O vegano tem como definição básica "aquele que, além de ser vegetariano completo, não veste peles e tecidos animais como couro e seda, evita consumir qualquer produto que possua algum ingrediente de origem animal e boicota empresas que testam seus produtos em animais". Vê-se no dever de, em todas as suas compras, vasculhar a lista de ingredientes de cada produto para ver se não há nenhum ingrediente vindo da exploração de bichos pecuarizados e procurar itens apenas de empresas que não fazem tais testes consistidos na crueldade. São, no entanto, tarefas nada fáceis no Brasil, uma vez que raramente os produtos ideais são facilmente identificáveis pela vista na prateleira. A dificuldade mais pesada é averiguar se tal marca testa ou não de forma exploratória, mais ainda do que atestar a ausência dos ingredientes veganamente proibidos, havendo a necessidade de se levar em mãos uma lista de empresas que testam e que não testam em animais – com o agravante de que as listas disponíveis na internet não englobam todo o universo de empresas fabricantes, faltando muitas delas.

Outro desejo dessa classe de defensores animais é que a população adquira generalizadamente o conhecimento dos procedimentos cruéis que flagelam muitos bichos e ainda se fazem necessários para se atestar a não-nocividade de muitos itens industrializados. Mas vê-se que esse objetivo ainda está andando a passos muito lentos no país com a divulgação apenas em sites e blogs de defesa animal que o povo alienado não se interessa em ler.

É nessas horas que vem à mente a idealização do selo normativo de "produto não testado em animais" e se pensa: "Que baita mão na roda seria esse selo!", ou "Esse selo seria tão bom para as pessoas aprenderem o que se faz nos laboratórios industriais que exploram animais...". Vistas essas duas necessidades, tenho o prazer de relevá-las em caráter mais detalhado para quem quer saber melhor as implicações da adoção dessa estampa, tendo eu também o objetivo de divulgar publicamente os benefícios que serão adquiridos com ela.

Antes de explicá-los, vale constatar que o selo já estampa, por norma técnica oficial, os produtos livres de crueldade em muitos países da Europa. Tem formato quadrado e contém o pictograma de um cachorrinho acalentado por uma mão humana, simbolizando que a fabricação do produto respeita os bichos que, em outra situação, poderiam ser cruelmente feridos ou até mortos nos testes. Já por aqui, em contrapartida, apenas algumas empresas intituladas como amigas do veganismo adotam algum sinal certificando que seus procedimentos não exploram animais, como o dizer "produto não testado em animais". Infelizmente elas são muito poucas, o que dificulta a vida do consumidor ético e inibe a escancaração da realidade dos biotérios industriais para a população.

Tendo em vista essa realidade, um selo brasileiro sinalizando itens livres de testes cruéis normalizado pela ABNT será a realização desses desejos dos veganos, e trará inestimáveis benesses não só para os mesmos como para outras pessoas e entidades:

1. Os animais sairão ganhando muito, com a propagação generalizada da consciência de que testar neles é errado. a) A questão dos testes exploratórios será exposta à população com muito mais força do que hoje, uma vez que, surgindo naturalmente a curiosidade generalizada das pessoas não-veganas para saber do que se trata o tal selo e o que há por trás dele, a resposta terá que ser dada com clareza e isso inevitavelmente implicará a exposição em público de todas as atrocidades de procedimentos como o Draize, o DL50 e a indução de irritação cutânea. Isso jogará, cedo ou tarde, grande parte dos consumidores contra a forma violenta de averiguar a não-nocividade de produtos industrializados, da mesma forma que, em Pernambuco, o caso Vostok levantou a indignação popular contra os circos com animais. b) Com a tendência da maioria das pessoas não-veganas de não gostar de crueldades contra animais, o selo atrairá a simpatia delas por estampar produtos vindos de procedimentos de produção amigáveis. c) A consciência de muitos, que saberão que itens sem a estampa têm uma origem onerosa para o bem-estar animal, irá pesar muito caso comprem estes, uma vez que finalmente poderá haver a analogia mental popular – ainda que incipiente – dos testes cruéis com as agressões gratuitas puníveis pela legislação ambiental atual. Um cidadão não-vegano de bem terá consciência de que estará indireta e indesejadamente machucando bichos caso compre produtos de empresas testadoras.

2. Os veganos também sairiam beneficiados, pois o selo acabaria com pelo menos metade do risco do vegano de adquirir um produto que vá contra suas convicções éticas – a outra metade está na probabilidade de descobrir que aquele frasco que comprou possui parcialmente ingredientes de origem animal e seria combatida por uma certificação industrial de ausência desse conteúdo impróprio. Para um vegano, adquirir um item antiético, violar sua ética de consumo ainda que sem querer, é como um religioso blasfemar contra seu deus, ou um guitarrista quebrar uma guitarra insubstituível, ou um vegetariano comum comer carne, ou um rei esculhambar seu povo em entrevista pública, ou um amigo fiel trair em gravidade mediana seu amigo; e esses fatos serem sucedidos por um corrosivo remorso.

3. Há outros benefícios ainda, como a divulgação midiática do próprio veganismo e a corrida das indústrias atrás desse "pedaço de excelência ética" pela implantação de testes alternativos em, por exemplo, culturas de células e tecidos celulares sinteticamente produzidos e pessoas voluntárias que receberão anestesias e remunerações compensatórias.

Animais, veganos, consumidores comuns, empresas, todos sairão ganhando com o selo normativo de "produto não testado em animais" e terão a chance de, sem grandes dificuldades, conciliar o consumo de mercadinho e supermercado com a harmonia animal. O vegano dirá "Ufa!"; o não-vegano, "Prefiro produtos com aquele selo"; as empresas, "Somos uma empresa ética que respeita os animais"; e os bichos não precisarão conhecer todo o terror dos laboratórios e biotérios industriais. A estampa se caracterizará, a longo prazo, como uma nave a salvar os habitantes mais bondosos de um planeta condenado a uma explosão nuclear. Quem ficar para trás, caso dos consumidores que ignorarem o selo e das empresas que, não correndo atrás desse mercado consumidor ético crescente, não salvarem sua imagem institucional da ligação com a crueldade, sucumbirá com a destruição do astro. As indústrias e seus clientes terão seus hábitos de produção e consumo moldados para uma conduta muito mais responsável, alargando a tendência atual de adequação social, ambiental e zôo-ética da sociedade industrializada.