhador de ideias Alexis de Tocqueville, exilado nas terras britânicas para escapar da ditadura iniciada por Robespierre. O suíço Jean-Jacques Rousseau, não menos brilhante, ficou conhecido por uma mentalidade mais estatista, tão bem estruturada na sua principal obra “O Contrato Social”, exaltando um maior cerceamento da liberdade individual em favor da coesão, ao passo que, da mesma forma, era um grande crítico da doutrina calvinista (ramo cristão fundado por seu compatriota João Calvino, que, junto aos demais ramos do protestantismo, seria de grande valia ao desenvolvimento do capitalismo, conforme, sistematicamente, demonstra, no século XX, Max Weber, especialmente em “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”).
E desde ditas posições (ou mesmo antes delas, numa parecida discursiva) que os denominados “déspotas esclarecidos” justificavam seus inflexíveis governos, d’um espectro ao outro, eis que fiados em supostas intenções análogas ao Iluminismo. No solo luso, podemos citar o então homem mais poderoso de Portugal: o Marquês de Pombal. Ocupante do cargo equivalente ao de hoje Primeiro-Ministro, Sebastião de Carvalho e Melo foi um dos dirigentes mais implacáveis da Europa Ocidental (leiam, por exemplo, sobre os Processos dos Távoras). Mas sua atuação foi historicamente “aprovada” pelos historiadores, que apontam seu preparo a enfrentar o Grande Terremoto de Lisboa, de 1755, a impor e Reforma Administrativa de 1759 ou a determinar a mudança da Capital do Estado do Brasil para o Rio de Janeiro, em 1763, a fim de escoar a produção mineral.
Também são ícones do despotismo esclarecido Frederico II, da Prússia, e Catarina II, da Rússia. E, atualmente no Brasil, uma teoria jurídica não muito difundida, mas existente, incentiva o florescer, nos tribunais de quaisquer instâncias, de “déspotas” entre nós: a Teoria da Ilegitimidade, em vigor em países como a Alemanha. Por esta Teoria, haveria uma altamente teologizada interpretação da Constituição, cujo ideal é sobrevalorizado, ainda que em detrimento de seus próprios mandamentos. Como exemplo, se uma futura Constituição da própria República Federal da Alemanha contiver novas normas determinadoras de um eventual Partido Único, sua Suprema Corte irá negar a respectiva aplicação, por todos os fatos pretéritos que já conhecemos. Noutras palavras, são os Magistrados acima da Constituição, desde que haja um princípio maior, norteado, a princípio, por seu próprio ideal (perfeitamente compreensível na hipótese supra). Mas dita interpretação não é (ou não era) permitida à Magistratura Brasileira.
Só espero, se agora aplicada, que não desague em um “despotismo (nada) esclarecido”.